quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

SERRALVES VIRTUAL


O Museu de Serralves, no Porto, abriu as portas a todo o mudo virtual. Com um simples clique, fica ao nosso alcance tudo quanto a este museu diz respeito. Em http://www.serralves.pt/ podemos recriar uma visita e passar por todos os seus espaços museológicos e jardins, ficando, assim, com apetite para o conhecermos ao vivo. Cada visita, cada momento, cada recanto, enfim, tudo quanto ele tem para nos brindar ali está, gratuitamente, para nos dizer que merece ser apreciado e acarinhado por todos os amantes da arte. Hoje de manhã, nos noticiários radiofónicos, ouvi a nova da sua abertura ao mundo virtual. E já lá fui. Por isso aqui deixo o recado: passem por lá, que vale a pena.

OBRA DA PROVIDÊNCIA



Primeiros estatutos aprovados
em 20 de Dezembro de 1957

Oficialmente, a Obra da Providência, instituição particular de solidariedade social, completa hoje meio século de vida. Foi fundada por duas vicentinas da Gafanha da Nazaré, Maria da Luz Rocha e Rosa Bela Vieira, antes dessa data, continuando, ainda hoje, a prestar à comunidade diversos serviços, tendo sempre em conta os mais pobres.
Neste dia de festa e de acção de graças, promovido pela direcção, a que se associam as fundadoras, aqui ofereço um excerto do livro em preparação, sobre a vida desta instituição, com sede na Gafanha da Nazaré:


Primeiros passos


A Conferência de Nossa Senhora da Nazaré, da Sociedade de S. Vicente de Paulo, foi criada na paróquia da Gafanha da Nazaré em 16 de Fevereiro de 1953, depois de um tempo de preparação, animado pelo prior Abílio Saraiva. Dela faziam parte, entre outras, Maria da Luz Rocha e Rosa Bela Vieira, que logo se envolveram no apoio aos mais carenciados de amor e de pão.
Nessa qualidade, as duas vicentinas ajudam naquele ano uma rapariga empregada numa taberna, que andava à procura de emprego. Havia sido despedida, por pressão de algumas mulheres de bacalhoeiros, junto do patrão, que receavam que os seus maridos perdessem a cabeça com ela. Este foi o primeiro passo que as havia de despertar para uma acção caritativa na paróquia e cuja meta estavam longe de sonhar. Sabiam, isso sim, que tinham de fazer alguma coisa de concreto por raparigas e mulheres como esta, que desejavam viver com dignidade, obviamente à margem da prostituição, uma escravatura de todos os tempos. Como é sobejamente conhecido, à época, qualquer simples mãe-solteira teria muitas dificuldades em se empregar.
Algum tempo depois, três jovens, de passagem pela freguesia e integradas numa “Barraca de Tiro” ambulante, sabem do apoio dado à rapariga já referida. Tomam a iniciativa então de aparecer em casa de Maria da Luz Rocha, de malas na mão, pedindo que as ajudassem a levar uma vida digna, longe dos ambientes em que se encontravam envolvidas.
Maria da Luz Rocha era uma viúva recente e tinha quatro filhos pequenos para sustentar e educar. Recebe-as a título provisório em sua casa, até que, com a sua colaboradora, possa decidir o que fazer, no sentido de as ajudarem a descobrir soluções respeitáveis para a sua sobrevivência.
As duas vicentinas não mais pararam: movimentam amizades e procuram arranjar-lhes empregos decentes e de acordo com as suas capacidades e necessidades. Muitas tentativas saem frustradas, dada a forte rejeição da sociedade às raparigas marcadas por ambientes menos próprios na zona, onde eram convidadas, depois dos horários de trabalho, a saírem à noite, o que elas não queriam. Sabiam, naturalmente, qual era a finalidade do convite.
O filme “Ao longo da rua”, que contava a história de mãe-solteira que havia sido rejeitada pelo namorado e pai do filho e pela comunidade, mais acicatou em Maria da Luz o desejo de lutar contra a sociedade injusta, apesar da grande maioria da população portuguesa se dizer católica.
Mais uma aparece, entretanto. A bola de neve começa a crescer e a movimentar-se, imprimindo muito ânimo a Maria da Luz Rocha e Rosa Bela Vieira.

Na Linha Da Utopia




PUTIN, ANO 2007!


1. Na eleição simbólica de todos os anos, que vale o que vale mas que fica para a história, a revista Americana Time elegeu o presidente russo, Vladimir Putin, ficando à frente do Nobel da Paz ambiental, Al Gore, e da escritora das aventuras de Harry Potter, J. K. Rowling. Não se pense que, logo à partida, tal eleição represente o mérito das obras valorosas ao serviço da comunidade. Desde 1927 que a revista elege uma personalidade e nem sempre pelos melhores motivos; na lista “menor” dos eleitos estão, por exemplo, Hitler ou Estaline. Assim, o critério, mais que o mérito do bem realizado, sublinha a influência da acção sobre a comunidade, pois pela revista na eleição trata-se de "um reconhecimento do mundo como ele é e dos indivíduos e forças que determinam esse mundo – para melhor ou para pior".
2. Nos últimos tempos muito se tem falado da falta de liberdade de expressão na Rússia, da crise social que permanece, de situações de repressão e mesmo de liquidações pessoais dos denunciadores da autoridade exacerbada de Putin. O certo é que, mesmo no meio deste cenário, e essa é a causa da eleição, o presidente russo devolver o “poder” ao poder russo e, apesar de tudo, a estabilidade que os seus concidadãos pretendiam, recolocando a Rússia no mapa das grandes potências mundiais. Se dos comentários políticos americanos as palavras são poucas, também da Rússia um certo “silêncio” estratégico sobre esta eleição será a “satisfação” por recolocar no cenário internacional a Rússia como incontornável actor político (e económico).
3. E agora, o que se segue? A visão energética do gás muito colaborou para este recentramento russo. Politicamente, o “princípio da incerteza” será capitalizado por Putin e, na base desta autêntica rampa de lançamento, servirá a estratégia do poder de uma Rússia que tem sede de protagonismo. Por agora está acertada a táctica anunciada de Putin deixar o governo no próximo ano, mas indicou a perspectiva de se tornar primeiro-ministro se seu aliado mais próximo, Dmitry Medvedev, for eleito para sucedê-lo na Presidência russa. Vamos a ver!... A certeza é uma, a história da Rússia, dos Czares, daquele lado do mundo, simbolicamente, está de volta à cena mundial. Boa notícia? Depende. Putin ganhou agora argumentos de peso (autoridade) para “engordar” no poder com o que isso implica o puxar de todos os cordelinhos da auto-estima de um povo “decaído” nas últimas décadas. Pelo perfil da história russa, pode ser perigoso.
4. Uma certeza está garantida, nada será como dantes, pois a afirmação russa será isso mesmo, afirmação, crescimento, imposição, autoridade internacional. Em tudo há que contar com o contrapeso russo. Esperamos que sempre para o melhor!

