quarta-feira, 30 de maio de 2007

Os insubstituíveis

SABER SAIR A TEMPO
O espectáculo dado pelo BCP, com o fundador, Jardim Gonçalves, a querer dominar as situações mais importantes, inclusive a nomeação do Conselho de Administração, em detrimento da Assembleia-geral de Accionistas, veio mostrar à saciedade que há pessoas agarradas ao poder. O mundo está cheio de gente que não consegue sair pela porta grande, dando lugar aos mais novos ou a defensores de outras estratégias, quiçá mais modernas e mais adequadas aos tempos actuais. Falo deste caso, por ser paradigmático. Jardim Gonçalves foi, de facto, um banqueiro de visão, como sublinham os especialistas na matéria. Criou o maior banco privado português, mas não foi capaz de sair na hora certa, porque, pelos vistos, não sabe viver desligado do poder. Ora isto acontece noutras frentes: na política, na solidariedade social, na comunicação social, no desporto, nas empresas e na religião, entre muitas outras. Olhando à volta, vejo pessoas que foram extraordinárias em várias frentes ou naquelas em que mais se envolveram, mas incapazes de compreender que o seu tempo já passou. Estão convencidas que sem elas é o caos, o fim das instituições que lideraram muitos anos. Pensam que não há quem possa ocupar os seus lugares. Sentem-se senhoras e donas do que puseram de pé ou ajudaram a erguer. Caem em angústias só de pensar que os seus lugares possam vir a ser ocupados por outros. Não têm humildade suficiente para deixar o barco que timonaram anos e anos, retirando-se para o merecido descanso. Acham que têm o direito e a obrigação de trabalhar até morrer, sem perceberem que podem estar a prejudicar a própria comunidade. Se dúvidas tiverem, olhem, por favor, para o lado. Há pessoas destas por toda a parte.
Fernando Martins

Ares da Primavera



O VENTO IMPÕE A SUA LEI
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Se dúvidas houvesse, aqui está a prova de que o vento impõe as suas leis. Na Figueira da Foz, no Parque das Abadias, há árvores que vão indicando a quem passa os ventos dominantes na região. O mar, aqui ao lado, também ajuda, quer seja Verão ou Primavera. Mas também há, de vez em quando, tempos de calmarias. Hoje, para não variar, de há meses a esta parte, temos uma chuva miudinha, a quem muitos chamam de "molha tolos".

Um artigo de António Rego

AUSCHWITZ CONSENTIDO
Temos direito a perguntar-nos se a justiça e a paz são acontecimentos com défice ou com excesso de informação. As imagens de violência despertam-nos para a urgência da paz ou dela nos desinteressam pela insensibilidade que geram face à exposição excessiva dos dramas humanos? E como lemos, para além da náusea ou do apego ao espectáculo, a relação da justiça com a paz, do desenvolvimento com a harmonização das diferenças, da pobreza com a destruição, do terror com as situações opressivas próximas ou longínquas de países, culturas, religiões, impérios de tirania, riquezas usurpadas aos mais fracos, esquecimentos geradores de revoltas, tensões próximas da explosão por excesso de silêncio e cumplicidade dos mais capazes de fazer funcionar uma justiça para todos? Não nos esqueçamos que o mundo já foi muito pior do que é hoje. Há passos gigantes já andados no debelar de enfermidades e carências extremas em tantos recantos da terra. Há sinais de pobrezas vencidas, com caminhos fraternos de desenvolvimento. Mesmo com o desequilíbrio do mapa Norte-Sul - um escândalo cuja vergonha deve ser repartida por todos - não podemos dispensar a justiça no julgamento do que já foi feito por uma melhor repartição de todos os bens essenciais a cada povo e a cada indivíduo. Mas a verdade é que o conforto de alguns – poucos - na casa comum que é a Terra, gera desleixos no olhar e no agir, no sentir e no lutar por uma repartição mais justa dos bens. Não se trata duma questão secundária do nosso tempo, nem duma fatalidade entregue às leis cegas do mercado. Não se trata duma questão de consciências mais sensíveis ou marcadas por escrúpulos religiosos. As manchas de pobreza e miséria, de esmagamento e humilhação de povos, culturas e religiões, são um Auschwitz consentido pelo mundo moderno teoricamente sensível a valores e direitos humanos, mas confuso na sua análise e tíbio na sua aplicação. Estamos perante uma questão de cidadania, pertença da humanidade, responsabilidade de todos e cada um, questão central na consciência do mundo de hoje. A cada um é colocada a dramática pergunta: “quantos pães tendes?” Neste terreno se moveu a Conferência da Comissão Nacional Justiça e Paz. E mais de uma dezena de organismos que reflecte estas questões com carácter de urgência do nosso tempo. O problema é fazer chegar esta sensibilidade a quem de direito. Ou seja a todos nós. E a cada um.

