domingo, 17 de dezembro de 2006

NATAL - 9

DEUS EM PESSOA
Não se trata duma luz enigmática do transcendente nem duma experiência mística, nem duma descoberta metafísica, nem duma pista sobre o relógio mágico do universo, perfeito ou cego nas suas evoluções. Nem sequer dum eureka resultante de aglomerados culturais, camadas de visões ou sequência precipitada de feitiços. Tudo isso seria interessante a recordar aos mortais que algo existe para além do imediato ou que uma lógica sublime esconde inteligências mil - ou uma inteligência infinita - por detrás dos absurdos que tecem tantos andamentos da história dos homens. E, possivelmente, ficaríamos filosoficamente tranquilos, por um ser inacessível nos vigiar, uma inteligência maior confortar a nossa estreiteza e, quem sabe, um confortável sentido último daria tranquilidade aos ventos cruzados que desnorteiam as nossas trémulas bússolas. Os deuses do Olimpo lá tinham os seus entretenimentos, afectos e fúrias para além das nuvens - mas não muito para além. Não obstante alguma proximidade da sua mesquinhez, os crentes sabiam do desamor arrogante que eles alimentavam pela humanidade. Os seus afazeres, ainda que assumidos como mitologia, nada tinham a ver com a realidade humana. Serviam para divertimento de divindades que afinal, em ponto maior, apenas cultivavam fraquezas humanas. Foram inspiradores de poetas, músicos e pintores. Mas sempre se mantiveram suspensos das suas próprias tramas, só se deixando ver nas tempestades furibundas que aterrorizavam os mortais. A revelação de Deus, desde o Sinai, trouxe um envolvimento na história do homem. Como pessoa e como povo. Nada lhe ficou estranho ou alheio. E o homem habituou-se a não dar um passo no tempo sem o relacionar com os passos de Deus. Mas foi a vinda de Jesus que vestiu Deus da nossa carne, assemelhando-o em tudo a nós excepto no mal. Antes, para dele nos livrar. E esse mistério torna-se particularmente visível no Natal. No anúncio feito a Maria, nas dúvidas de José, na intervenção de João Baptista, na aproximação a Belém, no nascimento, no presépio, nos magos. Foi Deus que chegou. Deus em pessoa. Bem diferente dum transcendente abstracto.
António Rego

GOTAS DO ARCO-ÍRIS - 43

AZUL, AZUL CELESTE
Caríssimo/a: Chove. Escrevo na véspera da festa de Nossa Senhora da Conceição. Não ficaria de bem comigo mesmo se não fosse até à Igreja apreciar os preparativos da Festa. Claro que chove e o vento aperta, mas os mordomos são de antes quebrar que torcer e quase todos eles, regressados há pouco dos bancos do bacalhau, estão habituados à invernia e vivem com o coração lá bem à frente na esperança dos bons tempos... Anos houve que foi uma desgraça: arcadas no chão, coretos pelo ar, botequins virados, enfim, a procissão acabou por não sair... Mas no ano seguinte as promessas e as graças reanimaram o povo e a festa foi de arromba. Parece que ainda estou a ouvir os foguetes: era cada estoiro que até fazia eco na Junta. Aquilo sim foi fogo! E à noite? Nunca tal se tinha visto, as lágrimas até chiavam. Era um regalo! Sempre a Rainha de Portugal andou pelas ruas da nossa Gafanha, fosse Ela, a Nossa Senhora da Nazaré, no Verão, ou a Nossa Senhora da Conceição, nesta época, logo depois de os bacalhoeiros arribarem... Estou certo que os anjos muito se riam com a nossa inocência. Que sabíamos nós de liturgia ou de ano pastoral ou litúrgico? Nada e à nossa volta não víamos muitas pessoas que estivessem dentro desses segredos (sim, aquela vizinha ia ao terço e nós até espreitávamos a missa por entre as pestanas coladas pelo sono cortado pela mão amiga de nosso Pai que lá nos conduzia...). Contudo, aquela festa com a música, os foguetes e a procissão, claro, com uns bolinhos e umas bolas de serrim, e (nós bem víamos...) uns namoricos novos revividos na fotografia do Laminuta, sim, aquela festa anunciava o Natal, vivido no aconchego do Lar, e antecipava o cortejo dos Reis que iria percorrer as nossas ruas. Era nesta ambiência de festafamíliarua que olhávamos para o Céu, onde estaria Nossa Senhora com o seu manto azul, como aquele que levava na procissão, e lhe rogávamos: - Nossa Senhora da Conceição, venha sol e chuva não! Manuel
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Nota: O Gotas do Arco-Íris nº 44 sairá no meio desta semana, para acertar o passo com o calendário. Tudo isto, por motivos de falta de saúde de minha parte. Apresento as minhas desculpas ao amigo Manuel e aos leitores.
F.M.