Alexandre Cruz

FÁBULA DE VEADOS



Dois veados pobres juntam-se para sobreviver: um pede esmola e outro vende sucata. Tinham descoberto a amizade.
Certo dia, encontram outro veado pobre e solitário. Convidam-no a andar com eles. Haviam descoberto a fraternidade.
E assim fazem a outros veados perdidos que vagueiam nos caminhos da vida. São já um conjunto admirável com seus destacados adornos. Tinham descoberto a solidariedade.
Numa bela ocasião, celebram uma festa com os seus pobres meios. Haviam descoberto a alegria.
Juntos, fazem planos quase sempre utópicos. Tinham descoberto o sonho, o entusiasmo.
Vão aonde querem, sem horários nem chefes, desfrutam do sol e das estrelas quanto lhes apetece. Haviam descoberto a liberdade.
Dormem quase todos a céu aberto, alguns num curral e outros numa cerca sem portas.
Sentem cada vez menos a solidão e a companhia dá-lhes grande alegria, enche-os de satisfação. Tinham descoberto a felicidade.
Porquê – perguntam uns aos outros – não vamos oferecer à sociedade este “saco” de valores preciosos que conseguimos e tanto nos enriquece?! Parece que lhe falta algum ou mesmo todos. E cheios de generosidade põem-se a caminho e começam a fazer a sua oferta. Mas a sociedade ri-se deles, humilha-os com insultos, expulsa-os e marginaliza-os.
Eles, felizes, voltam ao seu ritmo de vida, a passar a noite nos locais habituais, nos bancos do parque, nos vãos das escadas.
Na manhã seguinte, dão conta de que a sociedade está arrasada e destroçada pelo egoísmo, a inveja, a avareza e o materialismo. A Bolsa de Valores económicos registava uma queda acentuada e a bolsa dos valores morais havia pedido asilo em qualquer limbo remoto.
Então a sociedade apressa-se a exigir aos veados os seus preciosos valores. E eles, a uma só voz, entoam esta canção mensagem: “Se não sabes como sair e a vida te faz em fanicos, nosso conselho hás-de ouvir: faz-te pobre e serás rico.”

Texto de uma pessoa em situação de “sem lar”
adaptado por Georgino Rocha

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

MEMÓRIAS DE NATAL



Naquele tempo


O Natal, pelas vilas e aldeias do norte da Bairrada e Baixo Vouga, entre as décadas médias do século XX, era vivido no aconchego da família… com pouco de interacção comu-nitária. Quando muito, esta manifestava-se nas celebrações litúrgicas da noite de Natal, em tempo restrito. Melhor explicando, globalmente, naquele tempo… era assim, conforme a memória me vai recordando…
Começadas as novenas do Advento, mais ou menos monótonas e repetitivas – e, por isso, pouco frequentadas - ia-se fazendo, gradu-almente, por párocos e professores do ensino primário, a sensibilização da “pequenada” para a “festa” do Natal. Porém, nada de novo se notava que fizesse supor que ia haver festa, salvo a lembrança deixada pelo senhor prior, alertando para a necessidade de “armar o presépio na igreja”. Nada mais! Mas, como se calcula, esse convite, em zonas onde raramente acontecia algo de diferente, despertava alguma curiosidade. Por isso, marcado o dia e hora, formava-se um pequeno grupo para ir apanhar musgo, plantas secas e outras de tipo ornamental, pedras eventualmente musgosas, etc., de forma que, pelos primeiros dias de Dezembro, tudo estivesse colhido e devidamente guardado, pronto para a “armação”.
E, já com as manhãs e as noites bem frias, num sábado à tarde, sob coordenação das catequistas, o presépio ficava montado, com montes e vales, rebanhos e pastores, lagos e fontes e noras e patos e outras bicharadas… tudo a preceito e numa alusão à diversidade do mundo rural em que se vivia, tendo ao centro, uma sugestiva gruta de aspecto montanhês, na qual se enquadravam as figuras centrais da Natividade – Maria, José e o Menino - com a vaquinha e o burro, por trás da manjedoura, grupos de pastores, pelas encostas, e de anjos, por cima da gruta, enquanto outros grupos de figurantes, nitidamente com ar campestre, se aproximavam do centro em jeito de cantar e dançar, com os reis magos no horizonte do cenário – que se iam aproximando da gruta… Isto é, estava feito o presépio, inaugurado sem cerimónia, o qual concentrava, por cerca de um mês, a adesão dos fiéis, em particular da crianças.
Na noite de Natal, então, sim. Acabados os trabalhos e depois de toda a gente se ter lavado com maior cuidado, juntava-se a família, em sentido mais lato, para um jantar de ambiente e sabor bem diferente do habitual e confraternizar, aguardando-se para tal a indicação da dona da casa que, para essa noite, mais do que nunca, se via convertida em autêntica chefe-cozinheira. Porém, quem presidia à mesa e ao convívio eram os avôs ou, na falta deles, o pai de família. Quanto ao jantar – invariavelmente, bacalhau cozido, batatas e hortaliça – era abundante no essencial da composição, mas não diversificado em ofertas. Se havia frutos secos como aperitivos (nozes, uvas, ameixas, pinhões, figos…), a doçaria era singela, quase sempre na base de abóbora, predominando os bilharacos com canela… eventualmente acompanhados com outra variedade regional (leite creme, aletria, etc), contando com a presença de vinho do Porto. Porém, relativamente ao vinho do jantar, esse era seleccionado, na tradição dos gostos da região da Bairrada ou, então, do Dão.
E o fogo – bem o recordo - crepitava na lareira, nessa noite, com umas brasas mais vivas e irradiando mais calor, pelo que a pouco e pouco, acabado o jantar, todos iam gravitando em torno dela enquanto se queixavam da friagem que, lá fora, cortava os ossos… e aludiam à festividade em curso.
Subitamente, a uma palavra dos mais velhos, todos se preparavam, bem agasalhados, tomando o caminho da igreja para a Missa do galo, celebrada à meia-noite, e, então, festejar, com cânticos religiosos o nascimento de Jesus. Acabada a missa e de regresso a casa, percorriam-se as “fogueiras de Natal” que ardiam nos cruzamentos mais importantes das estradas da freguesia, feitas com especial carinho para “aquecer o Menino” – embora aquecessem mas era os fiéis passeantes. Mas, agora, seguiam cantarolando ao divino e ao profano, noite dentro, com jogos e brincadeiras do tipo do “saltar a fogueira”, muitas vezes acabando com pequenos bailaricos de bairro, como que vivendo no real as sugestões do presépio…
No dia seguinte, para além da missa de Natal, com o “beijar do Menino” – pois é dia santo - mais nada acontecia identificado com a Natividade propriamente dita e… tinha-se cumprido a “festa”. Ah! Prendas? Bem, não era propriamente uma tradição em uso nas freguesias e vilas rurais, mas começou a entrar a pouco e pouco, ao longo da década de 60, quando algumas famílias viram a sua situação melhorada por efeito da emigração para países emergentes da América do Sul ou, mais ricos, os do ocidente europeu, aliando algum desafogo económico e conforto à importação da tradição já por aí arreigada.
Assim, verdadeiramente assinalável, era aquela “noite santa” vivida em amplo convívio familiar e no aconchego de um jantar que, não sendo opíparo em suas iguarias, pelo cheiro da canela e outros condimentos, se mantinha por tempos infindos na memória dos sabores, enquanto os cânticos religiosos e outras toadas de época perduravam na retina dos sons!
E com esta mística simples, como simples tinha sido o espírito franciscano que desenvolveu a ideia da festa popular do presépio, se vivia esse Natal feliz, traduzido na música contagiante do “Alegrem-se os céus e a terra”…!