Um artigo de Alexandre Cruz

Aliança das Civilizações
1. Alianças, pontes estratégicas para encontros comuns, parcerias que fortaleçam os laços de unidade, são dinamismos sempre bem vindos pois correspondem ao essencial da nossa comum dignidade humana: nascemos para viver juntos, mas muito mais que isso, para ser felizes uns com os outros. Precederam-nos séculos de buscas e procuras tantas vezes intolerantes, em que os muros levantados espelhavam a não aceitação das diferenças de pensamento e acção (ainda que muitas destas culturalmente saudáveis na base da dignidade humana); chamaram-se muitos nomes “em vão” acentuando-se mais os pormenores das diferenças que a unidade do essencial, o que representou factor gerador de “choques” demonstrativos da incapacidade de coexistir com o outro. O tempo que vivemos (e sempre que a velocidade comunicacional agitou a vida para novos mundos tal se verificou), será a época da nova síntese construída pelos líderes que, acolhendo a autêntica liberdade (responsável), sabem integrar a pluralidade de forma criativa. Só haverá “aliança” na reciprocidade de projectos e compromissos; e só com sensibilidade e bom senso a reciprocidade ajudará uns e outros a tornarem relativos os pormenores e darem importância ao que merece esse patamar. Felizmente vamo-nos abrindo à totalidade, pelo menos no campo das ideias, e reconhecendo que falar de identidade não é dizer um igualitarismo clonado mas que no nosso próprio ser inscreve-se uma “identidade como diferença”. No fundo, todos neste mundo somos filhos da pluralidade, a noção de diferença construiu-nos, até nas grandes mensagens existenciais históricas; porque é que por vezes preferimos o “choque” à “aliança”? 2. Na percepção feliz do eixo determinante da aproximação dos povos em globalização, o então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, lançou (em 14.07.2005) a “Aliança das Civilizações”. Este lançamento sublinha que na nossa condição humana de pessoas as grandes questões da humanidade não se resolvem à pressa, on-line, ou tecnologicamente longe do “outro”; um novo entendimento, a partir das próprias feridas que atravessam os povos, quererá reinterpretar o nosso tempo. Na base da interdependência entre todas as nações neste mundo global, a Aliança das Civilizações apresenta-se, na sua origem, como plataforma quererá combater os preconceitos e incompreensões entre as culturas, nomeadamente islâmicas e ocidentais. Sublinhava-se na altura, segundo o porta-voz de Kofin Annan, Stephane Dujarric, que «os acontecimentos deste últimos anos acentuaram a impressão de um fosso crescente e de uma falta de compreensão entre as sociedades islâmicas e ocidentais, um ambiente que foi explorado e exacerbado por extremistas em todas estas sociedades». Neste contexto, afirma o comunicado fundacional, «a Aliança das Civilizações entende-se como uma coligação contra estas forças, como um movimento para promover o respeito mútuo pelas crenças e tradições religiosas e como uma reafirmação da interdependência crescente da humanidade em todos os domínios.» 3. Tendo sido o processo desta aliança iniciado pela Espanha e pela Turquia em 2004, ideia depois acolhida e integrada nas Nações Unidas (que a criaram em 2006), será de realçar que presentemente é um cidadão português que preside a este Alto Comissariado. Nomeado a 26 de Abril de 2007, Jorge Sampaio considera que as suas primeiras linhas de acção vão passar por dar «especial atenção à clivagem entre as sociedades ditas ocidentais e muçulmanas, bem como no seio das sociedades ocidentais ao aumento da intolerância, da xenofobia e do extremismo.» É inegável e incontornável que a construção da paz mundial, da liberdade como desenvolvimento humano e do próprio salvamento ecológico do planeta, exigirão o máximo esforço de se conjugar em aliança todas as sinergias positivas e estimulantes. Este também poderá ser um modo de diluir os riscos sempre dramáticos do pensamento extremista. Se as comunicações globais de hoje colocam-nos à mesa uns com os outros todos os dias, será essencial que esse encontro se revista sempre mais de espírito de aliança em cooperação parceira. É tarefa que é missão real (que quererá mesmo iluminar de sentido a comunidade virtual); é missão pessoal e global que exigirá de cada cidadão a entrega diária no aliar o rigor dedicado à sensibilidade para com cada outro… Só nesta vi(d)a aberta e plural haverá futuro com futuro!... (Toda a cega intolerância uniformista, venha de que fonte vier, é regresso ao pior do passado.) Assim seja tão fácil construir pontes de entendimento humano entre os povos como erguer pontes de betão!...

