sábado, 12 de outubro de 2019

Piódão - Uma aldeia com história


Em maré de evocações, venho com uma rua ou ruela de Piódão, uma aldeia com história. Por mais que pense, jamais chegarei a imaginar vidas isoladas e perdidas por aqui há séculos. Só a pé seria possível andar por estes recantos à cata de gente para conversar sobre o estado do tempo ou ensaiar uma saída em passeio até Arganil. Mas a aldeia teima em continuar para contar vivências de outras eras  com gente que por estas bandas se tornou foragida.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Eugénio de Andrade para este fim de semana


O SAL DA LÍNGUA

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém — mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade

Do livro "O Sal da Língua"
1.ª Edição -1995


NOTA: A Nina, gata cá de casa, tem a mania de cirandar por entre livros. E de vez em quando alguns caem sem que ela se incomode com isso. O dono que os apanhe. Hoje foi dia de cair Eugénio de Andrade. Tive sorte e reli "O Sal da Língua".

Gastronomia - Pataniscas da Eva


Preparação: 

Coza o bacalhau em água, escorra e desfie em lascas, retirando a pele e as espinhas. Misture com a cebola e a salsa picadas. Misture a farinha e os ovos, junte o leite aos poucos, mexendo sempre e adicione o preparado de bacalhau. Tempere a gosto. Aqueça bem o óleo e frite aos poucos, às colheradas, até dourar dos dois lados. Deixe escorrer bem em papel absorvente e sirva ainda quente e estaladiço. 

Bom apetite! 

Ingredientes: 

250g de bacalhau 
4 ovos
1 chávena de leite 
1 chávena de farinha 
1/2 cebola 
3 dentes de alho 
Sal qb 
Pimenta branca qb 
Salsa qb 

Receita apresentada pelo Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré no “Concurso Prato Tradição & Prato Inovação” 
(2.º lugar da Categoria “Tradição”), no âmbito do Festival do Bacalhau 2019.

Fonte - Agenda "Viver em..." de outubro da CMI 

Georgino Rocha - Elogio a quem agradece

DOMINGO XXVIII


"Educar para o agradecimento merecido e viver em atitude de gratidão justa 
fazem parte da nossa comum humanidade, da cidadania cívica, 
do conviver respeitoso em sociedade"

A liturgia deste domingo tem um fio condutor que une as leituras e dá sentido à vida humana em todas as situações. Também nas de maior fragilidade como as que estão apanhadas pela lepra ou outras doenças. Hoje, surge Naamã, o general sírio, que vai em busca de cura junto de Eliseu, o profeta de Deus, e Jesus que é invocado como Senhor, por dez leprosos, numa aldeia por onde passava a caminho de Jerusalém. De igual modo, Paulo que está na prisão como um malfeitor por causa do Evangelho, ele que tinha vivido dominado pela lepra do ódio aos que se convertiam a Jesus e seguiam a sua mensagem. Em todos, a lepra é curada e a saúde recuperada. Apenas dois reconhecem o benefício recebido como dom de Deus e Lhe agradecem.
Vamos seguir a narrativa de Lucas, meditar algumas passagens, tentando saborear a sua riqueza e oportunidade para nós em Igreja e na sociedade. Fazê-lo a partir do elogia dado por Jesus ao leproso que vem agradecer-lhe. Lc 17, 11-19.
O elogio surge da boca de Jesus, numa povoação onde passava a caminho de Jerusalém. Com ele, iam os discípulos desejosos de colher os seus ensinamentos. Sai-lhe ao encontro um grupo de dez leprosos que, em voz alta, imploram a sua compaixão. Jesus põe-nos à prova, encaminhando-os, de acordo com a Lei judaica, para os sacerdotes. E não diz, nem faz mais nada. No percurso, acontece a maravilha da cura. O grupo continua a viagem; mas um, não, e regressa junto de Jesus, para lhe expressar a gratidão pelo benefício alcançado. E este era estrangeiro, samaritano, de outra etnia cultural e religiosa, excluído das bênçãos prometidas aos Judeus.
Ao ver o sucedido, Jesus toma a palavra, censura o grupo pela falta de reconhecimento e pela ingratidão, fazendo, ao mesmo tempo, o elogio de quem, espontaneamente, vem à sua presença, dando glória a Deus, em voz alta, e assumindo atitudes de profunda humildade e agradecimento. Depois diz a este homem: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”.
Os discípulos não participam no diálogo, apenas testemunham o facto tão contrastante com o preceituado na Lei. E, certamente, como ocorre em outras ocasiões, ficam perplexos e pedem explicações. E não era para menos! Com eles, também nós precisamos de compreender o que está contido na cura dos 10 leprosos e colher a mensagem que Jesus quer transmitir.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Serrazes - Desolação