PROPÓSITO

ESTOU POR AQUI
HÁ DOIS ANOS
Só hoje me dei conta de que completei, no dia 14 de Dezembro, dois anos de presença no mundo da blogosfera, com um propósito como meta: Pela Positiva. Mantenho-o, porque essa meta repousa no infinito. Disse então, no primeiro post, em jeito de quem dá, timidamente, os primeiros passos:
"O meu propósito, a partir de hoje e neste espaço, situa-se na linha dos que apostam, no dia-a-dia, num mundo muito melhor. Não simplesmente pelo protesto, que será sempre a via mais fácil e menos estimulante, mas fundamentalmente pela defesa do bem, do belo, dos afectos, em suma, dos valores que enformam a nossa civilização. Pela Positiva vai ser o meu lema de todos os dias, quer na análise dos mais diversos acontecimentos, quer pela divulgação do que vou lendo, quer pela defesa do que vou reflectindo, quer, ainda, pela partilha de gestos, porventura ignorados ou marginalizados, que são matriz de uma sociedade mais justa e mais fraterna. De bom grado se aceitam sugestões, desde que venham pela positiva"
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Aqui prometo continuar, ao sabor da maré, dizendo o que penso, divulgando o que me encanta, mostrando o que me rodeia, lembrando o que admiro, pugnando pelo bem, pelo belo, pela verdade, pela justiça, pelos afectos, pelo diálogo entre todos os homens e mulheres de boa vontade, dando relevo ao pensar e ao viver pela positiva.
Para todos os cibernautas, votos de Santo Natal.
Fernando Martins

UM ARTIGO DE ANSELMO BORGES, NO DN

Qual é o Deus
do Mediterrâneo?
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No passado dia 1, enquanto Bento XVI voava de Istambul para Roma, depois da sua visita à Turquia, estava a realizar-se, em Santa Maria da Feira, o V Simpósio "Sete Sóis Sete Luas", que teve como tema: "Qual é o Deus do Mediterrâneo?" Foram conferencistas Salman Rushdie, Cláudio Torres e eu próprio.
O debate, moderado por Carlos Magno, durou quatro horas, com uma assistência atenta, que esgotou todos os lugares disponíveis do auditório da Biblioteca Municipal. Não admira que Salman Rushdie tivesse inaugurado a sua intervenção observando que um debate assim sobre a religião seria "inimaginável" há 40 anos, quando se pensava que a fé ficaria confinada à "esfera privada".
Qual é o Deus do Mediterrâneo? Antes de mais, porque não: "Qual a Deusa?" Afinal, não estávamos ali também porque contra Salman Rushdie tinha sido lançada em 1989 pelo ayatollah Khomeini uma fatwa por causa do livro Os Versículos Satânicos?
Quais são esses versículos? Dois, que não figuram nas versões ortodoxas do Alcorão. Lê-se, de facto, na sura (capítulo) 53, versículos 19 e 20, da Vulgata: "E que vos parecem al-Lat, al-Uzza e a outra, Manat, a terceira?" A estes versículos, na tradução francesa de Régis Blanchère, acrescentam-se mais dois (20bis e 20ter), os "satânicos": "Elas são as Deusas Sublimes e a sua intercessão é desejada."
Tratava-se de divindades do politeísmo pré-islâmico, representando, portanto, aquilo que Maomé mais fustigou por causa do seu monoteísmo puro. Mas, se a negação do monoteísmo é o único pecado sem perdão, como pôde o Profeta declarar sublimes aquelas deusas?
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Leia mais em DN

