terça-feira, 12 de junho de 2007

Um artigo de Alexandre Cruz

Que modelo de desenvolvimento?
1. Para os chamados países desenvolvidos, para os países em processo de estruturação do seu desenvolvimento, a questão sobre o modelo de vida a seguir apresenta-se cada vez mais como a questão decisiva. Sendo verdade que muitas forças (umas às claras outras obscuras) existem que condicionam os caminhos de desenvolvimento saudável e justo, tanto lá longe como cá perto, todavia, a questão fundamental do futuro das sociedades não se pode desnortear na indiferença reinante, antes terá de ser assumida por todos como reflexão transversal. Aliás, a própria indiferença generalizada convém às forças obscuras que assim melhor controlam as suas vontades unilaterais e muitas vezes menos servidoras de TODOS, porque menos auscultadoras da realidade real. Democracia, cada vez mais, terá de ser sinónimo de participação de TODOS … quando não, deixa de o ser transformando-se em oligarquia (seja política seja económica). Naturalmente, neste processo de construção comum, as elites pensantes, às claras, assumirão um papel relevante de liderança do debate… 2. Um enorme perigo atravessa os processos de desenvolvimento das sociedades: por impossibilidade de acesso ou por distracção individualista, o alienar-se da vida social do bem comum e só aparecer na hora de apagar o fogo. Há países em vias de desenvolvimento onde ainda é impossível o aceder democrático às questões fundamentais de todos nessa sociedade em embrião; há países (tipicamente ocidentais) que se têm esquecido de alimentar a liberdade participada, o que vai gerando uma certa anemia social permiável ao controle social de uns pequenos grupos na sombra, que terão tanta mais força quanto mais a indiferença avançar. Que sensibilidade para TODOS (re)pensarmos o modelo de desenvolvimento que estamos a construir? Onde estão os lugares, dos formais aos informais, para estas questões virem à ribalta e serem plataforma de diálogo, encontro, perspectiva de um futuro comum para TODOS e CADA UM? 3. Nos últimos anos tem crescido a noção e necessidade de uma cidadania assumida na vida cívica diária. Certamente que nesta cidadania pretendida não está inscrita a limitada visão provinda da Revolução Francesa (1789), quando nos direitos do homem e do cidadão não havia ainda lugar para a dignidade do ser humano. O regresso do discurso das cidadanias – espelhado em tantos movimentos cívicos - certamente quererá despertar um adormecimento generalizado naquilo que deverão ser as preocupações de TODOS, não só no cumprimento dos direitos e deveres (como é típico da cidadania) mas numa abertura disponível para a construção social ética e dignificante (como sabemos a lei – pedagógica - não pode ser o centro de tudo, até porque nem tudo o que é legal é ética e dignamente correcto). Nas nossas sociedades, viveremos ainda (ou já) numa mentalidade generalizada em que a preocupação das coisas de cada um é o centro de tudo? E a preocupação comunitária pelo bem de TODOS? Sem esta raiz a comunidade desaparece e a democracia seca… 4. A questão do modelo de desenvolvimento (?) não pode ser lateral, hoje, a todos os processos sociais, da formação/educação à política/gestão económica. O planeta que nos pede que o salvemos ecologicamente propõe-nos que nos salvemos a nós próprios numa abertura humana, sensível e solidária, capaz de reflectir abertamente para redefinir o modelo em que nos temos construído. À desigualdade social que cresce, geradora de profundos desequilíbrios que alastram, torna-se imperioso propor paradigmas de um estilo de vida que não assente no consumo do “ter” mas que revalorize bem mais o “ser”. Neste contexto, em tempos de globalização diária, uma obra de referência de Amartya Sen (prémio nobel da economia 1998), «O Desenvolvimento como Liberdade» (2003, Gradiva), propõe-nos a reflexão sobre o essencial: terá de ser a Liberdade o eixo que determina o desenvolvimento humano e não os euros, os dólares ou as menos claras vontades políticas unilaterais. Que também nas nossas sociedades a liberdade (empenhada por isso responsável no debate, na reflexão para decisões comunitárias) seja o caminho do aprofundamento da nossa própria democracia. Que modelo de desenvolvimento? Estamos disponíveis para mudar a bem de todos? E quem, no panorama mais elevado, nos dá esse generoso exemplo congregador?

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Dia de Portugal

QUANDO É QUE FIGURAS HUMILDES
TAMBÉM SÃO CONDECORADAS?
O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas foi celebrado ontem, com a já conhecida indiferença do nosso povo. Poucos são os que, neste dia, se debruçam sobre a importância destas comemorações, não obstante o Estado, através das suas figuras mais representativas, as promoverem com empenho. O povo, segundo se sabe, olha mais para o dia de descanso, em si, do que para a festa de que é suposto estar-lhe associada. É assim, aliás, com a grande maioria dos feriados nacionais e municipais. Com os dias santos, no entanto, há a componente religiosa e cultual, que ainda vai mobilizando os crentes mais fervorosos. No dia 10 de Junho, o Presidente da República costuma, respeitando a tradição, condecorar algumas personalidades que se distinguiram em várias campos da vida nacional. Umas são bem conhecidas, outras nem tanto. Sentimos sempre que falta por ali alguém que, a nosso ver, merecia a honra da distinção; estranhamos a presença de outros tantos. Este ano foi condecorado o Bispo Emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, pessoa bem conhecida de todos os portugueses, pela forma voluntariosa como ao longo de anos defendeu os interesses dos pobres, dos humildes, dos trabalhadores mais desfavorecidos. Mostrou-se honrado com a condecoração, mas logo acrescentou não ter perdido ainda a esperança de ver, um dia, condecorados “um homem ou mulher anónimos”. Daqueles que, nas nossas comunidades, fazem muito mais do que algumas figuras públicas, digo eu. Fernando Martins

domingo, 10 de junho de 2007

Outras informações, na comunicação social

ARTE E CIÊNCIA, NO PÚBLICO
No segundo caderno do PÚBLICO, P2, há, diariamente, outras informações, para além das habituais notícias. Pequenos textos, é certo, que dizem muito. Logo na página 2, na primeira coluna, podemos ler um qualquer tema, sempre interessante, sobre o nosso património artístico, valiosíssimo, a que normalmente não temos acesso. Muitos de nós, quando viajamos, raramente procuramos os museus, que os há por toda a parte, felizmente. Com estes textos, pode ser que nos habituemos a registá-los, para os vermos, ao vivo, quando passarmos pelas povoações que os acolhem. No PÚBLICO de hoje, por exemplo, podemos ficar a saber que o Busto de Santa Catarina de Alexandria integrava a antiga banqueta, constituída por seis bustos de santos, igual número de tocheiros e um crucifixo, possuindo ainda o museu o de Santo António. O busto de Santa Catarina, da primeira metade do século XVIII, pode ser apreciado no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra. Na página 3 está também, todos os dias, um pequeno escrito de divulgação científica. Desta feita, a jornalista Ana Gerschenfeld revela-nos que, a partir de estudos elaborados no âmbito da ONU, “um batalhão de peritos concluiu que, devido a uma combinação de alterações climáticas e de destruição dos habitats, a sobrevivência de 400 a 900 espécies de aves vai ficar seriamente ameaçada nas próximas décadas”.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 27


A LARANJEIRA
DE SANTA ISABEL



Caríssima/o:


Encontrei esta lenda na sala de aula do professor Saturnino, nas Práticas que faziam parte curricular do Curso do Magistério; após as orientações teóricas dos pedagogos e mestres da Didáctica, íamos para as escolas primárias onde professores devidamente credenciados nos orientavam na leccionação (planos, preparação de material, contacto com os alunos, perfil psicológico e ... a sua maneira de ser e de estar). Creio que muitos de nós seremos capazes de recitar de memória esta saborosa poesia!