Amaro Neves, historiador

In Ecclesia

Imagens de S. Jorge, Açores

Ilhéu, freguesia do Topo

Freguesia do Topo, Calheta

Parque Natural, Calheta

Calheta, vista da doca



NOTA: Fotos gentilmente cedidas pela professora Susana, docente em S. Jorge

UMA PRENDA DE NATAL




Vale a pena voltar à esperança. Tenho alguma dificuldade em chamar-lhe docu-mento papal. Mas é mais que a medi-tação ascética, dissertação teológica ou resto de sebenta duma aula longín-qua. Penso que esta escrita é como uma tenda onde todos nos podemos al-bergar, fatigados de caminhos percor-ridos e temerosos pelos que há a percor-rer. Raramente um documento pontifício tem uma dimensão tão profunda, huma-na, próxima, interessante, sem deixar de ser teológica, ascética, subtil e frater-na. O Papa envolve-se na nossa aven-tura de fé recheada de perguntas mas com uma saída muito para além dos trilhos convencionais da doutrina, e das exortações. Parece que uma plêiade de homens e mulheres, crentes ou não, foi evocada com textos profundos e próximos, mitológicos e reais, divinos e humanos.
Não é tarefa fácil viajar no meio desta espécie de labirinto onde nunca se perde o sentido do homem, da história, da fé e de Deus. Sempre com a espada da palavra no corte certeiro de cada indecisão. Estranhos autores, exemplos raros, citações surpreendentes, poemas, fragmentos de sermões, filósofos, teólogos, ascetas, numa aparente complexidade reservada à leitura de poucos. Mas um texto que merece ser lido por todos mesmo que à primeira se não entenda tudo. Há de permeio chaves da vida, da morte, da fé, tudo por causa duma esperança que ilumina os fios da história que parece em rotura.
Atrevo-me a propor, como desafio e provocação, esta segunda encíclica de Bento XVI como oferta privilegiada de Natal. Acessível no preço, simples na apresentação, leve de transportar, sem exigir embalagem especial. Dá direito a saltar duas, três, dez linhas. E a seu tempo voltar atrás para as compreender e cada qual compreender melhor a vida. E que venham, no Ano novo, comentários, esclarecimentos, críticas, aplicações, retiros, palestras, teses, mestrados. Ninguém fica de fora porque não há nada lá que não diga respeito à vida de cada um de nós. E à morte. É à luz perpétua como estrela de Natal sobre as nossas frontes. Exacto. É uma luz plural. Ninguém possui, só, nem virtude nem pecado. Posso citar um pouco?: “Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço, realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem… A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como cristãos não basta perguntarmos: como posso salvar-me a mim mesmo? Devemos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança?” (Spe Salvi n.48)
A ler. Sem pressa. E a oferecer.

António Rego

Na Linha Da Utopia



Agricultores e pescadores

1. As notícias desta área da sociedade continuam a não ser animadoras. Efectivamente, não conseguimos fazer uma transição saudável e justa de um modelo de sociedade tipicamente agrícola (de onde vimos) para o modelo industrial e de conhecimento tecnológico (para onde caminhamos). Um modelo poderia ser compatível com o outro. Mas, abandonámos as terras e o mar. País de larga costa e de sol quase durante todo o ano, muitos estrangeiros entre nós (estudantes ou não) admiram-se como não conseguimos tirar partido das potencialidades admiráveis que temos nas nossas condições naturais. Os dados de 2007 estão aí: o rendimento líquido da actividade agrícola cai mais de 12 por cento. Não é uma quebra qualquer, é queda em cima de queda estrutural…
2. Mas, no meio de todo este cenário, quem se preocupa com os resistentes agricultores e pescadores? Como sentem os portugueses estas essenciais tarefas do cultivo da terra e das pescas do mar? Que lugar, na sociedade em geral e na visão das políticas, têm (ou não) estes vectores estruturantes de qualquer país, para mais com as potencialidades naturais de que dispomos? Razões existem sempre. Dos dados deste ano, dizem os analistas que a quebra deve-se ao quadro meteorológico desfavorável e aos novos cenários de concorrência internacional que agravam o sector. Sabemos que, se há áreas em que os poderes de decisão estão em Bruxelas, esta é uma delas. Neste quadro europeu-global, cheio de desafios mas também repleto de possibilidades nas culturas e fainas que nos são originais e características, a sensação é que fomos e vamos perdendo a terra e o barco…
3. Das coisas mais sintomáticas de uma triste fuga ilusória à nossa própria génese, é o abandono das terras e o envelhecimento de quase todo o mundo piscatório. Há meses um especialista investigador da área dizia que nós, os portugueses, que não tivemos a Revolução Industrial, adquirimos o automóvel mais tarde e queremos levá-lo para todo o lado, até para baixo da secretária, daí a dificuldade de assumirmos os transportes públicos como parte da vida diária (isto para além das razões da necessária melhor rede de transportes…). Talvez ao abandono das terras, um abandono estrutural a que vão resistindo autênticos novos heróis portugueses, também esteja na ilusão de darmos um salto maior que a perna... Verdade se diga, mesmo nas exigências das concorrências do quadro europeu não é incompatível o desenvolvimento tecnológico com uma necessária visão integrada das nossas potencialidades agrícolas únicas. Mesmo sem as subsidiodependências, a realidade de muitos países europeus o demonstra.
4. O que nos falta? Talvez uma relação pacífica de mentalidade com as nossas terras (afinal, donde provimos). Ou, não estarão também o próprio turismo e as 1001 doçarias e variedades regionais enraizadas na faina agrícola? Mesmo no meio da complexidade destas questões, a costa e o sol portugueses exigiriam mais e melhor, começando por uma visão política consensual. Para quando? Ou os “choques tecnológicos” “escondem-se” das terras e do mar? (Chegaremos um dia a “comer” tecnologias?! Ou compraremos mesmo tudo? Ou ainda, virão os “de fora” produzir na nossa terra as nossas especialidades únicas que o clima permite?) Qualquer coisa de novo nesta área será urgente. Já é tarde!