Para me não esquecer, que as boas memórias dão-nos alento para sonhar, revivendo, fica aqui esta imagem do antigo parque de campismo de Serrazes, S. Pedro do Sul. O fogo destruiu quase tudo, mas não apagou a riqueza de momentos muito felizes.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

D. António Marcelino regressou à casa do Pai faz hoje seis anos


Que Deus o aconchegue 
no seu regaço maternal 

A triste notícia do falecimento de D. António Marcelino chegou-me pelo telefone, abruptamente. Faz hoje seis anos. O choque que senti não tem palavras que o definam. Embora esperada a sua partida para o seio de Deus, fiquei, contudo, com a tranquilidade necessária para a aceitar porque acredito que D. António Marcelino intercederá por nós junto do Senhor de todos os dons. 
D. António passou pela Diocese de Aveiro como um corredor de fundo, animando tudo e todos, rumo a uma Igreja mais aberta ao mundo dos homens e mulheres destes tempos. Rápido no pensar e no agir, foi dos bispos que mais apostaram na comunicação social, qual profeta que denuncia as injustiças, mas que não deixa de proclamar caminhos que nos conduzam a uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais caritativa e mais solidária. 
Nesta hora difícil, louvo a Deus pelos ensinamentos que dele recebi, pelo seu testemunho de crente e de bispo que me ordenou diácono permanente, pelo homem corajoso que enfrentou com determinação os desafios do Vaticano II, na convicção de que a Igreja Católica e o mundo só teriam a ganhar com as luzes que do concílio dimanaram. 
Que Deus o aconchegue no seu regaço maternal. Assim escrevi na hora da triste notícia. E hoje, passados seis anos, lembro-o com saudade. 

Fernando Martins

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Bento Domingues - Teologia e literatura


"Em Portugal e no Mundo, há muitas referências 
à dimensão religiosa e cristã na literatura dos últimos séculos"


1. A fonte de toda a teologia cristã é o chamado Novo Testamento (NT) que, por sua vez, é uma inovadora interpretação da Bíblia Hebraica ou, como é usual dizer-se, do Antigo Testamento (AT). Hoje, encontramos todos os livros da Bíblia de épocas, autores, géneros literários e línguas diferentes, encadernados num só volume. Podem dar a ilusão de constituírem apenas um livro, quando a própria palavra Bíblia significa livros. É preferível, por isso, falar de teologias e não de teologia do AT ou do NT. A expressão muito usada, como diz a Bíblia, não pode indicar nada de muito preciso.
Nessa biblioteca, coexistem, na teia contraditória das experiências humanas narradas, apresentações de Deus cheias de contrastes irredutíveis. O próprio Jesus diz, aos seus interlocutores rabínicos: disseram-vos, mas eu digo-vos. Sustentava muitas vezes o contrário do que vinha nas Sagradas Escrituras.
Para quem tem uma noção de livros divinamente inspirados, como ditados de Deus, pode ser levado a pensar que Deus não se levanta todos os dias com a mesma disposição, pois são-lhe atribuídas afirmações que não batem certo umas com as outras. A inspiração divina acontece através de múltiplas e complexas mediações humanas. Quando se afirma que a Bíblia é palavra de Deus importa não esquecer que se trata de uma metáfora para dizer que aquela literatura, sem a referência ao Deus sem nome, seria impossível.
Pelo caminho da sua escrita poética, narrativa, romanesca, sapiencial, a Bíblia revela a profundidade e a complexidade que nenhum dilúvio poderá vencer. Como nota o Prof. José Augusto Ramos, “poderíamos por isso, dizer, sem qualquer intenção de sectarismo, que, em termos históricos e culturais, a Bíblia hebraica completa é a Bíblia cristã. Uma antologia literária que começa no Génesis e termina muito bem no Apocalipse” [1].

domingo, 6 de outubro de 2019

Anselmo Borges - O B. I. dos cristãos

“Eu estou encantado com este Papa. Penso que ele é o Papa preciso para este momento da história do mundo” 

