domingo, 4 de novembro de 2018

Aliança entre jovens e idosos

Frei Bento Domingues


1. Décadas de frustrações tornaram muitos católicos, jovens e adultos, cépticos acerca das iniciativas inconsequentes da chamada pastoral da juventude. Desde há mais de três mil anos que os velhos se queixam das novas gerações. Mas, como terá dito Confúcio, é melhor acender uma vela do que amaldiçoar as trevas. 
Alegrei-me muito com o testemunho eufórico do cardeal Luis Antonio Tagle, arcebispo de Manila, acerca do que tinha vivido em Roma: nós, os bispos, perguntamos muitas vezes o que podemos fazer pelos jovens; agora vi o que eles fizeram por nós; tornaram-se a escola dos bispos. Este percebeu o que deve ser um sínodo: um tempo de escuta, de aprendizagem, de conversão, de mudança. Não pode ser um faz de conta: os jovens que falem à vontade, mas a boa doutrina é a nossa; é nosso e só nosso o verdadeiro magistério da Igreja que ensina e não recebe lições desses irresponsáveis verdes anos. 
Senti-me muito longe do espírito do Grande Encontro da Juventude – Os novos escolhem Deus – (20-21 de Abril de 1963), realizado em Lisboa, congregando à volta de 60 mil jovens de todo o país. Julgava-se que se podia responder a uma grave crise social, cultural, religiosa e política com uma solene e cega afirmação de rua [1]. 
Espero que o próprio Instrumentum Laboris [2] não seja abolido, mas refeito, periodicamente, com os contributos do Sínodo e com o intercâmbio de novas práticas a nível internacional. Uma das críticas mais pertinentes ao próprio funcionamento do Sínodo foi o da descriminação das mulheres. Nenhuma das convidadas – ao contrário dos homens – pode votar o texto final. O cardeal alemão Reinhard Marx observou: quando se trata de poder, fica-se com a impressão de que a Igreja é, em última análise, uma igreja masculina. É uma situação que tem de ser superada em todo o mundo. 

Dia Nacional da Igualdade Salarial

Domingo, 
4 de novembro 



Com uma democracia adulta, 44 anos, em Portugal, as mulheres continuam discriminadas a vários níveis, o que nos leva a pensar que algo vai muito mal neste país e no mundo, por todos fecharmos os olhos às injustiças das nossas sociedades. 
Hoje é o Dia Nacional da Igualdade Salarial, razão mais do que suficiente para nos debruçarmos sobre o porquê de as mulheres, executando as mesmas tarefas que os homens, receberem salários inferiores. E o mais curioso é que as instâncias democráticas, que tanto e tão bem pregam a justiça social, não conseguem ser capazes de decretar a igualdade salarial em relação aos homens. 
Todos sabemos que as mulheres começaram, desde há muito, a ocupar lugares de destaque em vários setores, nomeadamente, a nível académico, educacional, médico, científico e artístico, entre outros. Contudo, as mulheres trabalhadoras permanecem em situação deplorável quando, no fim do mês, recebem menos do que os homens, executando as mesmas tarefas.

Fernando Martins

sábado, 3 de novembro de 2018

Com o cadáver da esperança às costas

Ainda sobre os dias 1 e 2 de Novembro: 
Dois dias para a morte e o sentido 

Anselmo Borges

Por mais arrogante que se seja e se padeça do complexo da omnipotência, ninguém, a não ser que pense suicidar-se antes, pode dizer: Até amanhã, se eu quiser. Dada a constituição corpórea do ser humano e a sua consciência antecipadora, toda a pessoa adulta e consciente, que reflecte, sabe, embora com um saber paradoxal, pois ninguém se pode conceber a si mesmo morto, que é mortal e que a morte é o limite inultrapassável. Ninguém rouba a morte a ninguém, cada um morrerá na sua vez. E as sabedorias ancestrais e as religiões e as filosofias lembraram sempre a cada um: "lembra-te de que és mortal"; aos generais romanos vitoriosos, na corrida para a celebração do triunfo, havia um escravo que lhes ia sussurrando ao ouvido o dito, em latim: "memento mori" (lembra-te de que és mortal); "sic transit gloria mundi" (assim passa a glória mundana): lembrava ao Papa na sua coroação o mestre-de-cerimónias enquanto queimava uma mecha de estopa; os gregos definiam os humanos frente aos deuses, imortais, como "os mortais".