«Depois da morte del-rei D. Dinis, sua esposa D. Isabel resolveu ir em peregrinação a Santiago de Compostela. Já o povo lhe chamava Rainha Santa, e acudia aos lugares por onde ela passava, a implorar a sua caridade.
Quando seguia pela estrada de Coimbra ao Porto, entrou D. Isabel numa casa que servia de estalagem, a descansar das fadigas da jornada. Estava lá uma criança cega de nascença, e bastou que a Santa Rainha lhe pusesse a mão na cabeça para que os olhos se lhe abrissem à luz do Sol.
- Real Senhora, como vos hei-de agradecer tamanho milagre? - perguntou a mãe da criancinha.
- Está muito calor! - disse D. Isabel. - Dá-me uma laranja do teu quintal.
Grande foi a confusão da mulher, porque só tinha laranjas azedas; mas, para não desobedecer à Santa, correu a buscá-las.
Ao comer uma, D. Isabel deixou cair no chão uma semente, e desta nasceu uma laranjeira que dava laranjas doces, cada uma das quais trazia junto ao pé as cinco quinas das armas de Portugal.
Nessa terra, chamada Arrifana de Santa Maria, nunca mais se puderam esquecer os milagres da Rainha. A árvore secou há muito; mas toda a gente ainda fala na laranjeira de Santa Isabel.»
[Livro de Leitura da 3.ª Classe, 4.ª edição, 1958, Lello Editores, pg. 54]

Ao recordar os dias tórridos que vivi, calcorreando as calçadas de Coimbra, acode-me esta lenda e vem-me à boca o sumo das laranjas que, ainda crianças, ali no nosso canto, nos vendiam como “laranjas de Mira”. Com este sabor azedo fácil me é imaginar a aflição e a confusão da boa mulher!
E estou convencido que qualquer um de nós gostaria de ir por um olho para fazer uma enxertia de tão maravilhosa laranjeira...
Afinal há lendas que até nos maravilham com o bom e o belo!


Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


REZAR PARA QUÊ?
REPENSAR A ORAÇÃO
DE PETIÇÃO




Não há palavras, diante de pais em choro pela perda de um filho: "Tanto pedimos a Deus que nos salvasse o nosso filho, e ele não nos ouviu!..."
Uma vez, uma senhora ainda jovem, muito doce, a quem a mãe morrera seca com o sofrimento, atirou-me: "Sabe? Às vezes penso que Deus não pode ajudar a todos. São tantos a pedir... Coitadinho!..."
É verdade: Deus não pode ouvir as orações todas nem satisfazer todos os pedidos.
O teólogo Andrés Torres Queiruga disse-o de modo chocante, quase brutal, mas, para o crente reflexivo, verdadeiro. Tomemos como exemplo esta oração: "Para que as crianças de África não morram de fome, oremos ao Senhor." "Objectivamente, uma petição deste tipo implica o seguinte: 1. que nós somos bons e tentamos convencer Deus a sê-lo também; 2. que Deus está passivo enquanto o não convencermos, se formos capazes; 3. que, se, no domingo seguinte, as crianças africanas continuarem a morrer de fome, a consequência lógica é que Deus não nos ouviu nem teve piedade; 4. que Deus, se quisesse, podia solucionar o problema da fome, mas, por um motivo qualquer, não quer fazê-lo." Conclui: "Sem pretendê-lo conscientemente, mas presente na objectividade do que dizemos, estamos a projectar uma imagem monstruosa de Deus: não só ferimos a ternura infinita do seu amor sempre disposto a salvar como, além disso, acabamos por dizer implicitamente algo que não nos atreveríamos a dizer do mais canalha dos humanos."
Quando se reflecte, percebe-se claramente que a chamada oração de petição exige ser repensada. Deus, porque é Força criadora infinita, não intervém de fora, e quem acredita que Deus é Amor não pode estar a implorar-lhe que tenha piedade. Fazê-lo é contradizer-se.
Compreende-se - isso sim - que o crente, na sua dor e frente ao horror do mundo, ore, fazendo perguntas e gritando com Deus. Job, sentindo-se inocente, queria levar Deus a um tribunal que julgasse com independência. Está na Bíblia! Jesus rezou na cruz: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?" E, como sabia o teólogo protestante Dietrich Bonhoeffer, executado pelo nazismo, o crente terá cada vez mais de aprender a "viver diante de Deus e com Deus sem Deus".
Não há Homem religioso que não reze. Mas, como diz o Evangelho, é preciso pedir o que a maior parte das vezes se não quer pedir: o Espírito Santo e a conversão. Na verdade, não se trata de converter Deus à vontade humana e aos seus caprichos, ao seu orgulho e vaidade, à sua avareza e ganância, mas de o Homem se converter ao que Deus quer: simplicidade, capacidade de partilha, humildade, paciência e todas aquelas virtudes que já não estão muito em uso, mas tornam o Homem humano e trazem paz.
Quem não deseja ardentemente estar com o Amor? Rezar é marcar encontro com Deus, Anti-mal e Fundamento de todo o ser - Deus é Presença intimíssima e infinitamente activa em todo o real. Nesse encontro, o Homem faz então a experiência da religação à Fonte criadora e dinamizadora de tudo, reconcilia-se com a finitude e, depois de ter descido ao mais profundo, volta ao quotidiano da vida com esperança e serenidade, aquela serenidade de que fala Santa Teresa de Ávila: "Nada te perturbe. Nada te espante. Tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem Deus nada lhe falta. Só Deus basta."
No entanto, a serenidade não significa passividade nem resignação. Pelo contrário, quem foi ao encontro do Deus que, como diz o Evangelho, mora no oculto, "identifica-se" com ele e com o seu amor e entrega-se ao cuidado da sua obra, a começar por quem mais precisa: o pobre, o escarnecido, o humilhado, o doente, o chicoteado, o velho, o deficiente, qualquer um que sofre. Afinal, é mesmo possível, por exemplo, nós acabarmos com a fome em África!
O Evangelho diz que Deus sabe do que os seres humanos precisam, antes de lho pedirem. Por isso, previne contra o longo palavreado vão de quem reza. Manda é o silêncio e a paz interior, para que ele possa entrar: "Tu, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai."