Alexandre Cruz

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 54

Uma lenda de Moçambique


A GAZELA E O CARACOL

Caríssima/o:

Por vezes, os contornos das lendas não estão bem definidos e surge a confusão de que é um bom exemplo esta fábula que como tal nos é apresentada!
Ora vejamos:
«Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe: "Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão." O caracol respondeu: "Vem cá no Domingo e verás!"
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes: "Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier."
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram. Quando a gazela chegou, disse: "Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!". O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando: "Caracol!". E havia sempre um caracol que respondia: "Eu sou o caracol." Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.
Comentário do narrador : "Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!".»
A Maria Francisca, que começa a dar os primeiros saltitos na leitura, vai rir às gargalhadas quando perceber que a gazela se deixou ludibriar por um bichito tão pachorrento como é o caracol!
Afinal ele sabia ler!
E que melhor desejo teremos nós, os avós, para os nossos netos: que aprendam a ler bem e depressa para se deliciarem regaladamente com contos, lendas e outras estórias que depois nos contarão.

Manuel

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Na Linha Da Utopia



Migrações, o nosso ADN

1. Sendo a condição humana migrante por natureza, todos nascemos migran-tes, num tempo e espaço concretos. A viagem de cada história de vida e da grande história humana que nos prece-de, inscreve na árvore genealógica de cada pessoa um comum (ancestral) cha-mamento à unidade. 18 de Dezembro é o Dia Mundial do Imigrante. Estima-se que bem mais de 200 milhões de pessoas são esta comunidade migrante hoje, que, porventura, deixarão de o ser amanhã, pois os seus descendentes, se assim as condições forem dessa normalidade, farão a sua casa onde nascem e onde criam as suas raízes. As migrações que têm atravessado os séculos, conduziram-nos até ao presente, num gratificante (embora muitas vezes exigente, ou mesmo chocante) encontro de mentalidades e culturas.
2. Quando, por exemplo, no século passado, o cego orgulho dos nacionalismos trouxe à ribalta a ilusão da “raça pura”, as desumanas e grotescas consequências não se fizeram esperar…facto que também nos demonstra cabalmente que, vão as ideias dos homens onde forem, habita o nosso comum ADN essa condição migrante que se reveste de “uno” desígnio apreciador da diversidade. Vai crescendo esta mesma consciência da pluralidade de expressões de ser e de ver a outra cultura como parte de um todo que nos une. É neste sentido que surge a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2002) que considera a cultura (a viver em encontro de culturas) como «o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças».
3. São as viagens dos séculos que herdamos, de que somos fruto em todos os 1001 cruzamentos de encontros e desencontros, migrações de que, afinal, provimos. Nesta razão, consequentemente, também ao Portugal viajante mestiço que fomos e somos, só pode haver um olhar sensibilizado e acolhedor, sendo todas as formas de exploração a diminuição de si próprio na limitação forçada do outro. Diga-se que se há grito contra a nossa própria identidade humana, numa comunidade portuguesa que continua a ter cerca de 5 milhões de concidadãos por esse mundo fora, é quando se verificam situações de exploração. Também aqui, o sentido itinerante, migrante, da própria origem natalícia, propõe-nos o inadiável convite existencial criador de proximidades. Afinal, (re)conhecendo o nosso ADN da condição humana, nascemos à mesma lareira.

Alexandre Cruz

DIA INTERNCIONAL DO MIGRANTE


UM SORRISO PODE SER
A NOSSA MELHOR AJUDA

Não há, creio eu, quem não esteja relacionado, directa ou indirectamente, com a migração. Familiares que tiveram de sair do nosso canto pátrio, para dentro do país ou para o estrangeiro, outros povos que chegaram aqui e aqui se fixaram. Causas dessas migrações, através dos tempos, são variadíssimas. Razões económicas, fome e sede, secas, perseguições políticas, gosto pela aventura, guerras, catástrofes naturais, amor e tantas outras, impossíveis de enumerar.
Admiro os migrantes. São, normalmente, pessoas inconformadas com o statu quo, teimando em desafiar o destino que as circunstâncias lhes ditaram. Querem mais e melhor, para si e para os seus, e saem com coragem para outras paragens, sabendo que têm de travar lutas para se adaptarem a novos ares, a novos hábitos, a novas formas de ser e de estar na vida, a novas línguas e diferentes modos de conviver. Normalmente, pelo que sei, adaptam-se com facilidade. Outros regressam vencidos. Nem todos convencidos.
Neste Dia Internacional do Migrante, cumpramos a obrigação de olhar para os que chegam até nós com sonhos legítimos, com simpatia e espírito de cooperação. Um sorriso nosso pode ser a nossa melhor ajuda.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

IMIGRANTES CLANDESTINOS




As televisões mostraram hoje imagens tristes da prisão de 23 imigrantes clandestinos, oriundos de Marrocos. Algemados como perigosos cadastrados, recolheram às instalações do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), sendo amanhã ouvidos em tribunal. Podendo ficar em Portugal 70 dias, depois desse período terão, certamente, de ser repatriados. Segundo disseram, o seu destino era Espanha.
Quando vejo cenas destas, recordo de imediato os muitos milhares de portugueses que na década de sessenta do século passado procederam precisamente como estes marroquinos. A salto, como então se dizia, esses nossos compatriotas tiveram de vencer inúmeros obstáculos para poderem viver e trabalhar em França. Um dos maiores bairros de lata, nos arredores de Paris, estava cheio de portugueses.
Tal como estes imigrantes que hoje tentaram ficar por Portugal, provavelmente para mais tarde rumarem a Espanha, os nossos compatriotas foram forçados a fugir da pobreza, da miséria, do desemprego, de vidas sem futuro. Muitos, talvez a maioria, conseguiram construir uma vida melhor e oferecer aos seus filhos, a nível social e profissional, o que Portugal não podia dar-lhes.
Estas reportagens sobre imigrantes que lutam por uma vida melhor comovem-me sempre. Fundamentalmente porque sei quanto familiares e amigos meus sofreram para singrar na vida, porque o nosso País não podia garantir-lhes nada. Era, então, um país fechado ao mundo, “orgulhosamente só”, pouco industrializado, com uma agricultura quase da Idade Média, com gente de pé descalço, muito pobre, em suma.
Estes imigrantes clandestinos, que hoje foram algemados, estão, afinal, na mesma situação dos portugueses que no século passado foram a salto para França, por montes e vales, ao frio e à chuva, levados por passadores que os exploravam até ao último escudo. Depois, em França, até conseguirem trabalho, a fome ainda os apoquentou uns tempos mais. Muitos conseguiram vencer. Outros saíram derrotados. As suas histórias, de sacrifícios sem conta, estão por conhecer em muitas comunidades portuguesas. Deles se registam, como símbolos das suas vidas, as habitações com traços franceses.

