quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Poesia na cidade


MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,
quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa


:
NOTA: Sempre me sensibilizou a poesia na cidade. Para além de mostrar bom gosto, a poesia molda-nos a alma e reflecte a arte que anda dentro de nós. De quem a publica e de quem a lê.
Um monumento singelo dedicado aos gafanhões que fizeram do mar o seu modo de vida, ali no centro da cidade, mesmo em frente à sede da Junta de Freguesia, mostra que Fernando Pessoa também é lido e apreciado nesta terra de ria e mar. Por isso, aqui fica uma foto do monumento e o poema que o ilustra tão bem.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Ares do Verão







Imagens da Costa Nova


COSTA NOVA COM CHEIRO A VERÃO

Passei hoje pela Costa Nova, para olhar e apreciar um pouco o ar de Verão que por lá existe. Vi gente um pouco de toda a parte, denunciada por linguajares diversos. Gente que caminha descontraída, que fala alegremente, que olha extasiada para a laguna, que se encosta para ver quem passa, que se refresca nas esplanadas, que enfrenta o vento agreste que hoje se fez sentir, que não foge às nuvens de areia que a ventania arrastava pela praia. Gente que se abrigava à sombra das árvores, que cirandava pela relva fresca, que estava por estar.
Boas férias para todos.

Os meus contos

O Piteira
Toda a gente da aldeia conhecia o Piteira. Era uma figura típica que não passava despercebida a ninguém. Não que fosse um artista, um pai de família exemplar, um proprietário de nome reconhecido na praça, um político de palavra fácil. Nada disso. Era simplesmente um “alma de Deus” e um ébrio incorrigível. Magro, pele tisnada pelo sol e pelos ventos salgados da maresia, beata ao canto dos lábios, sempre do lado esquerdo, boné à marinheiro, olhos bem abertos para o infinito, nunca fitava de frente fosse quem fosse, falava sem tino a maior parte do dia e até de noite. Pregava sermões não se sabe a quem, de quando em vez, mas não se conheciam animosidade de sua parte. Bebia tinto, sempre tinto, que outras bebidas o seu estômago não aceitava. Faziam-lhe azia, dizia a quem procurava saber o porquê dessa discriminação. Só o tinto, pois, e a qualquer hora, fazia dele um bêbado famoso nas redondezas. Mas era um bêbado cordato. Não se notavam nele tendências agressivas, não armava zaragatas e até fugia delas, não discutia com ninguém e frequentemente respondia, a quem o interpelasse com menos delicadeza, “quem está, está; quem vai, vai”. O Piteira deambulava pela aldeia, ao deus-dará, indiferente a tudo e a todos, à chuva e ao vento, ao frio e ao calor. Como quem busca qualquer coisa que sabe difícil de encontrar. E a quantos teimavam em saber a razão de ser da sua vida, o porquê de gostar tanto do tinto, respondia com o silêncio e com olhares mortiços. Às vezes indiferentes e não raramente altivos. Conjecturava-se sobre algum desgosto de amor, sobre alguma revolta social, sobre algum complexo que o amarfanhava. Mas a tudo isso o Piteira respondia do mesmo jeito, como quem não deve nada a ninguém: - Gosto de vinho, porque sim! – foi a única explicação que um dia deu, não se sabe porquê. Na família do Piteira não havia alcoólicos. Gente simples, trabalhadora, honesta, pacata, não gostava que o seu Piteira desse má nota dos seus. Mas nem por isso deixava de mostrar estima por ele, aceitando-o quando aparecia e dele cuidando com carinho. O Piteira comia pouco em casa de uns e de outros familiares. Nunca de amigos, que também os tinha. Às refeições bebia água, simplesmente. Depois de comer, senta-se num banco tão velho como ele, perto de uma figueira ainda mais antiga, do tempo dos seus avós. Por ali se quedava, pensativo e calado. Via os sobrinhos mais pequenos e deles se ria do que faziam e diziam. Com os mais crescidotes, embevecido, talvez recordasse os anos em que foi moço de salinas, onde trabalhava de sol a sol à torreira do calor abrasador e salgado. Em certos dias, sem sal para raer e para encher os montes nas eiras, o marnoto não lhe perdoava o não ter que fazer e lá o levava para as tarefas agrícolas no aido grande. Animava-o apenas o sorriso lindo e o ar donairoso das duas filhas do patrão, a Ermelinda e a Maria Rosa, que por ali passavam de quando em vez. Só por isso, valia bem esse esforço não remunerado do Piteira, em dias de tempo chuvoso ou sem sol que desse sal. Depois, num repente, saltava do banco e voltava às suas caminhadas, sem horizontes e como que perdido no tempo. Alheio a tudo, com a prisca ressequida e eternamente apagada que nunca lhe caía do canto esquerdo dos lábios gretados. Nos tascos por onde passava, inevitavelmente, havia sempre quem lhe oferecesse um copito de três, que ele engolia num trago e sem agradecer. Um aqui, outro ali, e tanto bastava para manter em alta o nível alcoólico que fazia do Piteira um doente crónico. Certo dia, um amigo, aproveitando ocasião de alguma lucidez, avançou com a ideia de o Piteira se tratar. Sempre podia ficar com mais saúde; o tratamento seria fácil; umas simples pastilhas receitadas por um médico seriam uma ajuda preciosa para começar a ter fastio pelo vinho. Depois poderia levar uma vida normal, com trabalho para não sobrecarregar ninguém; nem faltariam amigos e familiares que o amparassem, se estivesse de acordo. Até poderia casar e constituir família! Quando ouviu as palavras casar e família, o Piteira explodiu, como nunca ninguém o viu. Berrou sem nexo, praguejou com gestos agressivos. E fugiu. O Piteira saiu de cena na aldeia. O povo e a família estranharam a sua falta. Questionaram-se sobre o que teria acontecido ao Piteira: Por onde andará? Onde estará? Terá morrido com mais uma bebedeira mais forte? A polícia foi alertada e até apelos nas missas se repetiram. As buscas começaram. Ria e seus canais, cantos e recantos da aldeia foram batidos sem êxito. Terras vizinhas associaram-se às buscas. E nada. Quando a ideia da morte era ponto assente, o Piteira surgiu à luz do dia. Mais magro, com ar cadavérico e sem sinais de tinto. Lúcido. A família acolheu-o como filho pródigo. O nosso homem não deu explicações. Ninguém lhas pediu. O Piteira acamou em estado de exaustão. Recusava a comida. Esperava-se o pior. O médico bem receitou, mas o Piteira recusava sistematicamente os xaropes. A família, que o rodeava com muito carinho, pressentiu a hora da partida para a última caminhada. A vida esvaía-se lenta e firmemente. O Piteira, com a voz sumida, entrava em agonia. – Quero ver a Ermelinda… Quero ver a Ermelinda… – foram as suas últimas palavras. Fernando Martins