sábado, 9 de junho de 2007

JACINTA



A MELHOR ARTISTA JOVEM
DE JAZZ DA EUROPA
:

É sempre com muita satisfação que leio notícias e comentários que enaltecem o mérito de pessoas que conheço e admiro. Hoje deu-se o caso de ler que a cantora Jacinta, artista de jazz de larga projecção, foi escolhida por 20 editores europeus da revista Selecções Reader's Digeste como a "melhor artista jovem de jazz" da Europa. Jacinta, de 36 anos, é a única presença portuguesa entre as 27 categorias escolhidas, como "a melhor festa" ou "a melhor arte de rua".
Aqui ficam os meus parabéns para a minha amiga e conterrânea Jacinta, com votos de que continue a progredir na sua carreira profissional e artística.

O drama da Manuela

O ESTADO
É UMA ENTIDADE SEM ALMA
O drama da Manuela Estanqueiro, professora de 63 anos que bem conheci, veio na comunicação social do País. Com leucemia há dois anos, foi obrigada pelas leis portuguesas a regressar ao serviço, para não perder o vínculo que a ligava ao Estado desde que começou a trabalhar. Bem requereu a aposentação por incapacidade, mas a Junta Médica entendeu que ela podia regressar ao trabalho. Acabou por morrer há dias sem poder usufruir da reforma, que, entretanto, e depois dos requerimentos e protestos, o Estado decidiu atribuir-lhe. A Manuela Estanqueiro foi uma lutadora. Sofreu muito na vida, mas arranjou sempre coragem para vencer os obstáculos que se lhe deparavam. Nunca desistiu de lutar, mesmo sabendo que era difícil o caminho que tinha de trilhar. No fim de tanta luta, aconteceu-lhe a leucemia, quando se aproximava o sonho de poder gozar a reforma. Mas as entidades estatais são implacáveis. Apoiando-se no princípio de que a lei é para cumprir, e é normalmente, não conseguem olhar com humanidade para os que sofrem. Tem leucemia? Que importa? Tem de voltar à Escola para leccionar, como se fosse uma gripe. Assim mesmo. Sem contemplações. A crueza do Estado, que devia ser pessoa de bem, mas não é. A frieza de sentimentos do Estado, que não repara no drama dos seus filhos. Filhos que trata com enteados, tantas vezes. Que há portugueses a quem nada falta: pensões de reforma escandalosas, em duplicado ou triplicado, acumulações de rendimentos profissionais com pensões, benesses para uns e o estrito cumprimento da lei para a maioria. Reformas antecipadas para muitos e a obrigação de voltar ao serviço, mesmo para quem sofre de doença que não perdoa. Como aconteceu à Manuela. A família não descarta a ideia de levar o Estado a Tribunal, para que justiça seja feita. A Manuela já não lucrará com isso. Mas pode ser que a desumanidade no Estado acabe de uma vez por todas. Fernando Martins

quinta-feira, 7 de junho de 2007

POBREZA

É CADA VEZ MAIOR O LEQUE
ENTRE QUEM TEM MUITO DINHEIRO
E QUEM NÃO TEM NENHUM
:
“Papa, bispos católicos, Igrejas protestantes, grupos de crentes e missionários. Em uníssono, responsáveis religiosos de várias Igrejas cristãs apelaram, nos últimos dias, a que os líderes do G8 cumpram as promessas de ajuda aos países mais pobres. Ontem, Bento XVI pediu aos políticos reunidos em Heiligendamm (Alemanha) que respeitem o compromisso de apoio ao desenvolvimento, nomeadamente em relação a África.” Assim li no PÚBLICO de hoje, em texto de António Marujo. Há anos que as sociedades democráticas sabem que a pobreza teima em estar no mundo. Nas ditaduras, da esquerda e da direita, essa realidade tem sido ignorada ou escondida. Mas a pobreza, a vários níveis, parece não ter solução à vista. Como parece não ter solução à vista a erradicação das causas que alimentam a fome no mundo. Por mais que economistas, sociólogos, políticos e outros sábios pensem sobre o assunto… Por mais decretos e projectos que avancem sob sua tutela, a verdade é que em Portugal, por exemplo, 20 por cento da população passa fome e sofre as consequências das ditaduras das leis do mercado e do capitalismo selvagens, sem olhos e sem alma para ajudar quem precisa. E ao crescimento, progressivo, do número de pobres, de gente que tem de sobreviver com ordenados e pensões de reforma miseráveis, mostram-se, escandalosamente, os lucros dos bancos e de outras organizações que apenas pensam em gerar mais-valias para os seus cofres. Na África, na Ásia, na América Latina e em muitos países europeus a pobreza alastra, a fome aperta, os indigentes multiplicam-se e os países ricos olham indiferentes para as carruagens dos esfomeados e endividados, neste mundo em que é cada vez maior o leque entre quem tem muito dinheiro e que não tem nenhum.
F.M.