Fernando Martins

Na Linha Da Utopia



Semear (Natal) para colher

1. Cada vez mais será importante o pensar e repensar sobre o que semeamos. A sementeira dos valores fundamentais à vida e à convivência vai sendo “plantada” todos os dias, todas as horas. O tempo pré-natal ajuda-nos a valorizar e apreciar as coisas simples, lendo aí o melhor futuro que procuramos. Também nos interpela sobre “o que” e “como” semeamos, sobre o lugar do essencial num crescimento de quem quer sempre o melhor para os outros e para o mundo inteiro. Só semeando com qualidade se podem esperar frutos em conformidade. Essa qualidade, mais que nunca, também passará pela simplicidade da exigência diária, numa abertura acolhedora capaz de compreender as múltiplas situações… Uma tarefa sempre tão difícil e exigente quanto necessária à vida colectiva.
2. Semear para colher. O exemplo pode vir mesmo da faina agrícola. Um “semear” que depois precisa do tempo necessário. Tal como até a própria natureza nos demonstra, as plantam não nascem “à pressa”, o processo da vida não é “de repente”, os valores para uma sociedade fraterna não são um “clic” instantâneo. Tudo precisa de tempo, pois só no tempo tudo frutifica. Os antigos consideravam que tempo é sabedoria… Os lemas contemporâneos vão pouco por aqui. Tudo tem de ser rápido (demais), a ponto de desintegrar o tempo para a “sabedoria”. Estamos todos quase a ser transformados em “fazedores”, novos “robots”, em vez de “sabedores”. Só damos por “algo” que está errado quando nos confrontamos com a ausência de fruto, quando vamos à árvore procurar os frutos que não cuidámos devidamente…
3. Este tempo antes do Natal é uma época cheia de possibilidades no abrir das janelas do ser a novas perspectivas de viver. É altura (mais que o saturante comércio) de olhar e (re)parar um pouco na colheita que vamos conseguindo… Tudo porque o Natal será um valor profundo do coração e não uma coisa exterior que, passados uns dias, perde a validade. O (verdadeiro) Natal que quer chegar, na dignidade absoluta que O reveste, interpela grandemente todos os modelos sociais do nosso tempo, pois que nos abre ao sentido dos valores (infinitos) que nunca passam. Talvez, mais que nunca, no apelo à qualidade de viver, seja necessário ir à fonte do Natal e aí recompreender o que acontece(u). Haverá mais luz interior…e todos os dinamismos exteriores apuram a sua própria sensibilidade como serviço a toda a pessoa humana. Venha este Natal!


Alexandre Cruz

NATAL



NATAL À VISTA


Nos largos horizontes
em que me vejo e revejo
sinto e pressinto um Natal de paz
com pão para todos
e sem frio nos corações
Um Natal à medida da falta de amor
com sinos e sininhos a darem sinais
da possível
confraternização universal
Um Natal de sorrisos francos
como os sorrisos das crianças que brincam
descontraidamente
com o mundo que rebola a seus pés
nos jardins dos nossos sonhos
Um Natal branco
como a brancura dos que amam
a verdade e a justiça
Um Natal de ternura sem fim

Fernando Martins

POBREZA NO MUNDO

Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz denuncia falhanço no primeiro Objectivo de Desenvolvimento do Milénio



"A Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz vai levar a efeito uma acção conjunta que pretende chamar a atenção para o facto da economia mundial não estar a conseguir realizar o primeiro Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, relacionado com a redução para metade da pobreza extrema até ao ano de 2015."
:
O grande dilema das nossas sociedades está aqui: A economia mundial não consegue conceber um plano que contribua para erradicar a pobreza que grassa por toda a parte, de forma escandalosa.
Muito se tem pregado que é urgente acabar com os pobres, mas no fundo não se passa da boa intenção de alguns. Há cada vez mais pobres, mesmo em Portugal, onde muito se fala de progressos. Não sei qual será a solução. Sei, sabemos todos, que todos os anos, por esta altura, se multiplicam as ceias para os sem-abrigo, que se multiplicam os cabazes de Natal para os mais carenciados, que não faltam iniciativas para acudir aos pobres mais envergonhados. Dez por cento dos portugueses estão no limiar da pobreza, não havendo para estes a alegria que muitos de nós concebemos para este Natal. E temos uma certeza: depois do Natal, depois do muito que fizemos pelos mais feridos da vida, voltaremos ao ramerrão dos nossos quotidianos. Até ao próximo Natal.

Fernando Martins

domingo, 16 de dezembro de 2007

Na Linha Da Utopia



Preparar o ambiente de Natal

1. Uma nova consciência planetária vai emergindo, animadora da urgência da preservação da natureza, dos ambientes, da biodiversidade... Esta visão respeitadora, tantas vezes contra os ventos e as marés dos interesses particulares, provém, também, da consciencialização da finitude dos recursos e do apreciar a beleza da vida e de tudo o que envolve o planeta azul e o universo infinito. Assim, mais conhecer quererá significar “mais proteger”. Na recente Cimeira do Ambiente promovida pela Organização das Nações Unidas em Bali (Indonésia) estes mesmos sentimentos, no sofrido esforço consensual, pela madrugada dentro, acabaram por vir à luz do dia. Representantes de cerca de 200 nações, reunidos na primeira quinzena de Dezembro, até ao último dia discursaram na incerteza, especialmente em relação à posição duvidosa da poluída política dos EUA. Para o seu repensar da estratégia também não terá sido indiferente o duro discurso do Nobel Al Gore, quando a 10 de Dezembro recebe o Prémio da Paz com a Natureza. Quando o pessimismo inconsequente já parecia garantido, o discurso dramático do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, apela inadiavelmente: “Agarrem este momento para o bem de toda a Humanidade!”
2. Palavras certeiras estas, que muito contribuíram para dar a volta à Cimeira, numa abertura norte-americana do sentido decisivo de uma boa vontade que, tendo de ser política, rapidamente terá de descer aos modelos de vida em sociedade, ainda pouco habituados ao realismo da premente regulação ambiental. Este Dezembro tem tido encontros globais em grande escala, que, sem ilusão mas sem deitar a perder os impulsos positivos, convida à esperança a própria humanidade. Ainda que em muitas circunstâncias pareça ser (ou seja mesmo) tarde.., mas vamos… parar “na lama” seria o pior de tudo. Afinal, é o bem de toda a Humanidade que está em jogo. Será de exaltar a unidade de pressão exercida sobre os EUA, habituados em certas circunstâncias às posições isoladas… A certa altura a sua diplomacia sentiu um isolamento tal que condenaria ao fracasso total as suas políticas externas. Talvez em muitas outras áreas, hoje (mundo global, problemas globais) esta forma de pressão (global) ajude a fazer nascer uma nova consciência. Nem que seja um parto à força!
3. No presépio do Natal a própria natureza viva participa, oferecendo o aconchego do acolhimento caloroso. Seja o mundo esse lugar acolhedor, essa “OIKOS”, casa equilibrada, para o bem da Humanidade. Também a humanidade pessoal de cada um, desta forma e na pressuposta diversidade das visões, se vai preparando para um mais sentido NATAL, no (re)nascimento da melhor consciência!


