domingo, 3 de abril de 2005

Artigo de José Manuel Fernandes, director do "PÚBLICO"

O Papa da liberdade Morreu como sempre viveu: com enorme coragem, a eterna coerência, as convicções inabaláveis, a persistência do lutador que nunca desiste. Sobretudo nunca desiste de ser quem é, de assumir até às últimas consequências a sua liberdade interior, de não se render às circunstâncias, mesmo as mais adversas. As últimas semanas, os últimos meses - os últimos anos? - foram de um grande sofrimento. Karol Wojtyla era um homem tolhido pela doença, diminuído há muito pelo atentado quase fatal de 1981 - agora confirmadamente uma obra do KGB - e que, mesmo assim, não se eximia a qualquer das que acreditava serem as suas obrigações. Num mundo onde a velhice, em especial a degradação do corpo que surge com a doença e a idade, é tantas vezes escondida e motivo de vergonha, João Paulo II assumia-se como era perante todos. Não para exibir a dor ou inspirar piedade, mas porque era um velho doente e queria dizer a todos que um velho doente não deixa por isso de ser o mesmo ser humano, merecedor do mesmo respeito, senhor da sua inalienável dignidade. Num tempo em que tudo fazemos para evitar a dor e fugir ao sofrimento, João Paulo II não deixava de tentar cumprir todos os rituais ligados à sua função mesmo que isso implicasse dor e sofrimento - até porque assumir o sofrimento próprio e entendê-lo como a vontade de Deus faz parte da herança da Cristandade, da crença mais profunda dos fiéis. Acreditar, ter fé, é um dom - e escrevo-o como alguém que conheceu e perdeu a fé. Quando essa fé tem o poder e a intensidade que se percebia em João Paulo II - não é certamente por acaso que D. José Policarpo, patriarca de Lisboa, escreveu que a imagem mais forte que guarda de João Paulo II é do "Papa como um grande crente" - ela determina cada gesto, cada decisão, toda a iniciativa. Admito que é difícil, para todos, mesmo para os católicos, entender o significado integral da entrega de alguém como Karol Wojtyla, sobretudo quando o seu ministério é mais controverso. No entanto julgo que, sobrepondo-se a todas as diferenças de opinião, temos de olhar para o seu legado como algo de que não podemos guardar o que gostamos e esquecer o que não gostamos: temos de o tentar compreender na sua integralidade pois corresponde à imensa coerência e complexidade de alguém que nunca desistiu e sempre lutou pelas suas convicções mais profundas. (Ler o texto na íntegra no "PÚBLICO")

Efeméride: Agostinho da Silva

No domingo de Páscoa de 1994, 3 de Abril, morreu em Lisboa o professor e pensador Agostinho da Silva, depois de uma vida cheia envolta no sonho do 5º império. Do homem que acreditava que o Portugal do século XXI haveria de revelar ao mundo, "sobretudo pelo ser de cada um, o que se vai atingir para além do mundo, com toda a física e metafísica; todas as coisas várias e as mesmas; todos os povos um só e diferentes; todas as características uma e diferentes; todos os ideais diferentes, e um só". Agostinho da Silva nasceu no Porto em 1906 e em 1931 a Universidade da cidade invicta confere-lhe o doutoramento com distinção pela tese que desenvolveu, "O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas". Inconformista, procura conhecimentos e culturas em todo o lado, funda Centros de Estudos no País e no estrangeiro, passa por Aveiro onde foi professor do Liceu José Estêvão, em 1933, profere palestras, cria Universidades e lecciona no Brasil e noutros países de vários continentes, escreveu livros. Foi um autêntico andarilho da cultura e da educação pelos quatro cantos do mundo. Eduardo Lourenço diz do pensador que "a encarnação perfeita de uma experiência transparente", que foi um "místico" e até um "excêntrico". Lembra, ainda, que Agostinho da Silva foi "o homem dos sete ofícios, profeta, pedagogo, sábio, naturalista por conta própria", onde "A Natureza e a face misteriosa, terrífica, o símbolo dos pesadelos e das ficções científicas, repousava nas suas mãos como num berço". F.M.

