segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O tempo do essencial

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias de sábado





1 Já Santo Agostinho se queixava: "Se ninguém me perguntar o que é o tempo, eu sei o que é, mas, se me perguntarem e eu quiser explicar, já não sei.” O tempo é um enigma. Se soubéssemos o que é, talvez tivéssemos resposta para a pergunta pelo que somos. Mas realmente, o passado já não é, o futuro ainda não é. E o presente? Quando queremos captá-lo, verdadeiramente ainda não é ou já não é, porque o presente passa, não dura. No entanto, é no presente que vivemos e somos. Só? Não. Porque somos a partir do que fomos, do passado, e na expectativa do futuro, de projectos. Há por vezes a ideia de que o tempo é uma espécie de corredor que se vai percorrendo. Mas não. O tempo é o modo como o ser finito, concretamente o ser humano, se vai realizando.
Qual é então a dimensão mais importante do tempo? Diríamos que é o passado, pois ninguém no-lo pode tirar: ninguém pode anular o ter sido. Dir-se-á que é o futuro, porque ainda não somos o que havemos de ser e é animados pela esperança que vivemos. Mas, afinal, é sempre no presente que vamos sendo. Temos, porém, dificuldade em viver no presente, como já Pascal se lamentava: "Nunca nos agarramos ao tempo presente", preocupados com o futuro ou dispersos com lembranças do passado; embora só o presente nos pertença verdadeiramente, "andamos erráticos por tempos que não são os nossos", passando o tempo na dispersão, o famoso divertissement pascaliano.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Cortejo dos Reis, a festa de sempre

A nossa igreja passou a ser a Gruta de Belém

Abram-se as portas da igreja
Querem os pastores entrar
Para beijar o Menino
Qu’é Ele quem nos vem salvar

Virgem  Maria, Menino Jesus e S. José

Ao som do cântico “Abram-se as portas da igreja”, pastores, os primeiros a adorar o Menino na gruta de Belém, Reis Magos e seus séquitos, cantores, músicos e povo enchem a centenária igreja da Gafanha da Nazaré para beijar e adorar o filho da Virgem Maria, o nosso Salvador.
Há presentes para Nossa Senhora, que um pastor proclama como rainha. «A pequenez dos nossos dons é suprida pela boa vontade com que os trazemos», diz ele. E a pastora, dirigindo-se a Maria, oferece-lhe um cordeirinho de olhos doces, puro como o sorriso dos lábios da Virgem. E os Reis ofertam Oiro, Mirra e Incenso, próprio de um Príncipe, de um Homem e de Deus.
Nossa Senhora aceita em nome de seu filho adorado, com lágrimas de gratidão, os presentes que depuseram no seu regaço. E afirma: «Deus, que vos olha e lê nos vossos corações a fé que vos guiou, vos premiará como mereceis.»
O nosso prior, Padre Francisco Melo, frisou que Jesus é «a verdadeira estrela que nos ilumina e guia, que veio ao nosso encontro para ser a nossa paz». «A nossa igreja passou a ser para todos a gruta de Belém, onde podemos adorar o Deus-Menino; um Deus que se deixa tocar pelos nossos lábios e pelo nosso coração». E acrescentou: «É este Deus em que nós acreditamos que queremos dar ao mundo; um Deus que não é de guerras, nem de violências, nem de divisões.»

Postal Ilustrado — Boca da Barra

Miradouro e Boca da Barra

Este postal exibe a beleza da Boca da Barra de Aveiro vista do Forte da Barra, bem emoldurada pela paisagem circundante. Farol ao fundo, Canal de Mira por onde passou em 1920 o Desertas, que encalhou no mar da Costa Nova em 1918, Jardim Oudinot com tudo quanto tem de bom, e Porto de Pesca Costeira. E porventura, como homenagem à abertura da barra, que ocorreu em 3 de abril de 1808, este miradouro, que  ostenta um chafariz do cimo do qual, quando ligado a qualquer fonte, escorre água a que o sol e o vento emprestam tonalidade variegadas.
Em dias de entrada e saída de navios, não falta quem desfrute um panorama em permanente mutação, a que se associam turistas de perto e de longe que registam imagens do que os seus olhos podem contemplar.
Somos dos que com frequência visitam este miradouro, porque o que dali se vê anda sempre ao sabor da maré, com tudo o que isso implica.
Por vezes, há pescadores conhecedores das marés e das artes de ludibriar peixe do nosso mar. que é considerado do melhor do mundo. Daqui pode apreciar-se uma ilhota que separa as águas que vêm do mar e ao mar voltam, na enchente e na vazante, dando acesso à Ria de Aveiro, que se estende por vasta área, dando pão por várias formas a gentes de diversos concelhos, enquanto alimenta os setores turísticos, industriais e comerciais, ainda e constantemente à espera de empreendedores criativos e inovadores.