Um artigo de D. António Marcelino

Teremos ainda Portugal
por muito tempo?
O título tem um tom provocatório, mas eu vou justificar. Não digo que esteja para breve o nosso fim de país independente e livre. Mas, pelo andar da carruagem, traduzido em factos e sintomas, a doença é grave e pode levar a uma morte evitável. Aliás, já por aí não falta gente a lamentar a restauração de 1640 e a dizer que é um erro teimarmos numa península ibérica dividida. De igual modo, falar-se de identidade nacional e de valores tradicionais faz rir intelectuais da última hora e políticos de ocasião. O espaço nacional parece tornar-se mais lugar de interesses, que de ideais e compromissos. Há notícias publicadas a que devemos prestar atenção. Por exemplo: um terço das empresas portuguesas já é pertença de estrangeiros; 60% dos casais do país têm apenas um filho; vão fechar mais cerca de mil escolas ou de mil e trezentas, como dizem outras fontes; nas provas de língua portuguesa dos alunos do básico, os erros de ortografia não contam; o ensino da história pouco interessa, porque o importante é olhar para a frente e não perder tempo com o passado; a natalidade continua a descer e, por este andar, depressa baterá no fundo; não há nem apoios nem estímulos do Estado para quem quer gerar novas vidas, mas não faltam para quem quiser matar vidas já geradas; a família consistente está de passagem e filhos e pais idosos já não são preocupação a ter em conta, porque mais interessa o sucesso profissional; normas e critérios para fazer novas leis têm de vir da Europa caduca, porque dela vem a luz; a emigração continua, porque a vida cá dentro para quem trabalha é cada vez mais difícil; os que estão fora negam-se a mandar divisas, por não acreditarem na segurança das mesmas; os investigadores mais jovens e de mérito reconhecido saem do país e não reentram, porque não vêem futuro aqui; a classe média vai desaparecer, dizem os técnicos da economia e da sociologia, uma vez que o inevitável é haver só ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres; os políticos ocupam-se e divertem-se com coisas de somenos; e já se diz, à boca cheia, que o tempo dos partidos passou, porque, devido às suas contradições, ninguém os toma a sério; a participação cívica do povo é cada vez mais reduzida e mais se manifesta em formas de protesto, porque os seus procuradores oficiais se arvoram, com frequência, em seus donos e donos do país e fazedores de verdades dúbias; programa-se um açaime dourado para os meios de comunicação social; isolam-se as pessoas corajosas e livres, entra-se numa linguagem duvidosa, surgem mais clubes de influência, antecipam-se medidas de satisfação e de benefício pessoal… Não é assim, porventura, que se acelera a morte do país, quer por asfixia consciente, quer por limitação de horizontes de vida? É verdade que muitos destes problemas e de outros existentes podem dispor de várias leituras a cruzar-se na sua apreciação e solução. Mais uma razão para não serem lidos e equacionados apenas por alguns iluminados, mas que se sujeitem ao diálogo das razões e dos sentimentos, porque tudo isto conta na sua apreciação e procura de resposta.
Há muitos cidadãos normais, famílias normais, jovens normais. Muita gente viva e não contaminada por este ambiente pouco favorável à esperança. Mas terão todos ainda força para resistir e contrariar um processo doentio, de que não se vê remédio nem controle?
Preocupa-me ver gente válida, mas desiludida, a cruzar os braços; povo simples a fechar a boca, quando se lhe dá por favor o que lhes pertence por justiça; jovens à deriva e alienados por interesses e emoções de momento, que lhes cortam as asas de um futuro desejável; o anedótico dos cafés e das tertúlias vazias, a sobrepor-se ao tempo da reflexão e da partilha, necessário e urgente, para salvar o essencial e romper caminhos novos indispensáveis. Se o difícil cede o lugar ao impossível e os braços caem, só ficam favorecidos aqueles a quem interessa um povo alienado ao qual basta pão e futebol…
Mas não é o compromisso de todos e a esperança activa que dão alma a um povo?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Um livro de João Alberto Roque

Para pais e crianças







“PIRILAMPO E OS DEVERES DA ESCOLA”




O meu amigo e conterrâneo João Alberto Roque ganhou, há bas-tante tempo, como aqui referi na altura, o primeiro prémio do V Concurso Literário da Trofa – Conto Infantil, que teve por patrona Matilde Rosa Araújo. Trata-se de um conto, agora publicado, que enaltece a importância dos estímulos na formação das nossas crianças.
João Alberto Roque escreve há muito, tendo as gavetas do disco duro do seu computador “cheias de papéis”, sobretudo poesia e contos, como se diz na sua biografia inserida nesta primeira edição de “Pirilampo e os deveres da escola”, da responsabilidade da Inovação à Leitura – Edição e Comércio de Publicações, Lda. As ilustrações são de Helena Zália.
Vou abster-me de contar a estória do David, que li num ápice. Porém, quero sublinhar que todos os pais deviam conhecê-la, para então aplicarem, o que for de aplicar, na educação dos seus filhos, regras tão simples, mas tão esquecidas. Digo mais: a estória ainda se apoia em conceitos pedagógicos, ou não seja o autor um professor da Escola Secundária da Gafanha da Nazaré, com larga experiência no ensino.
António Torrado, Armandina Maia, Matilde Rosa Araújo e Viale Moutinho, que integraram o júri que atribuiu a João Alberto Roque o primeiro lugar no concurso organizado pela Câmara Municipal da Trofa, apadrinharam esta estreia literária deste meu amigo e conterrâneo.
Com os meus parabéns, aqui deixo o desejo de que outras obras nos continuem a mostrar as reais capacidades literárias deste escritor da Gafanha da Nazaré.

Fernando Martins

Um artigo de Alexandre Cruz

Os (con)trastes da realidade global
1. Na era da informação global que vivemos, somos bombardeados continuamente com informação de alguma da muita realidade que se constrói cada momento. Para o melhor e para o prior, a inevitabilidade feita obrigação de convivermos com as notícias diárias mostra-nos o abismo existente entre a grandeza heróica da humanidade que vive e cria maravilhas e a miséria cruel e desumana que se julgava impossível. A amálgama noticiosa gerida em preciosos segundos espelha, por si mesma, os gritantes contrastes do mundo da realidade. Quando depois de uma notícia sobre o futebol dos milhões vem uma outra que mostra a pior miséria de Darfur, que sentir? Ou quando depois das vedetas da canção vem a reportagem das crianças raptadas, exploradas e tratadas como…, que pensar e como viver? 2. As próprias estradas da informação electrónica estão cheias dos já famosos números trágicos que, entre tantas imagens sensibilizantes e chocantes colocam de um lado as crianças americanas obesas de gordos hambúrgueres e, do outro, as famintas crianças da Somália que nos comovem com seu inocente e suplicante olhar. Que fazer, quando a vida diária tem de seguir o seu percurso normal? Será que, no hábito de tanto ver, vamos perdendo a sensibilidade e abdicando do compromisso diário em fazer o melhor possível? A era, a que chamamos da informação global, está aí a mostrar-nos tudo; sem meias palavras nem meias imagens, vamo-nos habituando a ver tudo, mesmo os maiores contrastes (e trastes) de um mundo que, a partir de cada pessoa e cada instituição, com tanto proclamado “conhecimento” teria de ser bem melhor. 3. Como sublinha o sociólogo Alain Touraine (na sua interessante obra Iguais e Diferentes. Poderemos viver juntos? Piaget, 1998), no âmbito desta influência que gera opinião pública mundial, «os meios de comunicação ocupam um espaço crescente na nossa vida e, dentre eles, a televisão conquistou um lugar central porque põe mais directamente em relação a vivência mais privada com a realidade mais global, a emoção face ao sofrimento ou à alegria de um ser humano com as técnicas científicas mais avançadas.» Todos, consciente ou inconscientemente, estamos a ser moldados com os valores e limites do poder das comunicações; com a força e velocidade da “imagem”, que vai substituindo a serenidade e o conteúdo da “mensagem”, somos menos livres que o que pensamos, e a forma de fazer sobreviver a “liberdade” exigirá uma síntese existencial de quem faz “opção” clara pelo Ideal, pelo Valor, pela Qualidade de Ser. 4. Nesta novo contexto em que todo o Mundo entra pela Pessoa, pela Família, pela Escola, pela Instituição que se não se agiliza perde-se excessivamente no seu peso formal, trata-se, como diz Touraine, de uma nova «relação directa que elimina as mediações entre o indivíduo e a humanidade e corre o risco, ao descontextualizar as mensagens, de participar activamente no movimento geral de dissocialização. A emoção que todos sentimos das imagens de guerra, de desporto ou de acção humanitária, não se transforma em motivações e em tomadas de posição. Não somos muito mais comprometidos quando vemos os dramas do mundo que quando vemos a violência no cinema ou na televisão.» 5. Será que de tanta abundância no Ver (as graças e desgraças do mundo) vamos ficando existencialmente indiferentes? Até onde nos levará este mundo que entra por nós dentro e nos deixa demasiadamente pequenos para tantos desafios inadiáveis? Quando o espírito de decisão política se revestirá mais de um sentido de humanidade generoso para ser possível a salvação do planeta? Que dirão os números desumanos dos contrastes ao G8? Convivem pacificamente com o seu lauto e supérfluo banquete enquanto vêm as imagens da magreza que muitas vezes eles próprios por conveniência geoeconómica fazem persistir? Neste tempo global os grandes decisores políticos mundiais fazem persistir o escândalo gritante da desumanidade, esta que produz a desigualdade crescente…e nem ainda sequer a vontade política ecológica triunfa para haver futuro sustentável. Mas estamos também nós dispostos a mudar os hábitos? Andaremos distraídos, esquecendo que ao permitir o semear de ventos as tempestades serão a nossa própria dramática colheita?! 6. Soa a passividade indiferente o manter de equilíbrios estratégicos e diplomáticos enquanto a fome de pão e a sede de água e de dignidade humana (a par do problema ambiental) dizimam milhões de pessoas como nós, facto que interpela cabalmente os países mais ricos (à custa dos pobres) e as instâncias universais da ONU e os seus/nossos (já perdidos?) Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Sendo verdade que muitíssimo caminho louvável já está percorrido, o certo é que a visão dependerá grandemente dos óculos que se queira pôr: aos grandes olhos superficiais de um diplomata ocidental, que todos os dias tem pão e água, vamos andando e adiando; aos magros olhos de que sofre na pela a tragédia, vamos sobrevivendo até a desespero final, onde já não há força para gritar até porque ninguém ouve. 7. Um NOVO REALISMO, diante destes contrastes alarmantes, precisa-se; todo este mundo que hoje entra pelas Pessoas, Escolas, Famílias e Trabalho dentro merecerá ser acolhido, estudado e vivido na busca clara e inequívoca de todos envolver na procura rigorosa de um ideal comum; a este chamaríamos uma EDUCAÇÃO HUMANITÁRIA. É essencial cada criança habituar-se e cada pessoa saber do valor apreciável de uma gota de água do outro lado do mundo (que está ali) para dar valor a cada copo de água fresca e crescer numa consciência de humanidade que saiba partilhar! Sim, qual o Valor da água? É pelas coisas simples que vamos!...