Editorial do "Expresso"

A linha da vida "A terrível batalha jurídica que se desenrolou nos Estados Unidos, com os tribunais a legislarem sobre o corte ou não corte do fio que ligava uma mulher à vida, e a luta que decorre em Portugal a propósito da marcação da data do referendo do aborto, trouxeram de novo à actualidade o debate sobre a vida humana. A questão coloca-se de forma muito simples: uns defendem que não é legítimo intervir sobre a vida de um ser humano, desde o momento da concepção até ao momento da morte, outros consideram que essa intervenção é legítima. Os primeiros condenam, por exemplo, o aborto e a eutanásia. Os segundos aceitam-nos. O Expresso, não sendo um jornal confessional, como é sabido, tem-se mantido intransigentemente contrário à manipulação da vida. Para nós, é necessário que haja uma linha clara, nítida, que separe a vida da morte - e que na transposição dessa linha não exista intervenção de ninguém. Ora os que defendem a eutanásia e o aborto estão a admitir que a linha que protege a vida não é nítida, que o início da vida e o momento da morte são discutíveis, que um ser com menos de 12 semanas não pode ser considerado um ser humano e que um homem ainda vivo pode já 'merecer' estar morto - sendo admissível, por isso, o golpe de misericórdia. Esta aceitação da ideia de que à volta da vida não deve haver uma linha inviolável mas uma nebulosa, e que são legítimas as intervenções nessa zona no sentido de interromper a vida ou apressar a morte, é um passo terrivelmente perigoso. Porque, além da eutanásia e do aborto, abre o campo a outras enormidades como a pena de morte. Ou a pensamentos ainda mais tenebrosos como este: se uma pessoa deixou de trabalhar e de ser produtiva, se se tornou um estorvo para os seus familiares, porquê mantê-la viva? Se a eutanásia é permitida, por que não alargar esse conceito aos velhos que só representam encargos para a sociedade e um peso insuportável para os parentes? Aceitar a manipulação da vida é um risco tremendo. Aqueles que, por razões ideológicas ou porque consideram que isso é 'moderno', defendem 'causas' como a eutanásia e o aborto, deveriam pensar um pouco mais a fundo até onde isso nos poderá levar."
NB: Transcrevo o Editorial do "Expresso" desta semana porque julgo que pode ajudar muita gente a pensar.

A globalização está a dar cabo de nós

No seu espaço habitual do suplemento "Economia & Internacional" do "Expresso", Nicolau Santos afirma que a globalização está a dar cabo de nós, garantindo que "não há milagre de produtividade que consiga reduzir o diferencial do custo de mão-de-obra entre a Europa e a China". E sublinha, a seguir, que o inevitável "é a concentração da riqueza num cada vez menor número de megaempresas e o avanço da pobreza e da insegurança profissional à escala planetária". Depois de contar a história económica do Japão, que passou quase do pleno emprego no pós-guerra para uma situação em que 40 por cento dos japoneses ocupam, presentemente, um posto de trabalho a tempo parcial ou a termo certo, Nicolau Santos afirma que a globalização vai fazer com que "a esmagadora maioria das nossas empresas têxteis desapareça, deixando no desemprego de 75 a 100 mil trabalhadores nos próximos cinco anos". Refere, por outro lado, que o movimento da integração europeia "vai tornar-nos o Alentejo da Europa, desertificado e pouco interessante, com os nossos melhores quadros e os nossos filhos a emigrarem para centros urbanos europeus bem mais compensadores do ponto de vista profissional, social e cultural". No entanto, Nicolau Santos frisa que ainda há soluções para evitar esta catástrofe, soluções essas que passam por algumas empresas nacionais dominarem sectores estratégicos e por haver incentivos a investimentos estrangeiros em investigação e desenvolvimento entre nós. Mais: por estimular o orgulho dos empresários nacionais em manterem as empresas nas suas mãos, por fazer compreender aos sindicatos que não pode estar em jogo os aumentos salariais, mas saber se ainda teremos um emprego daqui a cinco anos. Numa perspectiva positiva, temos de olhar, de facto, para a evolução do mundo económico, matriz do progresso a nível de bem-estar social. A economia, hoje, está na base de tudo, podemos mesmo dizê-lo. Mesmo acima das políticas governamentais, que pouco poderão fazer para além do estímulo e da criação de estruturas de apoio ao desenvolvimento empresarial, sempre no respeito pelo princípio da defesa dos mais frágeis da sociedade, como é próprio de uma democracia solidária. F.M.