Fernando Martins

Velhas e novas escravaturas

Crónica de Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues


«Bergoglio não esquece a teologia do Antigo (AT) e do Novo Testamento (NT) que fundamenta a defesa da pessoa, que tem valor, mas não tem preço. Mas não repousa nessa memória. Pensa nos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos mais diversos sectores, a nível formal e informal, desde o trabalho doméstico aos trabalhos agrícolas e industriais, tanto nos países em que não há legislação segundo os padrões internacionais, como naqueles em que há e não é cumprida.»

sábado, 3 de janeiro de 2015

O sobressalto de Herodes

Reflexão de Georgino Rocha


«Os magos visionários seriam hoje esta multidão de “peregrinos” que, no seu deambular, ainda têm forças para sonhar, pôr-se a caminho, correr riscos, ver naufragar expectativas, aguentar enganos, reanimar-se até alcançar o bem desejado. Mostram assim o valor da humanidade que os habita e da esperança confiante que a tudo se aventura e suporta.»

Cortejo dos Reis

Amanhã, domingo

Cena do Cortejo (foto do meu arquivo)


A Gafanha da Nazaré vai viver amanhã o Cortejo dos Reis, uma tradição secular que tem merecido a adesão do povo, crente e até não crente ou indiferente às questões da fé. É curioso este fenómeno que bem conheço e que está enraizado no coração de todos os gafanhões e ainda dos que adotaram esta terra como sua. Talvez os sociólogos e outros analistas sociais possam explicar tudo isto.
No fundo, o Cortejo, organizado desde sempre pela comunidade católica, representa a caminhada dos Reis Magos com seus séquitos, bem como dos pastores e do povo em geral, ao encontro do Deus-Menino acabado de nascer.
Durante o percurso, apresentam-se autos alusivos à natividade, nunca faltando a alegria de quantos acreditam no Menino que será, afinal, o Salvador anunciado pelos profetas, que quis dar um sinal de humanidade, humildade e  proximidade  a todos os homens e mulheres de boa vontade. Um Deus que se fez homem, que cresceu e viveu como qualquer um de nós e que morreu, crucificado, para nossa salvação.
No final do Cortejo, acontece o ansiado  encontro de todos os que, guiados pela estrela, desejaram beijar e adorar o Menino. Momento profundamente expressivo, direi mesmo marcante, para os que têm fé ou para os que, não a tendo, descobrem que o nascimento do Menino-Deus pode ser o primeiro passo para uma nova caminhada, para uma nova humanidade.

Fernando Martins


O tempo do essencial

Crónica de Anselmo Borges 
no DN de hoje

1 Já Santo Agostinho se queixava: "Se ninguém me perguntar o que é o tempo, eu sei o que é, mas, se me perguntarem e eu quiser explicar, já não sei." O tempo é um enigma. Se soubéssemos o que é, talvez tivéssemos resposta para a pergunta pelo que somos. Mas realmente, o passado já não é, o futuro ainda não é. E o presente? Quando queremos captá-lo, verdadeiramente ainda não é ou já não é, porque o presente passa, não dura. No entanto, é no presente que vivemos e somos.

Para ler segunda-feira no meu blogue

ATITUDE DOS MAGOS, EXEMPLO A SEGUIR

Reflexão de Georgino Rocha


O episódio dos Magos narrado por Mateus em estilo popular tem suporte histórico e alcance simbólico. Mt 2, 1-12. É uma maravilha! Apresenta o itinerário da fé cristã, recorrendo a personagens bíblicas e a citações conhecidas. Na pessoa dos Magos, destaca a importância da atenção à novidade dos sinais, a ousadia confiante de se pôr a caminho em busca do que o coração pressente, a coragem de suportar a dureza do percurso e de aguentar o peso das provações, a tenacidade de persistir pacientemente na viagem, apesar de não haver certezas do rumo tomado, por falta da estrela-guia, o entusiasmo discreto e alegre da chegada e do encontro.
A narração “lança mão” a uma série de verbos para realçar o mundo de emoções e de convicções surgidas nos cansados visitantes. A simplicidade e a pobreza não os desiludem. A sua atenção fixa-se no Menino e na sua Mãe. Por isso, entram, vêem, prostram-se e adoram, abrem os alforges e oferecem presentes, contemplam em silêncio e retiram-se discretamente, saboreando a serenidade e a alegria vivenciadas.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Doenças da Cúria, segundo o Papa Francisco