terça-feira, 5 de junho de 2007

Dia Mundial do Ambiente

POUCAS PALAVRAS E MAIS IMAGENS


Para falar do ambiente, hoje optei por mostrar paisagens e pormenores da Serra da Boa Viagem, na Figueira da Foz. É uma opção para evitar as palavras, quantas vezes cheias de lugares-comuns. Apreciem e digam se não vale a pena preservar esta serra, com todos os seus encantos. Visitei-a no domingo e recomendo-a.

























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MANOEL DE OLIVEIRA



Cinema: o meu amigo Manoel



Entre os meus amigos conta-se Manoel de Oliveira, um cineasta a que ninguém fica indiferente. Conhecido por muitos como autor de obras extensas e difíceis de acompanhar é, sobretudo, um realizador multifacetado, que tem percorrido os mais diversos géneros, trabalhado narrativas em diferentes ritmos e revelando sempre uma enorme competência cinematográfica.
Começou com "Doura Faina Fluvial", em 1930, seguindo-se diversas curtas metragens até 1942, data da sua primeira longa bem famosa, "Aniki Bobó". Nos vinte anos seguintes apenas um par de curtas metragens, uma das quais, "O Pão", em duas versões. A partir de 1962 a sua carreira intensifica-se progressivamente, até criar o espantoso ritmo de um filme por ano, que desde os anos 80 caracteriza a sua carreira.
Para além do drama "Vale Abraão" - como vários outros dos seus filmes tomando por base Agustina Bessa Luís e um dos seus trabalhos mais cotados - passou pela comédia, como "A Caixa", a reconstituição histórica e o romance e, também, por apontamentos até certo ponto autobiográficos como "Viagem ao Princípio do Mundo" e "Porto da Minha Infância", este último com uma vertente humorística muito considerável e em que retoma o trabalho de actor, que preencheu o início da sua carreira e "meio papel" em "A Divina Comédia", substituindo Ruy Furtado que morreu antes do filme terminado deixando muitas sequências em aberto.
A desconfiança do público português levou muito tempo a ser dissolvida. "Aniki-Bobó" vinha de uma época distante e filmes excelentes, como "Francisca" ou "O Sapato de Cetim" não eram de leitura fácil para a generalidade do público. Primeiro em França, depois em outros países (incluindo os Estados Unidos) o génio criador de Oliveira começou a ser reconhecido e divulgado, o que tornou inevitável o despertar mais forte do público português, sobretudo o mais cinéfilo. O nível de divulgação foi aumentando, sem nunca atingir a dimensão merecida. Mas mesmo para quem põe reservas ao autor e ao seu estilo Manoel de Oliveira é hoje unanimemente considerado o melhor cineasta português e, acrescente-se, o mais produtivo.

Francisco Perestrello
:
Manoel de Oliveira recebe o Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes de 2007

Um artigo de António Rego


OS NOMES E AS RAÍZES



Os títulos e as embalagens são muito práticos. Em poucas palavras e imagens contam-nos tudo o que está dentro. Mas quando abrimos, vemos que a realidade é mais complexa. E que um título num jornal ou revista não passa muitas vezes dum engodo, buraco de fechadura para se espreitar o que está escondido.
Muito do que se diz sobre a Europa padece deste olhar parcelar e velado acerca duma realidade milenar com uma densidade estonteante de culturas, civilizações, fenómenos políticos e sociais, revoluções, guerras e tratados, mortes e reencontros num grande compêndio de história.
Muitas vezes a Europa é reduzida, maltratada, ofendida mesmo, nas grandes correntes que gerou e no protagonismo com que se posicionou perante povos e civilizações.
Vivemos uma época privilegiada, de paz, de procura duma Comunidade mais que económica, duma aproximação dos países mais pobres, duma convergência gerada por um espírito que foi “gestado” na civilização cristã em valores que têm outros nomes mas a mesma raiz evangélica.
O que se passa com a Europa passa-se com outros sectores do nosso tempo: um mundo laico foi aprendendo e dizendo novos vocábulos e por vezes esquecendo a sua raiz e o espírito que a gerou.
Vem tudo isto a propósito dum documento de invulgar lucidez elaborado por um “comité de sábios” para os Bispos da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia. Trata-se dum verdadeiro “dicionário de sinónimos” entre os valores cristãos ou, se se quiser, a dimensão ética da União Europeia neles assente. Falar de paz, tolerância, subsidiariedade, liberdade, responsabilidade, é dizer o Evangelho num formulário moderno. Talvez, por isso, não valha a pena definir o Tratado da União, apenas pelo título ou pelo primeiro parágrafo.