sábado, 2 de abril de 2005

Vela que iluminou o mundo extinguiu-se

Hoje, primeiro sábado de Abril de 2005, pelas 20.37 horas de Lisboa, extinguiu-se uma vela que iluminou o mundo. Vela que irradiou luz e calor humano, que deu brilho a gestos de verdade, que inspirou caridade, que valorizou a solidariedade entre todos os homens de boa vontade. Vela que iluminou caminhos de paz e de fraternidade entre povos e nações, que valorizou a harmonia entre as pessoas. Vela que clamou por justiça e que abriu pistas de amor, para um mundo muito melhor. João Paulo II fica na história da Igreja e do mundo como um arauto das causas justas, do entendimento entre cristãos de todas as denominações, do diálogo inter-religioso, do respeito pelos não crentes. Mas fica também como o Papa corajoso que esteve em todas as frentes na luta pela dignificação do homem e da mulher, dos jovens e idosos, dos marginalizados e esquecidos, dos pobres dos pobres. João Paulo II foi, sobretudo, um Papa de fé, de uma fé dinâmica e aberta, determinada e ao mesmo tempo serena, que se apresentou em todos os areópagos mundiais, durante 26 anos, para apelar aos homens que abrissem os seus corações a Cristo, rumo à construção de uma nova ordem social e espiritual, onde todos fossem irmãos. João Paulo II deixou-nos fisicamente, mas continuará connosco, com todos os que viam nele um reflexo visível da mensagem de Cristo, mensagem que ele apresentou, como poucos, a todas gerações e para todos os tempos. João Paulo II, agora que está no seio de Deus, não se esquecerá de nós, como bom pai que foi para todos os que o ouviam e seguiam. Afinal, o peregrino do mundo, o incansável defensor dos oprimidos, o doente sem queixumes, o homem de rosto calmo e de palavra doce, permanecerá no meio de nós. Para sempre. Fernando Martins

MORREU JOÃO PAULO II

O Santo Padre faleceu esta noite, às 20.37 horas (hora de Lisboa), no seu apartamento privado
João Paulo II morreu esta noite, aos 84 anos, na sequência do progressivo agravamento do seu estado de saúde, ao longo dos últimos dias. A notícia foi confirmada oficialmente pelo Vaticano. "O Santo Padre faleceu esta noite às 21. 37 horas (hora local, menos uma em Lisboa), no seu apartamento privado", refere o comunicado difundido pelo porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls.
"Todas as disposições previstas na Constituição Apostólica 'Universi Dominici Gregis', promulgada por João Paulo II a 22 de Fevereiro de 1996, entraram em vigor", acrescenta. O Papa morre num primeiro sábado do mês, dia particularmente dedicado à figura da Virgem Maria, de quem sempre foi particularmente devoto. "É com emoção e com profundo sentimento que anunciamos a morte João Paulo II, o Papa que durante 26 anos de Pontificado confirmou a Fé e contribuiu para solidificar os fundamentos da fé e da solidariedade entre todas as nações. Recomendamo-lo ao Senhor", anunciou a Rádio Vaticano. O Papa polaco foi uma das figuras mais marcantes da história recente, na Igreja e no mundo, e deixa atrás de si a herança de um longo Pontificado de 26 anos e meio (1978-2005) o terceiro mais longo da história da Igreja. (Pode ler mais na ECCLESIA)