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Ausente, mas sempre presente

Problemas técnicos, desde ontem e até não sei quando, im-pedem-me de estar, com alguma regularidade, com os meus amigos. Também vou estar ausente, por uns dias, para férias. Mas aqui voltarei, sempre que puder, se para tanto encontrar, por aí, uma porta aberta. Não será difícil, pois o mundo, agora, cabe todo numa palma da mão...

domingo, 27 de maio de 2007

Ares da Primavera



ONDE PARAM
AS SALINEIRAS DE AVEIRO?
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Quando passo pelas Pontes, em Aveiro, não deixo de apreciar as quatro estátuas que a autarquia ali pôs, uma a cada canto. Para os aveirenses verem, e recordarem, e para os visitantes ficarem com uma ideia, mesmo pálida, do que foram as gentes que trabalharam na Ria e nas salinas. Que me perdoem os artistas, mas eu acho que as estátuas poderiam ser um pouco maiores. Assim, dá a impressão que os aveirenses são de "roda baixa", como se dizia na minha meninice, quando afinal são gente possante e a puxar para o alto. Que o digam os que se lembram dos nossos remadores do Galitos, que há décadas andaram pelas Olimpíadas, mostrando como se rema.
Hoje e aqui fica a salineira, com a sua canastra a tiracolo, bem à moda de levar o sal da eira da marinha para os barcos saleiros e destes para os armazéns. Da marinha para as eiras, onde iam construindo, canastra a canastra, os célebres montes, que emprestavam à ria um colorido raro, essa tarefa era de homens, possantes, sofredores.
As salineiras, essas desapareceram praticamente do mapa de Aveiro e sua região. Para que não caiam no esquecimento, aqui fica um pouco da nossa memória aveirense.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 25




O MOINHO
DOS TRASGOS
E A MOURA


Caríssima/o:

Gostaria de aproveitar para saudar todos os Parentes que tiveram suas raízes em Vimioso e, para nós, em Argoselo, hoje Vila. De lá vieram os Ataíde Fernandes; com vice-reis da Índia ou sem eles, a nossa geração aí está também ela pelos quatro cantos do Mundo (olá Artur!) e outros pela Gafanha (Viva Óscar! Como estás Humberto!), ainda alguns por terras de Bragança (Ei, Domingos!) não contando os que já vivem no Reino (Cravo da Rocha, estamos contigo!), isto sem esquecer a todos os outros que a todos envio o meu trasgo.

«O Moinho dos Trasgos fica no sítio do Caniço, na margem esquerda do ribeiro de Riaduros, afluente do Carvalhal. Bem, o que lá está são apenas ruínas. Não se demorem lá muito porque também o moleiro que o trabalhava o abandonou. É que, certa noite, quando ele assava um bocado de carne, um trasgo juntou-se-lhe para assar uma espetada de lagartixas. E não é que o trasgo queria pingar a gordura exactamente no pão em que o moleiro aparava o bocado de carne?!! O moleiro conseguiu que o trasgo se fosse embora, mas verdade é que ele deixou de trabalhar ali e ninguém se apresentou para tomar conta do moinho. Ah, mas esquecia de dizer o que são trasgos! Pois, ainda que o dicionário da Academia os não inclua, trasgos, conforme a crença popular, são espíritos irrequietos, muito movimentados, que pregam sustos mas não incomodam muito...

Agora vá o leitor a Algoso e lá que o levem à Fonte de S. João. Escolha a véspera do dia de S. João, ponha-se à coca. Sabe o que verá? Pois o mesmo que um rapaz dessa aldeia, que se apaixonou pela lenda. Pois à meia-noite, lá no abrigo em que se encontrava, viu uma enorme serpente que se dirigiu para a fonte. O ar estava que nem num sonho, vindo belos aromas de um roseiral ali perto. Pois a serpe mergulhou três vezes nas águas e transformou-se numa linda moura de cabelos dourados. Saltando para o chão de terra batida, a menina sentou-se na borda da fonte a cantar e a pentear-se. Apareceu então uma corça, procedente de uma mata próxima. A moura fez-lhe festas e o animal lambeu-lhe as babuchas. A moura depois inclinou-se para a fonte e chorou copiosamente. Então, o leitor, tal como o rapaz da lenda, ficará de boca aberta e fará um movimento qualquer, no qual se quebrará um ramo seco e o encanto, baixando uma névoa sobre a Fonte de S. João. Gostaram da perspectiva?
Bem, falta o leitor saber o porquê da ida à fonte. É que no tempo em que ainda havia mouros por Trás-os-Montes, na aldeia de Algoso, havia um mouro que tinha costela de bruxo. Sabia o passado e o futuro de toda a gente menos do seu próprio. De toda a parte iam lá consultá-lo. E de todas as classes. E assim foi juntando o seu tesouro.
Um dia, correu a notícia de que tropas cristãs se aproximavam de Algoso. O homem, que já ia entrado na idade, pegou no baú das suas jóias e andou em busca de sítio para o esconder. E andou, andou, andou, até chegar à Fonte de S. João de Algoso. Verificou que ninguém o estava a espiar e, logo por baixo da fonte, afastando os ramos de um chorão, aí meteu o seu tesouro. Mas quando acabou de o esconder, ergueu os olhos e deu com uma menina moura e julgou que ela o observava. Teria, na verdade, visto onde ele escondera o tesouro?
Pelo sim e pelo não, com um gesto mágico e uma oração secreta, lá fez desaparecer a moura. Pode ser que o leitor a conheça quando lá for...»

[Viale Moutinho, pg. 304]

A moura terá desaparecido, mas será que o tesouro ainda lá está ou minha Avó o trouxe para a Gafanha?

Manuel