CUFC celebra 20 anos de existência

Festa no CUFC. Foto do meu arquivo

PRESENÇA DA IGREJA
NO MUNDO UNIVERSITÁRIO




O Centro Universitário Fé e Cultura (CUFC) da diocese de Aveiro celebra 20 anos de existência. Foram "duas décadas intensas", afirma à Agência ECCLESIA o actual director, Padre Alexandre Cruz. O CUFC tem sido a referência e a presença da Igreja.
Numa progressiva abertura à comunidade local, o CUFC tem uma linha de actuação situada no âmbito eclesial. "É a presença do religioso na Universidade" – salienta o director. E acrescenta: "O religioso construído e alicerçado no humano." O espírito do CUFC está presente em Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné, Timor e Brasil, onde a língua portuguesa e a cooperação entre instituições proporciona o acolhimento em Aveiro de jovens vindos destes países da CPLP.
A missão das ciências reside na "construção de um mundo novo" que atinge "a plenitude e o sentido ideal com a fé" – sublinha o Padre Alexandre Cruz. Neste diálogo aberto, criativo e dinâmico, as "células vivas terão que ser grupos de desenvolvimentos".
São diversas as mensagens de parabéns que "nos chegam de alguns destes países, de jovens universitários que sentiram esta casa como sua" e, agora, estão nos seus países a lutar por um futuro melhor. De norte a sul, do litoral ao interior de Portugal, dos programas de mobilidade académica de universidades europeias (Erasmus), e de outros programas que "trazem até nós estudantes da Ásia ou das Américas, nem que tenha sido numa simples Ceia de Natal (a 24 de Dezembro, em co-organização com os Serviços de Acção Social da UA, com cerca de oitenta/noventa estudantes de todo o mundo), o calor humano e o aconchego proporcionado é lembrado como sinal de esperança numa humanidade nova, fazendo do Centro uma plataforma contínua de "vai e vem", de enriquecimento entre todos".

Leia mais em Ecclesia

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Igreja e cultura




Igreja procura
relevância
na vida cultural
:




Assumir a presença na cultura contemporânea, como portadora de valores específicos e relevantes, é um dos maiores desafios que se coloca à Igreja Católica no nosso país. A conclusão brota da III Jornadas Nacionais da Pastoral da Cultura, que decorreram em Fátima.
D. Manuel Clemente, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais (CECBCCS), refere ao Programa ECCLESIA que "há expectativas muito positivas da parte da cultura em relação à Igreja e talvez a mais importante seja a que a Igreja possa representar, no espaço da cultura, uma presença que sinaliza as preocupações e os valores mais ligados à humanidade e à pessoas humana".
Perante esta "expectativa tão positiva" da cultura contemporânea, é essencial que a Igreja não se limite a acções esporádicas, mas apresente uma continuidade de actividades que "levem a Igreja a ter uma inscrição, uma presença na cultura contemporânea e seja verdadeiramente fecunda".
Cada Diocese foi convidada, nas Jornadas, a "organizar locais onde as pessoas se encontrem como convivência e como fermentação de uma cultura propriamente evangélica”.
A iniciativa, segundo o Bispo do Porto, serviu para "vermos naquilo que estamos a fazer o que é realmente prioritário".
"Há muita gente se interroga ao nível propriamente cultural sobre a vida, sobre o acontecer português e não só português na actualidade e que com essa interrogação há muita gente a querer progredir quer no campo confessional quer para além dele", apontou.
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Foto: D. Manuel Clemente


Fonte: Ecclesia

Um poema de João de Barros

Monumento a João de Barros na Figueira da Foz


AQUELE MAR

Aquele mar da minha infância,
bom camarada e meu irmão
a sua voz, o seu olor, sua fragrância
tanto os ouvi e respirei
que trago em mim o seu largo ritmo,
seu ritmo forte,
como se as praias onde espuma
quase me fossem
praias sem fim dentro de mim
ocultas praias, largas praias
do tumultuoso coração…
Aquele mar
meu confidente de horas idas
tudo escutava e adivinhava
do meu pueril e ingénuo anseio.
Nada sonhei que o não dissesse
– frémito de alma, grito ou prece –,
às madrugadas e aos poentes,
ao sol, às nuvens, ao luar,
ora nascendo, ora morrendo
nos longos, longos horizontes
em que se perdia o meu olhar…
Aquele mar
na calma azul, no temporal,
nunca mentia: era um só beijo,
hálito puro, largo harpejo
que me entendia e respondia
no seu inquieto marulhar…
Moço e menino, solitário,
rochas, falésias, areais
eu coroava-os de alegria
nos meus passeios matinais.
Ou nalgum barco pescador,
velas abrindo a todo o pano,
do oceano então era senhor,
largava a escota, navegava,
no vão desejo de aventuras,
que não chegava a realizar…
Mas era meu, e eu pertencia-lhe,
àquele mar,
era seu filho, escravo e dono,
sorria à sua Primavera,
amava a luz do seu Outono,
o vivo lume dos estios
a violência dos Invernos
longos clamores de temporais.
Aflito voo das gaivotas
junto das negras penedias,
também como ele me perdias,
nas tardes tristes e sombrias,
na bruma gélida das noites…
E a eternidade então ouvia
humano sonho sempre esquecido
na eterna voz que fala o mar.


NOTA: Edição de “Mar Alto” – Figueira da Foz,
1 de Junho de 1969, no dia da Festa da Cidade ao poeta.

Ares da Primavera



A PEIXEIRA DE BUARCOS

Correndo airosa e ligeira
Deixa música no ar…
Que o pregão desta peixeira
É Buarcos a cantar

Maio de 1966

Nota: Visitar uma terra, por mais simples que ela seja, exige de nós um olhar especial sobre os monumentos. Eles retratam o quotidiano histórico ou presente da vida das pessoas.