IGREJA acompanha momentos finais do Papa

O Vaticano não esconde que João Paulo II vive os momentos finais, explicando que o Papa se encontra em condições “gravíssimas” e começa a entrar num estado de perda de consciência. De acordo com o último comunicado disponível, as condições gerais cardio-respiratórias e do metabolismo “permanecem substancialmente inalteradas e são, por isso, gravíssimas”.Desde o amanhecer deste sábado, o Papa começou a ter perdas de consciência, embora o porta-voz do Vaticano negue o estado de coma noticiado por várias agências internacionais. “Desde o começo da manhã de hoje foi observado um compromisso inicial do estado de consciência”, disse Navarro-Valls, explicando que o Papa parece “estar a dormir” e que “não está tecnicamente em estado de coma”.Milhares de fiéis acompanham o evoluir da situação na Praça de São Pedro, diante da janela dos aposentos de João Paulo II, cujas luzes se mantiveram acesa durante toda a noite.A noite passada foi marcada pelo silêncio e o recolhimento, num local marcado por milhares de intervenções, muitas das quais históricas, e por momentos de grande intimidade entre o Papa e os peregrinos, ao longo destes 26 anos e meio de Pontificado. (Para ler o texto na íntegra, pode clicar em ECCLESIA)

PAPA continua a piorar

Segundo as últimas notícias, o Santo Padre não está em coma, mas o seu estado de consciência começa a ficar comprometido. Esta informação partiu do porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, num comunicado oficial revelado há minutos, divulgou a ECCLESIA :“desde o começo da manhã de hoje foi observado um compromisso inicial do estado de consciência”. Navarro-Valls acrescentou, contudo, que “o Papa não está tecnicamente em estado de coma”. O estado de saúde de João Paulo II permanece "substancialmente inalterada", ou seja, condições "gravíssimas".Um novo comunicado está previsto para o final da tarde.Navarro-Valls assegurou que, na tarde de ontem, João Paulo II terá pronunciado algumas palavras para agradecer a presença dos jovens neste momento delicado da sua vida.

DIA INTERNACIONAL DO LIVRO INFANTIL

Como já informei aqui, celebra-se hoje o DIA INTERNACIONAL DO LIVRO INFANTIL, precisamente no dia em que se recorda a data em que nasceu o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, há 200 anos. Este Dia Internacional, com os méritos de todos os outros, deve levar-nos a reflectir sobre o que podemos fazer a partir de hoje, concretamente na linha da promoção do livro infantil e do incitamento à leitura, sendo certo que aqueles dois pontos são, sem sombra de dúvidas, um excelente contributo para a formação de mulheres e homens novos. Novos, porque enriquecidos pela cultura, pelo conhecimento, pelo respeito por outras formas de pensar e de viver que as leituras proporcionam. O DIA INTERNACIONAL DO LIVRO INFANTIL é para ser vivido pelas crianças, é verdade, mas também pelos pais e educadores, todos em perfeita sintonia, porque só assim encontrará êxito. E para isso, proponho aos responsáveis pela educação de crianças a leitura de um livro, editado há poucos dias, que é uma boa ajuda para quem tem de saber o que oferecer aos novos leitores. Trata-se de "Dez réis de gente... e de livros", de Sara Reis da Silva, onde a autora nos encaminha para escritores lusófonos, dando informações importantes a quem tem de aconselhar um livro para a infância.
F.M.

Noite de oração pelo Santo Padre

Em todo o mundo católico, a última noite foi de vigília e de oração pela saúde do Papa. E a esse mundo, muito ligado a João Paulo II, juntou-se o mundo de outros cristãos, do Islão e de outras religiões e formas de espiritualidade, bem como o mundo dos não crentes. Foi uma homenagem universal ao homem que durante 26 anos lutou incansavelmente pela paz, pela justiça social, pela harmonia entre povos e nações, mas também pela instauração do Reino de Deus na Terra, no seguimento da Boa Nova de Jesus Cristo. Também estivemos, todo o dia, neste espaço partilhado, em sintonia com todos os que reconhecem a importância do papel desempenhado pelo Santo Padre na defesa dos mais pobres, dos perseguidos, dos marginalizados, dos oprimidos e dos deserdados da sorte, precisamente quando as sociedades passam por eles com olhares indiferentes. A esta hora, pouco ou nada se sabe sobre o estado de saúde do Santo Padre, desde o fim da tarde de ontem. O que sei é que gostaria de receber a notícia de que o Papa teria conseguido resistir à doença. Para ao menos, com o seu olhar terno e bondoso, nos fixar, nem que fosse apenas mais uma vez. F.M.