Walter Kasper


1. No início do século XX, A. Loisy fez uma afirmação que é decisiva para a compreensão dos problemas dramáticos por que passa a Igreja: “Jesus anunciou a vinda do Reino de Deus, mas o que veio foi a Igreja”. Realmente, não se pode dizer que Jesus fundou a Igreja. Jesus é o fundamento da Igreja, mas não o seu fundador. 
Jesus anunciou o Reino de Deus. E o que é o Reino de Deus? O próprio Jesus, na sua pessoa, na sua palavra, na sua vida, na sua morte e ressurreição. Ele é o Vivente em Deus para sempre. O que é que anunciou? Que Deus é Abbá, querido Pai, e também podemos e devemos dizer que é Mãe, Mãe querida. Como Pai e Mãe, Deus quer o bem, a alegria, a felicidade, a realização plena de todos os seus filhos e filhas e nem na morte os abandona: na morte, não se cai no nada, entra-se na plenitude da Vida. Foi essa fé que moveu Jesus, realizando, por palavras e obras, o Reino de Deus, o Reino da fraternidade, da paz, da solidariedade e da verdadeira liberdade, para todos, a começar pelos mais frágeis, abandonados, pobres, aflitos, marginalizados, desprezados, desvalorizados... Para Deus, todos valem infinitamente. 
Muitos acreditaram em Jesus, cada vez mais homens e mulheres, através dos primeiros discípulos, foram acreditando nEle e, através dEle, em Deus, no Deus de Jesus. E foram surgindo comunidades cristãs fraternas no mundo inteiro, realizando o Reino de Deus. Nelas, o amor era a lei suprema: “vede como se amam”, diziam os pagãos. 

Ainda as férias – Ruínas do Balneário Romano de S. Pedro do Sul

Piscina D. Afonso Henriques
As Termas de S. Pedro do Sul ostentam, com natural orgulho, a bandeira da ancestralidade romana das suas origens, sendo as mais importantes e bem conservadas do país, «com uma utilização contínua ao longo de dois mil anos”, garantindo um notório "desenvolvimento regional”, como se lê nas notas promocionais. 
Nelas se sublinha que “aos romanos se deve a construção inicial do balneum” em dois momentos no 1.º século d.C., sendo visível pelas descobertas arqueológicas as piscinas, canais de escoamento, colunas, fustes e capitéis, lápides epigrafadas, revestimentos e construções. 
A chamada piscina de D. Afonso Henriques, inserida em “estruturas romanas preexistentes promovidas pelo rei conquistador”, é motivo de justo realce. 
Dom Afonso, o primeiro deste nome, frequentou as termas, na ânsia de procurar cura para uma fratura sofrida numa perna durante a batalha de Badajoz (1169), contra o seu próprio genro, na  qual saiu derrotado. 
Aqui  estabeleceu o paço real, com seu filho Sancho, que lhe haveria de suceder, e filhas Teresa e Urraca, bem como a cúria régia. Daí, naturalmente, as marcas indeléveis alusivas ao rei Conquistador, um pouco por cada esquina desta zona termal.
No século XVI, o rei D. Manuel I avançou com os apoios indispensáveis para converter o velho edifício medicinal em Real Hospital das Caldas de Lafões, tendo frequentado os banhos para tratar  de um mal de pele, sublinha o folheto que foi distribuído aos visitantes.







Mais tarde, no século XIX, durante quatro temporadas, as termas foram procuradas pela última Rainha de Portugal, D. Amélia de Orleães, que ali fez tratamentos, deixando marcas no novo edifício balnear, que ostenta o seu nome, “descontinuando assim o uso do antigo balneário romano”. Na altura da visita, estava patente no edifício, denominado Balneário Rainha Dona Amélia, uma exposição de fotografias alusivas à última rainha de Portugal, muito bem conservadas. 
Diz a informação distribuída no momento da visita às ruínas do Balneário Romana, durante a qual ouvimos com muito agrado uma bela lição de história de um guia cego, Eduardo Oliveira, licenciado em Educação e autor do livro “Implantação da República e Monarquia do Norte (Ocorrências e Vivências em S. Pedro do Sul)”, que é oportuno  frisar o conjunto patrimonial que possui “o seu carácter único no país”, com “aproveitamento contínuo ao longo de dois mil anos”. Lê-se ainda que as várias intervenções arquitetónicas realizadas no decurso dos tempos constituem “uma peça patrimonial e histórica de inegável valor nacional”, não existindo outro com “as mesmas características em Portugal”. Aliás, as Termas de S. Pedro do Sul são as mais frequentadas do país, merecendo a preferência de 35 por cento dos aquistas portugueses. 

Fernando Martins

sábado, 5 de outubro de 2019

José Tolentino Mendonça - O poeta também é Cardeal

O poema 

O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há verdadeiro poema que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para além daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia. 


Em "A noite abre meus olhos" 
de José Tolentino Mendonça 

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Nota - Foto da minha autoria