Regresso

Aqui estou de novo, no espaço habitual, com votos de bom trabalho para todos. E também de muita saúde e de mais optimismo, que a vida não vale lamúrias.
Fernando Martins

sexta-feira, 1 de junho de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 26

O MILAGRE DAS ROSAS
Caríssima/o:
Por vezes, fica-nos apenas um rosto; ou então, um nome; de outras, nem isso, apenas o perfil de uma rua. Não é o caso aqui: em Coimbra, há nomes, rostos, ruas e até pedras que não mais esqueci... Quereis ver? A rua onde vivi os dois anos durante os quais fiz o meu curso, no Magistério, chama-se (ainda hoje) Couraça dos Apóstolos. Perto da Porta Férrea, da Cabra, do Museu Machado de Castro e também do Museu de História Natural; um pouco acima ficava uma República. As sés, a Velha e a Nova, a dois passos. E podíamos ir descendo ou para o Jardim Botânico, ou para Santa Cruz, ou para o Penedo da Saudade. Quem viveu em Coimbra não terá dificuldade em reviver esses caminhos e tantos outros onde gastámos as solas dos nossos sapatos; os que não tiveram essa sorte, até perguntarão pelo Choupal, Santa Clara, ... A cidade ainda é dos «doutores», principalmente, em tempo de «queima»... Mas em Coimbra encontra-se, em cada esquina, a figura da Rainha Santa que une os corações nas Festas da Cidade que têm o seu dia grande a 4 de Julho.
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«Correndo Janeiro, reconstruía-se o mosteiro de Santa Clara à conta da rainha D. Isabel de Aragão. Para além de custear as despesas, ela também obviava situações desgraçadas entre as famílias dos operários e dos que moravam naquela margem do Mondego. Rio manso, o Mondego, entrando o inverno, destruía quanto havia nas suas margens. Só conventos foram três ou quatro. Porém, a generosidade da rainha não era do agrado de alguns cortesãos de D. Dinis. A corte de Coimbra ficava cara e aquelas dádivas repercutiam-se no erário régio. Assim, nesse mesmo mês, um fidalgo dirigiu-se ao rei-poeta e começou com rodeios, tencionando dizer-lhe algo. O rei sacudiu-o para que falasse e ele pôs a situação em pratos limpos: a rainha gastava acima das possibilidades, pelo que importava que D. Dinis tomasse uma atitude. Enfurecido, D. Dinis mandou sair o seu cortesão e pensou no que fazer. Porém, antes do mais, reconheceu-lhe razão. Assim, passados dias, apercebendo-se que D. Isabel saíra do palácio, foi ao seu encontro. A esposa de D. Dinis ia acompanhada das suas damas e cavaleiros. Quanto tinha para distribuir o levava embrulhado no seu manto, preso ao regaço. Quando a rainha viu o marido, empalideceu e todo o seu séquito se retraiu, pois conheciam-lhe as cóleras. O que se passou naquele instante podemos ir sabê-lo em verso recorrendo a um testemunho real, eis os versos de Afonso Lopes Vieira: - Que levais aí, Senhora, Nesse regaço tamanho? - Eu levo cravos e rosas Que outras coisas não tenho! - Nem sequer há maravilhas, Menos cravos em Janeiro, Ou serão esmolas isso? Ou isso será dinheiro? A rainha não falou Só o regaço abriu E eram cravos e rosas Que dinheiro não se viu.

E o romance acaba assim:
A nossa Rainha Santa Outros milagres obrou: A uma cega deu vista, E outra, muda, falou. Outra que não tinha leite O seu filho aleitou. E com tamanhos milagres Santa bem santa ficou.» [Viale Moutinho, 79]
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Ainda hoje, mesmo longe de Coimbra, perdura o encantamento desta Rainha! Manuel
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NOTA: Aqui fica o TECENDO A VIDA... por dificuldades de encontrar Net disponível no domingo.

Dia da Criança – 1 de Junho


O MELHOR DO MUNDO
SÃO AS CRIANÇAS


O melhor do mundo são as crianças. Diz Fernando Pessoa e tem razão...


Quem não vê, nos seus olhos, o espelho do céu?
Quem não vê, nos seus sorrisos, a alegria de Deus?
Quem não vê, nas suas ingenuidades, a pureza do mundo?
Quem não vê, nas suas ternuras, o amor universal?
Quem não vê, nos seus silêncios, a paz entre os homens?
Quem não vê, nos seus cantares, a arte pura?
Quem não vê, nas suas tagarelices, a beleza da descoberta?
Quem não vê, nas suas correrias, a ânsia de sonhar?
Quem não vê, nas suas tristezas, a tristeza de tantos?
Quem não vê, nas suas felicidades, a felicidade que podemos dar?

Fernando Martins




NESTE DIA NÃO PODEMOS IGNORAR



Neste dia, e sempre, não podemos, no entanto, ignorar o sofrimento atroz de tantas crianças no mundo. Neste mundo com tantas coisas boas, mas também com tantas coisas más.
Se é verdade que o melhor do mundo são as crianças, como podemos olhar com indiferença tanta maldade que se exerce sobre elas? Tarados sexuais que as violam ou delas abusam sexualmente, sistematicamente; tarados que as exploram em acções ignóbeis de pornografia; tarados que as raptam aos seus familiares para alimentarem crimes hediondos praticados por redes pedófilas.
O mundo está cheio de crimes desses, que ultrapassam o pensar de gente de bem, gente que tem dificuldades em admitir que há no mundo pessoas tão perversas. Mas há.
Como a comunicação social no último mês tem divulgado profusamente, a propósito do caso da menina inglesa Madeleine, raptada no Algarve, há um sem-número de crianças em todo o mundo vítimas desses criminosos, que a Justiça não tem conseguido prender.
Este drama, que abalou o mundo civilizado, mereceu já do Papa uma atenção especial, ao receber, por curtos momentos, os pais daquela criança, símbolo de todas as outras, menos faladas, que foram apanhadas pelas garras diabólicas de criminosos à solta.
Importa, antes do mais, estar atentos, vigiando as crianças que nos estão próximas, para se evitarem situações terrivelmente dolorosas vividas por tantas famílias e amigos.
Mas a infelicidade das crianças não está somente nas que são raptadas. Está também nas que são violadas nas próprias famílias, por amigos e conhecidos, por vizinhos e desconhecidos. Ainda está nas que são escravizadas no mundo do trabalho, obrigadas a desempenharem tarefas próprias de adultos e sem tempo para serem meninos e meninas felizes, nas escolas e nas suas brincadeiras, nos parques infantis e na natureza, na família e nos ambientes especiais para as suas idades.
Que neste dia, Dia da Criança, todos saibamos olhar, com outros olhos, as crianças felizes e as crianças infelizes. Para contemplarmos as primeiras e ajudarmos as segundas. São os meus votos.