Alexandre Cruz

JARDINS NA CIDADE








Jardim suspenso do Fórum
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Um dia destes fui à cidade de Aveiro. Divaguei pelo centro, apenas, porque não estava com coragem para longas caminhadas. Numa passagem pelo Fórum, inevitável, resolvi subir ao último piso. Sossego absoluto. Não havia lojas. Um único par de namorados nem deu pela minha passagem. Então desfrutei, sozinho, da paisagem que dali se pode ver. E fotografei o jardim suspenso, que ostentava um certo ar de asseio. A curiosidade está nisto: ninguém tem tempo para ir ao jardim.



TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 53


A FONTE DOS ENGARANHOS

Caríssima/o:

A lenda que aí fica é das tais que provoca “arrepios na espinha”, apesar de aparecer uma linda moura encantada!...
Vamos à fonte com o meu neto Manuel e, entretanto, ouçamos a narração:

«Para cura de crianças engaranhadas não há nada como a Fonte dos Engaranhos. Fica na aldeia de Couços, freguesia de Múrias, concelho de Mirandela. A fonte tem fama, mas o leitor é capaz de não saber o que é engaranho. Pois é raquitismo. Ali na região, as mães agarram nas crianças com esse problema e levam-nas à fonte. Despem-nas e mergulham-nas. Quando se vêm embora deixam lá ficar a roupa que levam que é para ficar também o mal. Pois esta lenda assenta do desengaranhar próprio dessa fonte.
Pois numa noite de luar, um homem passou pela Fonte dos Engaranhos, vinha do trabalho e ia para casa. Porém, ao passar mesmo diante ouviu um ruído esquisito e assustou-se. A medo, olhou para a fonte e viu uma linda menina a pentear-se. Os cabelos eram negros e o pente de ouro. A jovem, com o maior à-vontade, começou a falar com ele, dizendo-lhe que não receasse nada, que ela era uma moura encantada e a sua condenação era passar ali mil anos! Não assim, mas transformada em cobra, E prometeu-Ihe umas arcas de tesouros se ele quisesse ter a amabilidade de a desenterrar,
- E que tenho eu de fazer? - perguntou o homem.
- Basta que me deixes dar-te um beijo na boca quando eu me tiver transformado em cobra. Mas não podes sequer estremecer.
- Aceito. Coragem é coisa que não me falta.
- Então vou voltar à minha forma habitual.
E mal acabou de dizer isto, a moura transformou-se numa enorme cobra preta que deixou o aldeão boquiaberto. Começou a aproximar-se dele, enroscando-se-Ihe primeiro nas pernas, depois chegou-lhe à cinta e ao peito. Devagar, para o não assustar. O homem estava calmo, nem pestanejava. Mas quando a serpente abriu a boca e tirou para fora aquela língua bifurcada, ele teve um arrepio na espinha que deitou tudo a perder.
Logo que a cobra caiu no chão, ficou com a forma de mulher. E chorou-se:
- Bem, estou condenada a mais dois mil anos. Mas tentaste ajudar-me e tiveste muita coragem. Por isso vou ver o que posso fazer por ti.
Deu-lhe três moedas de ouro e acrescentou:
- Vem cá sempre que precisares de mais...
Bem e a partir daí nunca mais ninguém o viu trabalhar e toda a gente andava admirada com a maneira elegante como ele se vestia. E sempre bem comido e bem bebido. E isto suscitava a inveja à vizinhança.
Um dia, um amigo foi ter com ele e pediu-lhe que esclarecesse o que se passava, porque toda a gente andava a murmurar que ou ele andava a roubar ou tinha pacto com o diabo. E ele contou-lhe.
No dia seguinte, quando foi à fonte buscar as três moedas de ouro que a moura Ihe deixava à tona da água, só lá tinha três carvões. E como não poupara nada do que recebera, teve de voltar a trabalhar para ter com que viver. E se lhe perguntavam alguma coisa, respondia:
-Água o deu, água o levou!
E a fonte, se deixou de dar moedas de oiro, continua a jorrar uma água curativa para curar crianças enfezaditas...»
[V. M., 151]

Pela cópia e arrumação, o avô

Manuel
Foto: Múrias, Mirandela

ARES DO OUTONO



O pão

Hoje
falta-me pão

O pão nosso de cada dia
dizem

Cada dia é um dia
que me traz
tudo menos pão
Hoje recebi mágoas
queixas e lamentos
tudo menos pão

Dizem
o pão nosso de cada dia

Cada dia é um dia
em que os dias
são árvores nuas
e ventos de desgraça

O pão nosso de cada dia
o pão ázimo da poesia

Orlando Jorge Figueiredo

sábado, 15 de dezembro de 2007

NO AMBIENTE DOS CRUZEIROS

Paquete Athena, em vésperas de partida

Símbolos da história do paquete

Pensando numa viagem?



Decoração de uma "suite"


Comandante num espaço de recepção




Paquete Athena no Porto de Aveiro
prepara-se para mais um cruzeiro


Por amável convite do comandante José Vilarinho, tive o prazer de participar numa visita guiada ao paquete Athena, atracado no Porto de Aveiro. O convite veio à noite, via Net, e logo decidi aceitá-lo, pois é sempre agradável conviver com gente amiga e conhecer um ambiente diferente, onde se proporcionam vivências com mar à vista.
O paquete Athena, com capacidade para 600 passageiros e 230 tripulantes das mais diversas nacionalidades, tem cómodos mais do que suficientes para proporcionar excelentes férias de turismo e de lazer a quem tem possibilidades para isso, estando garantido que até é possível encontrar preços acessíveis.
No Porto de Aveiro está a preparar-se mais um cruzeiro para a quadra Natal e Ano Novo, passando pela Madeira, Canárias e, eventualmente, Norte de África. Será um cruzeiro onde a animação será constante, a par de um serviço de qualidade, prestado por uma tripulação experimentada na arte de bem servir.
Viajando pelo navio, cujo casco data de 1948, tendo passado, até hoje, por sucessivas obras de transformação e adaptação às exigências cada vez maiores dos frequentadores de cruzeiros, gente com alguma disponibilidade económica e com tempo livre para isso, sente-se quanto o conforto dos passageiros é cuidado ao pormenor. A funcionalidade de todos os serviços é fruto do saber feito ao longo dos anos do armador e dos seus funcionários e comandantes, sendo reconhecido que, uma vez dentro do navio, o turista pode considerar-se num autêntico hotel, onde nada falta. Decoração esmerada e trabalho de artistas italianos, a par de mobiliário de bom gosto, são um convite a quem chega.
Para além dos cómodos habituais a quem precisa de uns dias de descontracção, ali vi a Biblioteca (adequada à nacionalidade dos passageiros) e sala com Internet, auditório para cinema e conferências, anfiteatro para espectáculos, salas de jogos e de leitura, pequeno ginásio para manutenção física (pouco utilizado, diz o comandante), piscina, capela ecuménica, lojas variadas e cabeleireiro, “suites” e quartos para vários preços.
O restaurante e os bares, os espaços para estar, a possibilidade de sentir o mar sempre à volta, a garantia de segurança e o prazer de conhecer novos mundos, cidades de gente exótica, capitais de arte e de culturas diversíssimas, de tudo um pouco pode usufruir quem puder passar uns dias num cruzeiro.
O comandante José Vilarinho, que conhece meio mundo, tanto quanto lhe pode oferecer o mar, falou das culturas que os seus olhos e sensibilidade já apreciaram, da arquitectura de terras diferentes, da natureza tão rica, com baleias, golfinhos e outros seres marinhos e aves que cientistas procuram nos cruzeiros do Athena.
Quando o ouvi, nesta visita guiada, orientando-nos para sonhos que muitos não poderão concretizar, lembrei-me daquela frase célebre do nosso Camões, que aqui tão bem se aplica: “Melhor é experimentá-lo que julgá-lo; mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.”