Citação

"Há duas espécies de homens: os justos, que se julgam pecadores e os pecadores que se crêem justos"
Blaise Pascal (1623-1662) Filósofo e Matemático francês
:
In Citador

AVEIRO: Efeméride

Igreja da Misericórdia, que já foi Catedral de Aveiro



7 de Agosto de 1808

“Na importante procissão de penitência que nesta data se realizou desde a catedral – que era na igreja da Misericórdia – até à igreja do Mosteiro de Jesus e fora ordenada dois dias antes, o virtuoso bispo de Aveiro, D. António José Cordeiro, seguiu o andor com a veneranda imagem do Senhor “Ecce-Homo”, caminhando descalço e humildemente despido das vestes pontificais e com uma corda ao pescoço.”

In Calendário Histórico de Aveiro,
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

NOTA: D. António José Cordeiro foi Bispo de Aveiro entre 1800 e 1813. em 1802 publicou “uma célebre carta pastoral, notável pela erudição e pureza de estilo, primorosa na doutrinação cristã e inspiradora de documentos morais de outros prelados … e, durante as cruéis Invasões Francesas, surpreendentemente se manifestou como intrépido defensor de Aveiro e da sua região, fazendo frente aos ‘opressores do povo e inimigos da Pátria e da Religião’”.