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Do outro lado do canal


Nós, os da Ria de Aveiro, estamos convencidos de que conhecemos todas as paisagens lagunares, mas não é verdade. Conhecemos apenas de longe e muitos de nós, se calhar, nunca ou muito raramente saímos da terra firme por onde deslizam os carros e demais veículos motorizados ou a pedais. Ou a pé. Somos apenas, atreve-me a dizê-lo, uns sonhadores das nossas belezas naturais. Direi até, puros analfabetos. Os anos passam e nunca ousamos navegar pelos múltiplos canais da nossa Ria, por esta ou aquela razão.  
Esta foto, que registei há tempos,  levou-me a perguntar: mas o que é aquilo que está à vista, apenas separado pelas águas de um azul tão forte, que desafia  a nossa imaginação? 

Lembrando Teixeira de Pascoaes

Nasceu no dia 2 de novembro de 1877,
em Amarante




Ser poeta é ser a voz
Dos pobres, — a oração…
O génio do silêncio,
A alma da solidão

Teixeira de Pascoaes,
In Obras Completas, VI volume



Soneto para este outono

Sou um cansaço que findou no sono 
Narciso Alves in “Para Além do Adeus”, p. 93 


                                              Sou um cansaço que findou no sono
                                              Da tarde triste em que morreu o dia
                                              E quando a noite o meu corpo acolhia
                                              O sol desceu do seu dourado trono.

                                              A doce paz nasceu desse abandono
                                              Mistura de mistério e nostalgia
                                              E, aos poucos, o meu ser desfalecia
                                              Como folha que tomba pelo Outono.

                                              A mansidão abraça-se ao sossego
                                              E eu fico numa luz, num aconchego
                                              Como nunca, em meus dias, eu vivi.

                                               O tempo foi passando devagar
                                               E não sendo eu capaz de me acordar
                                               Só então é que eu soube que morri.

                                                   Domingos Freire Cardoso

                                                   Do livro “Por entre poetas”

Escuta: Amar a Deus é servir o próximo

Georgino Rocha

Jesus está em Jerusalém. Vive horas de tensão que os adversários provocam: os sumos sacerdotes, os doutores da Lei, os fariseus e os partidários de Herodes, a classe sacerdotal dos saduceus. Por uma razão ou por outra contestam abertamente a sua acção e mensagem, As horas vividas são de grande tensão. Que contraste com o diálogo sereno e construtivo que o escriba lhe proporciona e Marcos, o narrador, nos apresenta de forma tão bela. (Mc 12, 28b-34). Vamos segui-lo de perto na reflexão de hoje.

O escriba aproxima-se fisicamente, sinal de sintonia com as atitudes assumidas e as respostas dadas nas situações anteriores, de que ele possivelmente havia sido testemunha. E a pergunta sai-lhe espontânea: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”. Pergunta clara, sem rodeios nem enfeites. Sem evocação de títulos honoríficos nem credenciais de recomendação. Simples e sincera, a denotar uma transparência exemplar. Que fica como referência evangélica para todos os discípulos fiéis confessantes da confiança em Jesus Cristo: que perguntas Lhe fazemos? E com que sinceridade e propósitos? Como nos relacionamos com Ele? Vale a pena pensar nisto.

Dois terços dos idosos não se consideram saudáveis


Maria Piedade Brandão

«Cerca de dois terços de uma amostra de pessoas com mais de 65 anos, residentes em Portugal, avalia o seu estado de saúde como não saudável. Esta perceção está fortemente associada a fatores como a dor, a perda de memória e a solidão. Os resultados são de um estudo de Maria Piedade Brandão, docente da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA) e investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, e de Margarida Fonseca Cardoso, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)