Fernando Martins
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Nota: Clicar nas fotos para ampliar

ALEGRAI-VOS, NO SENHOR!





O Natal está próximo e com ele a celebração, de vida e festa, do grande amor de Deus por toda a Humanidade.
“Hoje, na cidade de David nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, Senhor” (Lc 2,11).
Palavras fáceis de anunciar e de escutar, a sua mensagem traz, em si mesmo e desde sempre, amplos horizontes de esperança na infinita misericórdia de Deus, ao mesmo tempo que continua a interpelar cada homem quanto ao sentido deste anúncio e o significado que lhe dá no concreto do seu dia-a-dia.
- “Alegrai-vos” – anunciou o anjo aos pastores que guardavam os seus rebanhos, ao relento da noite.
Este convite à alegria, feito a todos os homens de boa vontade, nunca foi tão necessário e urgente como no mundo actual e, aos cristãos, em particular, é feito um imenso e contínuo desafio às razões da sua fé, da sua esperança e do seu amor.
Creio que o grande desafio (e convite) do Natal passa pelo sermos capazes de escutar a mensagem que os pastores de Belém ouviram e deixarmo-nos envolver pelo Presépio da Esperança, para que ilumine a vida de cada um e o envolva na alegria de saber que Deus se fez Homem, para salvação de todos os homens
Uma alegria capaz de encher os nossos lares, os nossos locais de trabalho, as salas onde estudamos, as mensagens que enviamos, os caminhos e as ruas que percorremos e a Igreja em que acreditamos.
Uma alegria feita de empenho e compromisso, em nome dos excluídos, dos injustiçados, dos famintos, dos doentes e de todos os que são vítimas de quantos parecem não querer escutar (ou ignoraram), a mensagem daquela noite, em Belém.
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Este foi o grande dom que o Senhor nos ofereceu: sermos Suas testemunhas e, pela razão desta graça, termos o empenho e a coragem suficientes para que todos tenham lugar nesta festa da vida que o Natal de Jesus no oferece.
Então, também nós, à semelhança do anjo do Senhor, podemos anunciar: Alegrai-vos, no Senhor! Ele nasceu e habita, para todo sempre, no meio de nós!
Um Santo e Feliz Natal!

Vítor Amorim

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES PARA TODOS



Também no interior do País há realizações culturais estimulantes. A Câmara de Castro Daire, por exemplo, promoveu recentemente um encontro - "Diálogos oportunos" - em que foram debatidas questões referentes ao diálogo inter-religioso e à igualdade de oportunidades.
Quanto ao diálogo inter-religioso, o que ficou mais sublinhado tanto pelo representante do judaísmo como por mim próprio foi a importância do estudo do fenómeno religioso e das diferentes religiões na escola. Em ordem ao conhecimento mútuo e para evitar a irracionalidade e os fundamentalismos.
Foi lá também que Ana Paula Fitas, chamando a atenção para "2007 - Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos", sublinhou os quatro R (em inglês) que deviam animar o ano e o futuro: Direitos (Rights), Representação, Reconhecimento, Respeito.
Portugal tem uma das melhores legislações sobre esta problemática. Veja-se o artigo 13.º da Constituição: "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual."
Mas não basta legislar. Os direitos encontram a sua realização nas práticas sociais. Têm de concretizar-se na rua e nas instituições. Aliás, quantos conhecem verdadeiramente os seus direitos?
Quanto à representação, é preciso que se torne efectiva na sociedade em geral. As minorias têm de ter espaço para exprimir-se. É preciso que todos reconheçam os outros enquanto iguais e diferentes. Há sempre focos de discriminação - pense-se na roupa de marca ou no local de residência.
Ao falar do reconhecimento, somos levados a tomar consciência de como excluímos os pobres, os idosos... As nossas sociedades de consumo, hedonistas, determinam o que se não pode ser: pobre, velho, gordo, feio, e, implícita ou descaradamente, todos eles vão sendo discriminados.
O pior mesmo é ser pobre e velho. E aí está uma razão para eu me não regozijar particularmente com a notícia de que colégios católicos ficaram nos primeiros lugares no ranking das escolas. Não nego a importância da boa gestão, de professores competentes, exigentes e cumpridores. Mas, depois, o custo das propinas vai de 300 a 400 euros mensais. Quem é o pobre que pode pagar? Não devia haver um sinal cristão nesses colégios? Por exemplo, uma percentagem de alunos pobres pagos por um imposto a cobrar aos pais ricos...
Os idosos não podem ser metidos em guetos. Tanto eles como os deficientes têm de ter lugar e voz no espaço público. Precisamos, todos, de aprender a conviver com a diferença.
O respeito - a etimologia da palavra é muito interessante: do latim respicere, que significa olhar para trás, voltar-se para olhar - é esse olhar para os outros como olhamos para nós, tratando-os como queremos que nos tratem: como iguais e diferentes.
Trata-se assim de acabar com as discriminações e as suas causas, radicadas nas representações sociais. Discriminações por causa do sexo - embora o cristianismo proclame a igualdade radical de todos os seres humanos, as mulheres continuam discriminadas também na Igreja católica; por causa da raça - os negros são discriminados; por causa da idade - são apenas os velhos que são discriminados? E quando se coloca nos anúncios o limite de idade para um emprego?; por causa de deficiências - os deficientes continuam discriminados; por causa da orientação sexual - pense-se nos homossexuais; por causa da religião - pense-se na islamofobia, por exemplo.
Embora a época natalícia se tenha transformado numa escandalosa feira alienante de negócios e consumo, não se deveria esquecer que o Natal de Jesus é o Natal do Homem. Deus manifestou-se na humanidade frágil de Jesus Cristo, e agora todos os seres humanos deveriam saber da dignidade divina de ser Homem, que não tolera discriminações e obriga a agir eficazmente para superá-las.

Anselmo Borges

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

REFERENDO?