In Os Bispos de Aveiro e a Pastoral Diocesana,
de João Gonçalves Gaspar

domingo, 5 de agosto de 2007

Um poema de João de Deus


ADORAÇÃO

Vi o teu rosto lindo,
Esse rosto sem par;
Contemplei-o de longe mudo e quedo,
Como quem volta de áspero degredo
E vê ao ar subindo
O fumo do seu lar!

Vi esse olhar tocante,
De um fluido sem igual;
Suave como lâmpada sagrada,
Benvindo como a luz da madrugada
Que rompe ao navegante
Depois do temporal!

Vi esse corpo de ave,
Que parece que vai
Levado como o Sol ou como a Lua
Sem encontrar beleza igual à sua;
Majestoso e suave,
Que surpreende e atrai!

Atrai e não me atrevo
A contemplá-lo bem;
Porque espalha o teu rosto uma luz santa,
Uma luz que me prende e que me encanta
Naquele santo enlevo
De um filho em sua mãe!

Tremo apenas pressinto
A tua aparição,
E se me aproximasse mais, bastava
Pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
Não é amor que eu sinto,
É uma adoração!

Que as asas providentes
De anjo tutelar
Te abriguem sempre à sua sombra pura!
A mim basta-me só esta ventura
De ver que me consentes
Olhar de longe... olhar!

João de Deus

Citação: Sophia de Mello Breyner Andresen

"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'
:

Diocese de Aveiro

BISPO DE AVEIRO
ANIMA PASTORAL
DE FÉRIAS



Mantendo a tradição iniciada pelo seu antecessor, D. António Marcelino, o Bispo de Aveiro, D. António Francisco dos Santos, está já a levar à prática a pastoral de férias, no Verão, com encontros e celebrações nas zonas de veraneio da área da Diocese de Aveiro.
Como temas fundamentais da pastoral de férias, para este ano, D. António Francisco pretende exalta os valores do espírito, que dão sentido e esperança à vida. Assim, o Bispo de Aveiro vai apostar em sublinhar o valor, a beleza e a riqueza da vida na sua plenitude, mas também a importância da família, como santuário de vida e garantia do amor.
Por outro lado, quer lembrar a importância da vocação, como desafio que abre caminhos ao ideal do ser humano e à sua capacidade de opção na fidelidade a Deus. Ainda deseja estimular a vivência da solidariedade, como valor intrínseco do cristianismo, que não pode parar, enquanto houver alguém em pobreza, em sofrimento ou em solidão.
:
Vagueira
5 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Senhora da Boa Hora, 9h
6 de Agosto
Encontro/reflexão, 21h30

Torreira
11 de Agosto
Eucaristia na igreja paroquial, 19h
12 de Agosto
Eucaristia na igreja paroquial, 8h e 11h
13 de Agosto
Encontro/reflexão, 21h30

Fermentelos
14 de Agosto
Eucaristia na Festa da Nossa Senhora da Saúde, 21h

Cúria
15 de Agosto
Encontro nas Termas

Albergaria-a-Velha
19 de Agosto
Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora do Socorro, 11h

Barra e Costa Nova
25 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Barra, 19h
Eucaristia na Igreja da Costa Nova, 21h30
26 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Costa Nova, 9h30
Eucaristia na Igreja da Barra, 11h
27 de Agosto
Encontro/reflexão na Costa Nova

ÍLHAVO: Festas do Município


FESTAS PARA TODOS OS GOSTOS
NO MÊS DE AGOSTO
:

A Câmara de Ílhavo oferece, todos os anos, em especial no mês de Agosto, festas para todos os gostos e para todas as idades. As componentes culturais, artísticas e recreativas estão em destaque. Claro que todas estas ofertas não são apenas para as gentes ilhavenses, ílhavos e gafanhões, mas também para quantos nesta altura nos visitam e gostam de usufruir das nossas praias, Barra e Costa Nova, sem dúvida as mais afamadas da região.
Permitam-me que destaque uma iniciativa, já famosa. Trata-se das Tasquinhas de Ílhavo, entre 22 e 26 de Agosto, que oferecem, fundamentalmente, os mais variados acepipes feitos à base de bacalhau. A não perder, sobretudo pelos amantes da gastronomia regional.
Para ficar a conhecer outras propostas das Festas do Município, consulte o PROGRAMA.

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


A RELIGIÃO
AINDA TEM FUTURO?