O trabalho analisou e comparou as perceções das ameaças à saúde e ao bem-estar entre os idosos de Portugal e da Polónia, dois países europeus que estão abaixo da média em medidas como o rendimento e a riqueza.
De acordo com as investigadoras, 69,2 por cento dos idosos portugueses classificaram o seu estado de saúde como razoável ou mau e 66,5 por cento dos idosos polacos disseram o mesmo. No nosso país, o género e o estado civil estão relacionados com as suas perceções nesta área. Assim, as mulheres têm mais tendência para avaliarem a sua saúde como razoável ou má, enquanto as pessoas viúvas têm mais tendência para se considerarem não saudáveis.
Nos dois países, não ter dinheiro suficiente até ao fim do mês aumenta a probabilidade de percecionar o seu estado como não saudável. Entre a amostra portuguesa, cerca de um quarto dos idosos declararam chegar ao final de cada mês sem dinheiro para as suas despesas, uma percentagem superior à encontrada na Polónia (14,8 por cento). O estudo refere o baixo grau de instrução entre os mais velhos como uma das possíveis explicações para esta disparidade.
Entre as variáveis analisadas, a dor está presente em mais de 80 por cento dos idosos estudados que se dizem não saudáveis. Feitas as contas, conclui-se que os idosos portugueses com dor têm um risco nove vezes maior de reportar um estado de saúde razoável ou insatisfatório.»

Ler mais em Jornal Online da UA

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Cândido Teles faleceu há 19 anos


Segundo um apontamento que registei no álbum “Cândido Teles — Desenho”, editado pela Câmara Municipal de Ílhavo em 1996, o artista ilhavense faleceu em 31 de outubro de 1999. Só hoje, quando ocasionalmente revi aquele álbum, tive a oportunidade de evocar a sua vida e obra, na tentativa de lembrar às atuais gerações que não podemos ignorar os que, pelas suas  expressões artística, se perpetuam no tempo. 
Frederico de Moura, artista na arte de escrever, diz que, ao olhar os desenhos de Cândido Teles, sentiu “a sugestão de ver o esqueleto da sua pintura — esqueleto que dá segurança ao revestimento das tintas e ao rigor da composição”. Confessando a sua admiração pelo pintor, refere que é “a nossa paisagem que lhe borbulha insistentemente na inquietação estética; que é ela que tem o caminho mais reservado na sua intimidade de homem e Artista; que a ternura com que traz à tela os seus longes de água serena, os perfis do ‘moliceiro’ e da ‘bateira’ e, sobretudo, a luz incomparável que os acaricia, lhe molham os pincéis de uma ternura afectiva onde, até, apetece sonhar vestígios de lirismo".

Fernando Martins

Os meus santos de todos os dias


O mundo católico celebra hoje a Festa de Todos os Santos. Não só os que a Igreja Católica considera dignos das honras dos altares, mas todos os outros que, por certo, são incontáveis. Não apenas os escolhidos pela Igreja Católica, para nos servirem de exemplo na vida, mas ainda os de outras religiões e, porventura, até ateus, porque Deus, na sua infinita misericórdia, a todos acolhe com ternura maternal. 
Pessoalmente, confesso que muitos santos apresentados pela Igreja Católica para nossa veneração pouco me dizem, decerto por se tornar impossível conhecer as suas vidas e as causas que levaram à sua beatificação ou canonização. De forma que me sinto mais à vontade para me fixar nos que me marcaram durante a minha existência desde menino até à velhice, conduzindo-me, pelo seu testemunho, na senda dos caminhos da Boa Nova, herança que Jesus Cristo nos legou há mais de dois mil anos. 
Naquela perspetiva, estou mais inclinado a venerar os meus pais e avós, bem como outros familiares e amigos. Vi a ação de Deus nos que me ensinaram a dar os primeiros passos e a pronunciar as primeiras palavras, os que me indicaram as primeiras letras e me deram a noção de contar, os que me orientaram para melhor apreciar  o céu estrelado e as águas cristalinas, os bosques verdejantes e o mar sem fim. Mas ainda os que me educaram para olhar os outros como irmãos, os pobres como merecedores da minha atenção, as flores como sinal de alegria, o sorriso das crianças como exemplo da pureza e da candura. Destes, sim, vou lembrar-me mais nesta Festa de Todos os Santos.

Fernando Martins