Com a assinatura do Tratado de Lisboa, não faltaram vozes abespinhadas a reclamarem um referendo, para que os portugueses possam decidir sobre a adesão a este documento fundamental da UE. Para mim, o recurso a um referendo deve acontecer, apenas, em situações extremas, isto é, que alterem radicalmente uma opção nacional. Pelo que se tem visto, os portugueses não se dão bem com referendos. Aceitem a democracia representativa e estão habituados a viver com ela. Depois de uma qualquer eleição, confiam nos políticos. E se eles não corresponderem ao que deles se espera, na primeira oportunidade votam noutros…
Não vejo, neste caso do Tratado de Lisboa, qualquer razão para um referendo. Se Portugal o fizesse, estou em crer que não seria vinculativo, e lá se ia mais uma despesa extraordinária no periclitante orçamento do Estado.
Quem reclama o referendo até parece que quer pugnar pela saída da UE. Seria bonito se, pela toleima de alguns, Portugal abandonasse ridiculamente a Europa dos 27. Somos europeus, estamos na UE e podemos, nas suas instâncias, reclamar, democraticamente, aquilo que consideramos importante para o nosso País, com as achegas, sempre pertinentes, dos órgãos do poder nacionais e com as opiniões de quantos, entre nós, reflectem o pensar do povo.
Podemos até nem concordar com tudo quanto está exarado no Tratado. Mas também penso que não virá daí grande mal ao mundo. Mas não me venham para cá com referendos, que só podem baralhar as ideias de pessoas mais frágeis ou pouco dadas a estas coisas, ou atrasar o processo europeu, rumo a uma sociedade mais solidária.
Pensando no referendo, de que agora tanto se fala, eu pergunto:
Houve algum referendo para legitimar a implantação da República?
Houve algum referendo para aprovar a Constituição da República Portuguesa depois do 25 de Abril?
Houve algum referendo para Portugal entrar na CEE?
Houve algum referendo para o nosso País aderir à moeda única?
Houve algum referendo para se aceitar a livre circulação de pessoas, bens e serviços no espaço comunitário?
Houve algum referendo para os Governos Nacionais poderem assinar, através dos tempos, qualquer tratado com países estrangeiros?
Fernando Martins

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

TRATADO DE LISBOA



Principais elementos do novo Tratado euro-peu, o Tratado de Lisboa, que substituirá o projecto de Constituição europeia:
- O Tratado de Reforma estipulado contém as emendas aos dois únicos tratados que o bloco vai conservar: o Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o funcionamento da UE.
- Cria a figura de um presidente estável da União, eleito por um período de dois anos e meio, renovável uma vez.
- Cria o novo cargo de Alto Representante da União para Relações Exteriores e a Política de Segurança, que será ao mesmo tempo vice-presidente da Comissão Europeia e vai dirigir um serviço de acção exterior.
- Instaura um novo sistema para o cálculo da maioria qualificada na tomada de decisões. A "maioria dupla" será adiada, no entanto, até 1 de Novembro de 2014, para atender à Polónia, que obtém outras garantias.
- Desaparece o veto em 40 matérias suplementares, entre elas: asilo, imigração e cooperação policial e judicial.
- A Comissão Europeia (órgão executivo), hoje com 27 membros, terá no máximo dois terços do número de Estados-membros, a partir de 2014.
- Aumenta o poder de co-decisão ou co-legislação do Parlamento Europeu.
- A Carta Europeia de Direitos Fundamentais, que ocupava toda a parte II do Tratado constitucional, não faz parte do novo documento, o qual, porém, incluirá uma menção do seu carácter vinculativo.
- O Reino Unido assegura restrições na aplicação da Carta ao seu território, assim como a Polónia.
- Maior papel dos Parlamentos nacionais.
- Reconhecimento da iniciativa popular: um milhão de cidadãos pode pedir à Comissão uma medida legislativa.
- A União Europeia terá personalidade jurídica única.
- Possibilidade de os Estados abandonarem a União.
- Novo mecanismo automático de colaboração reforçada na cooperação policial e judicial.
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Na Linha Da Utopia


UMA LISBOA EUROPEIA

1. Está escrito. O novo tratado europeu com o registo de 13 de Dezembro, Lisboa 2007. Como sempre nestas coisas, um ponto de chegada que é de partida. Uma meta de “assinaturas” no papel de uma Europa que ainda é pouco a Europa dos cidadãos. Um coro de aplausos e outro de assobios. Mas nem os assobios podem travar o momento histórico assinalável da presidência portuguesa, nem os aplausos podem esquecer o mais difícil que está por diante... Também importa vencer o frio calculismo e mesmo toda a rede de pessimismos, e sentir na “canção do mar” que a nova ventura deste século reserva aos pequenos países um lugar especial na reconstrução da história. Como várias vezes disseram (no século passado) o filósofo andante Agostinho da Silva e o filósofo padre Manuel Antunes, os pequenos países terão nesta época global a capacidade de unir os grandes, tantas vezes submersos nos seus grandes problemas e/ou interesses.
2. Mas não exista a ilusão de que tudo está consumado. Antes pelo contrário. Enquanto as opiniões públicas europeias não estiverem formadas devidamente da inevitabilidade europeia como factor de coesão para um desenvolvimento harmonioso de todos, o projecto europeu continua a ser construído nas sedes parlamentares e pouco nas ruas da praça pública. Por estes dias falava-se que nós próprios, portugueses, fomos vendo a Europa como a “vaca leiteira” em que muitos foram beber mundo e fundos, mas em que faltou uma visão de co-responsabilidade como compromisso cívico. Quanto chico-espertismo (particularmente nos inícios) nestes vinte anos da nossa presença europeia?! Quanta falta daquela “revolução moral” (de que falava Manuel Antunes na sua obra “Repensar Portugal”, 1979) que aliada à revolução cultural impediria sistemas de corrupção e injustiça social…
3. O passo seguinte é a incerteza. A ratificação do tratado nos 27 países. As oposições estão aí, de bandeira erguida. Mais preocupadas com o seu refrão sempre “contra” do que um apelo a uma cultura humana e social que saiba ajuizar devidamente o valor dos momentos, do país, e do país na Europa. O mesmo acontece nos países europeus, e muitas vezes são os que mais beneficia(ra)m da Europa que são os mais eurocépticos. Talvez o “ideal” dos ideais seja em todos os países europeus haver um referendo que confirme uma opinião pública europeia formada e informada de tudo o que está em jogo, e conclua que o caminho tem de ser feito em comunidade, sabendo preparar o trigo do joio. Mas, os níveis de indiferença das sociedades à construção europeia, a que não é alheia uma política de gabinete distante, acabam por, na falta de visão de conjunto, salientar o “argueiro” negativo. O passo seguinte, afinal, representa a hora da fronteira e da verdade.
4. Talvez possamos começar por reconhecer perguntando: apesar das limitações, que seria de nós sem a Europa? E que seria da Europa sem o projecto europeu? Estas são as décadas (pós-guerra) em que longo de toda a história europeia se conseguiu mais tempo de paz… Estarão os europeus convencidos disto? (Paz... valor que não dispensa a urgência do erguer de uma aperfeiçoada escala de valores de futuro inclusivo, de espírito pós-democrático onde a Europa aberta seja uma autêntica escola da transversal dignidade humana. Acima do refrão “social”.)

Alexandre Cruz