Vemos o argueiro no olho do vizinho, 
mas não vemos a trave que está no nosso





A doença da "patologia do poder" e do “sentir-se imortal”;
A doença do “trabalho excessivo, sem repouso para a meditação e interioridade”;
A doença da "fossilização mental e espiritual";
A doença do “excesso de planificação e do funcionalismo”;
A doença da “má coordenação”;
A doença do "Alzheimer espiritual”;
A doença da “rivalidade e da vanglória";
A doença da "esquizofrenia existencial";
A doença dos "rumores, mexericos, murmurações, má-língua";
A doença de "divinizar os chefes";
A doença da “indiferença para com os outros”;
A doença da “cara de enterro";
A doença da “acumulação de bens materiais”;
A doença dos "círculos fechados";
A doença do “mundanismo, do exibicionismo”.


Declaração de interesses: Aceito, humildemente, que também fui atingido pelas denúncias bombásticas do Papa Francisco. Não o reconhecer seria orgulho, no mínimo. Posto isto, vamos à reflexão. E a reflexão surge na sequência do que tenho lido e ouvido, isto é, ninguém se revê no grupo dos que na sala Clementina escutaram a mensagem natalícia do Papa, que era suposto ser uma mensagem cordial cheia de frases bonitas, semelhantes àquelas que todos (ou quase) trocámos nesta quadra.
Ora, o Papa, se falou diretamente para Cardeais, Arcebispos, Bispos e Monsenhores, entre outros dignitário, falou, também, indiretamente, para os cristão em geral, neles incluindo clérigos, consagrados e leigos, onde não faltam pecadores com aqueles atributos, que nem vale a pena repetir. 
Eu já li e reli a lista que o Papa Francisco elaborou na quadra natalícia, decerto com a intenção de chegar a toda a gente, porque sabia que a comunicação social não lhe ficaria indiferente.
Realmente, por aquilo que li e ouvi, o «Papa sem papas na língua», como lhe chamou Inês Pedrosa, tem andado na boca de todo o mundo, crente e não crente, com declarações de aplauso. Mais ténues, permitam-me que o diga, do lado dos católicos. E só referem, por sistema, o mau serviço da Cúria Romana, como fonte de todos os males. Dá a impressão que tudo está bem fora de Roma. Trata-se de ver o argueiro que está no olho do vizinho sem ver a trave que está no nosso.
É claro que o poder central, por mais visto, é tido como espelho de toda a Igreja Católica. E sendo assim, espera-se que o Papa consiga varrer o Vaticano da podridão que encontrou quando ali chegou, vindo do outro lado do mundo. Mas não será possível a conversão dos acusados? Não terão eles capacidade para se arrependerem? Ficamos à espera. 
Já agora, seria muito bom que a outros níveis se fizesse um exame de consciência profundo, na Igreja Católica e fora dela.

Fernando Martins

XLVIII DIA MUNDIAL DA PAZ – 1 de janeiro de 2015

Mensagem do Papa Francisco 



JÁ NÃO ESCRAVOS, MAS IRMÃOS

«Juntamente com esta causa ontológica – a rejeição da humanidade no outro –, há outras causas que concorrem para se explicar as formas actuais de escravatura. Entre elas, penso em primeiro lugar na pobreza, no subdesenvolvimento e na exclusão, especialmente quando os três se aliam com a falta de acesso à educação ou com uma realidade caracterizada por escassas, se não mesmo inexistentes, oportunidades de emprego. Não raro, as vítimas de tráfico e servidão são pessoas que procuravam uma forma de sair da condição de pobreza extrema e, dando crédito a falsas promessas de trabalho, caíram nas mãos das redes criminosas que gerem o tráfico de seres humanos. Estas redes utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo.
Entre as causas da escravatura, deve ser incluída também a corrupção daqueles que, para enriquecer, estão dispostos a tudo. Na realidade, a servidão e o tráfico das pessoas humanas requerem uma cumplicidade que muitas vezes passa através da corrupção dos intermediários, de alguns membros das forças da polícia, de outros actores do Estado ou de variadas instituições, civis e militares. «Isto acontece quando, no centro de um sistema económico, está o deus dinheiro, e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de cada sistema social ou económico, deve estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o dominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e chega o deus dinheiro, dá-se esta inversão de valores».»

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