A resposta à pergunta exigiria, em primeiro lugar, o esclarecimento do que se entende por religião, pelo menos negativamente. De facto, se religião tem a ver com a ligação ao Sagrado, ao Infinito, à Verdade, ao Bem, à Beleza, é necessário expurgá-la do que ela não pode ser: superstição, esoterismo, magia. Tem de ser o espaço da dignificação, aprofundamento e expansão do Humanum, contra toda a menorização.
A Encyclopedia Britannica apresentou em 2006 a distribuição e percentagem das "religiões universais". Cristãos: 2 133 806 000 (33,1%), sendo os católicos 1 118 991 000 (17,3%), os protestantes 375 815 000 (5,8%), os ortodoxos 219 501 000 (3,4%), os anglicanos 79 718 000 (1,2%), outros cristãos 459 321 000 (7,1%), cristãos sem filiação 113 622 000 (1,8%). Muçulmanos: 1 308 941 000 (20,3%). Hindus: 860 133 000 (13,3%). Budistas: 378 808 000 (5,9%).
Aparecem também os outros grupos. Não religiosos: 769 379 000 (11,9%). Religiões populares chinesas: 404 921 900 (6,3%). Religiões étnicas: 256 332 000 (4,0%). Ateus: 151 612 000 (2,3%). Novas religiões: 108 131 200 (1,7%).
Embora as estatísticas no domínio religioso tenham de ser vistas com os seus limites próprios - basta pensar em quantos se afirmam cristãos, mas não praticantes -, estes números são pelo menos indicativos, concluindo-se que, se a população do planeta estava calculada em meados de 2005 em 6 453 628 000, só cristãos, muçulmanos, hindus e budistas totalizavam praticamente 73%.
Mas o que é a religião? O que deve entender-se por pessoa religiosa? Qual é a religião autêntica? No Novo Testamento, na Carta de São Tiago, escreve-se que faz bem quem crê que há um só Deus, mas acrescenta-se que "também os demónios crêem e tremem": "a religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e conservar-se puro da corrupção deste mundo." O Evangelho diz que, na revelação final da História, o que conta é ter dado de comer ao faminto, de beber ao que tem sede, ter visitado o doente e o preso - ter sido solidário com o outro ser humano na sua necessidade.
Toda a religião tem a ver com a ética e também com a estética. Hegel viu bem quando afirmou que a arte, a religião e a filosofia estão referidas ao Absoluto. A pergunta é, como escreve o filósofo José Gómez Caffarena, se a ética, a estética e a filosofia acabarão por absorver a religião, como já insinuava Goethe: "quem tem arte (e moral e filosofia) tem religião; quem a não tem que tenha religião."Segundo Lucrécio, "o medo criou os deuses". Desde então, isso tem sido repetido, acrescentando a ignorância e a impotência, de tal modo que, com o avanço da ciência e da técnica, a religião acabaria por ser superada e desaparecer.
Será, porém, verdade que na génese da religião estão o medo, a ignorância e a impotência? Ninguém poderá negá-lo. A questão é saber se esses são os únicos factores e de que modo actuam. De facto, não é a limitação enquanto tal que está na base da religião, mas a consciência da limitação.
Na consciência da finitude, que tem a sua máxima expressão na consciência da mortalidade, o Homem transcende o limite e articula um mundo simbólico de esperança de sentido último e salvação. Como disse Hegel, a verdade do finito encontra-se no Infinito, e Kant viu bem, ao referir a religião à esperança de um sentido final, que nem o Homem nem a Natureza podem oferecer - só a Deus, Amor originário, pertence dá-lo.
É possível que a ciência e a técnica obscureçam a força do apelo religioso e de Deus. Mas, permanecendo a finitude e a sua consciência, há-de erguer-se sempre a pergunta pelo Sentido último. Como disse Ciorán, "tudo se pode sufocar no Homem, salvo a necessidade do Absoluto, que sobreviverá à destruição dos templos e mesmo ao desaparecimento da religião". Subsistirá, portanto, o Mistério. Mas, não se tratando de uma questão simplesmente teórica, pois implica o Homem todo, a resposta religiosa dependerá, em última instância, das experiências e da decisão de cada um.