Fernando Martins

Sé de Aveiro vai entrar em obras



TRABALHOS ARRANCAM EM SETEMBRO


Quem frequenta a Sé de Aveiro sabe que as obras de restauro e conservação estão a tornar-se urgentes. O tempo não deixa de agir e quanto mais se demorar pior será.
Pela comunicação social já se sabe que os trabalhos vão iniciar-se em Setembro, incidindo no exterior do imóvel, que vem do século XV. A autarquia aveirense aprovou o projecto desta primeira fase, que importará em cerca de 300 mil euros. A segunda fase, que envolve trabalhos ao nível da azulejaria, pedra e talha dourada, fica adiada para depois.
Para a primeira fase, espera-se a comparticipação do Programa Operacional de Cultura, pelo que vai avançar-se com a respectiva candidatura. Para a segunda fase, conta-se com o apoio do Ippar (Instituto Português do Património Arquitectónico).
Como é compreensível, a paróquia da Glória, responsável pela Sé de Aveiro, espera a cooperação de todos os aveirenses e de quantos, mesmo não sendo de Aveiro (cidade), sentem a Sé como sua também, ou não estivesse nela a cátedra do Bispo diocesano.
Templo originário do século XV, em 1835 passou a ser a igreja matriz da paróquia da Glória. Com a restauração da Diocese de Aveiro, em 1938, o Papa elevou-a a Catedral da Diocese, sendo Bispo D. João Evangelista de Lima Vidal
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Plano Nacional de Leitura

TODOS PRECISAMOS
DE LER MAIS
O Plano Nacional de Leitura (PNL) completou ontem um ano. Liderado pela escritora e professora Isabel Alçada, conseguiu pôr um milhão de crianças a ler diariamente nas salas de aula, desde o ensino pré-escolar ao 2º ciclo. O projecto vai continuar, porque os jovens de outros graus de ensino também precisam de ser iniciados no gosto pela leitura. Jovens e menos jovens, porque todos precisamos de ler mais. É óbvio que nada disto seria nem será possível sem o contributo dos professores e da sociedade civil em geral, mas também sem o apoio das autarquias e demais instituições vocacionadas para a cultura. Penso que Isabel Alçada podia e devia descobrir animadores para todas as acções do PNL, devidamente credenciados. Animadores que, fundamentalmente, tivesses o prazer da leitura. Não acredito que alguém, sem hábitos de leitura, possa entusiasmar as nossas crianças e jovens pelo amor aos livros, pelo amor aos ensinos que os livros proporcionam. É um absurdo responsabilizar professores, por exemplo, para estas tarefas, se eles próprios não tiverem o costume de ler com regularidade. O PNL pretende colocar os níveis de literacia da população portuguesa a par da média europeia. Não será tarefa fácil, já que os portugueses são dos que menos lêem na UE. Mas não será impossível, se para tanto todos apostarmos em sensibilizar quantos nos rodeiam para o amor aos livros e à leitura.

MISSÕES

Almoço pelas Missões em Aveiro
A ORBIS, entidade de voluntariado missionário da diocese de Aveiro, promoveu no um almoço de confraternização e angariação de fundos. Mais de 250 pessoas estiveram na Quinta das Azenhas do Boco, em Vagos, e as receitas recolhidas reverterão para os projectos da organização. A associação vai lançar brevemente o seu website, através do qual será possível conhecer mais sobre a ORBIS - www.orbiscooperation.org Esta é uma Associação de vocação eminentemente humanitária para a Cooperação e o Desenvolvimento, que surge do crescimento do voluntariado missionário dinamizado pelo Secretariado Diocesano de Animação Missionária, na Diocese de Aveiro. A sua missão é realizada através dos seus membros e dos projectos que promove com competência junto das populações dos denominados países menos desenvolvidos, em especial, mas não em exclusividade, os países de expressão portuguesa. Fonte: Ecclesia

Um artigo de D. António Marcelino

ESTADO A MAIS
OU ESTADO A MENOS?
A ninguém, se anda com os pés no chão e está atento ao que se passa à sua volta, lhe passa despercebida a dificuldade de se exercer hoje a autoridade, em qualquer domínio da vida. Na família, na escola, na Igreja, na rua, no quartel, na autarquia, nos diversos órgãos do Estado de direito, o problema é sempre o mesmo: ânsia de liberdade sem limites, dificuldade em aceitar a mínima advertência, disputa em que cada um se afirma mais do que o outro, jogo de influências para conseguir o que se pretende, campanhas a perturbar os horizontes da sensatez, reacção imediata a quem quer que mande… Há, porém, sectores de autoridade mais decisivos nas relações sociais e maior influência nos comportamentos, nos ambientes em que se vive e na procura de melhor solução para os males de que todos se vão queixando. Não se pode negar que o modo como o Estado exerce a autoridade é importante para que, na vida em sociedade, as coisas se passem de modo positivo e construtivo. É pacífico julgar-se que o modo de agir público dos que fazem as leis, governam e julgam, constitua escola dos cidadãos. No espírito de gente responsável, ante problemas públicos que se avolumam com gravidade, basta abrir o jornal para o ver, surge a interrogação, pertinente e insistente, se temos, em Portugal, Estado a mais ou Estado a menos. Também partilho desta preocupação. Por isso mesmo, não me esquivo a opinar. No meu entender é ainda mais grave verificar que, em alguns aspectos da vida nacional, temos Estado a mais, e noutros, visivelmente, Estado a menos. A tentação clara de um poder centralizador, omnisciente e omnipotente, de pendor providencialista, que não admite críticas nem opiniões contrárias, nem dá razão do que faz e, por motivos próprios ou por pressões alheias, se fecha, para solucionar sozinho problemas em campo, calando ou ignorando possibilidades democráticas, existentes e legítimas, é uma manifestação evidente de Estado a mais.. Ora, esta atitude de sobranceria sente-se tanto no poder legislativo, como no executivo. Os males do judicial, que também não são poucos, andam por outros caminhos. Parece necessário a quem exerce o poder, dispor-se a frequentar um curso de ética social e política. Assim terá sempre no horizonte das suas acções e decisões, o bem comum com as suas exigências, como objectivo fundamental. Este bem não é a soma dos bens individuais e, muito menos, o atrelar de todos os cidadãos às soluções pensadas e decididas só para alguns. Reconhecer e garantir os direitos individuais, um dever do poder legislativo, não pode ter como caminho a subversão de instituições que constituem o tecido consistente de uma coesão social necessária. De modo mais claro: leis sobre o reconhecimento e protecção legal de opções homossexuais não é aceitável fazerem-se à custa da desvalorização e da destruição da família natural; protecção às mães que não querem nascidos os filhos que geraram, não é admissível que se faça em total ruptura com o direito à vida de um ser humano indefeso e já gerado; proporcionar educação pré-escolar gratuita a todas as crianças do país, um dever do Estado, não se admite que se marginalizem instituições particulares existentes ou negando-lhe o direito de serem consideradas ensino público gratuito, enriquecedor do sistema educativo. Os exemplos podem multiplicar-se. Haja clarividência no dever de servir a todos, sem ignorar, nem marginalizar a maior parte. As famílias normais, a maioria no nosso país, são agredidas e prejudicadas na sua missão e estabilidade, com resultados negativos à vista, por leis que já existem e por falta de outras que as respeitem. Estado a mais ou a menos é sempre carência de Estado. Não responde ao dever de servir, empobrece a comunidade, dá mau exemplo no exercício da autoridade, divide em vez de unir, torna-se obsessivo, em vez de reflexivo. Bom para alguns, mas mau para todos.