STELLA MARIS

NO DIA 22 DE DEZEMBRO
ALMOÇO DE NATAL
PARA 120 PESSOAS
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No dia 22 de Dezembro vai acontecer no Clube Stella Maris um almoço para 120 pessoas com várias formas de carências, a saber: com dificuldades económicas; que sofram de solidão; com deficiência e doentes. À partida, são apoiadas pela Fundação Prior Sardo e pela Obra da Providência, instituições da Gafanha da Nazaré, havendo, no entanto, pessoas de outras paróquias, também ligadas à área diocesana da Obra do Apostolado do Mar.
Para o próximo ano, será feito um esforço para dar cobertura às pessoas com este perfil e residentes nas paróquias localizadas na referida área, isto é, toda a zona da ria e do mar, pertencente à Diocese de Aveiro. Esta iniciativa do Clube Stella Maris é a primeira que visa dar visibilidade à Pastoral Social dirigida à comunidade piscatória e a todos os que, directa ou indirectamente, estão ligados ao mar e à zona lagunar.
Sublinhe-se que este almoço contou com o apoio de algumas instituições e empresas, com géneros ou com dinheiro, apoios estes que a direcção do Stella Maris agradece. Desta forma, será possível celebrar o Natal com os que, de uma maneira ou de outra, mais precisam. Também é de evidenciar o trabalho de muitos voluntários, nomeadamente os escuteiros da Gafanha da Nazaré, que vão servir à mesa.
A direcção do Clube Stella Maris e seus colaboradores desejam a todos um Bom Natal e um Próspero Ano Novo.
A Direcção

sábado, 16 de dezembro de 2006

NATAL - 8

UM POEMA DE DAVID MOURÃO-FERREIRA
NATAL À BEIRA-RIO
É o braço do abeto a bater na vidraça? E o ponteiro pequeno a caminho da meta! Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, a trazer-me da água a infância ressurrecta. Da casa onde nasci via-se perto o rio. Tão novos os meus Pais, tão novos no passado! E o Menino nascia a bordo de um navio que ficava no cais, à noite iluminado... Ó noite de Natal, que travo a maresia! Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. E quanto mais na terra a terra me envolvia mais da terra fazia o norte de quem erra. Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me à beira desse cais onde Jesus nascia… Serei dos que afinal, errando em terra firme, precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

GOSTEI DE LER

UM TEXTO DE VINÍCIUS DE MORAES
PROCURA-SE UM AMIGO
Procura-se um amigo. Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

ESTOU DE VOLTA

JÁ ME APETECE SORRIR
Um incómodo de saúde, de natureza cardíaca, obrigou-me a umas “férias” de alguns dias no Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro. Os momentos difíceis que passei penso que estão ultrapassados e até já me apetece sorrir. A vida tem destas coisas. Quando menos esperamos, reconhecemos que temos quarto marcado num qualquer hospital, onde um conjunto enorme de profissionais competentes e dedicados nos ajuda a recuperar a saúde. E com que carinho todos eles o fazem durante 24 horas por dia. Mas disso hei-de falar um pouco um dia destes, por uma questão de justiça, quando recuperar as forças. Durante este internamento, estive mesmo fora do mundo agitado a que pertencemos. Nem jornais, nem rádio, nem TV me chegaram para serem devorados com a avidez de sempre. Apenas os meus familiares e amigos me davam sinais de que a vida continuava, tantas vezes indiferente ao sofrimento de tantos. Palavras de ânimo, sinais de afecto que jamais esquecerei, o amor dos que amo sempre presente, as preocupações de amigos sem conta e a presença constante de Deus a dizer-me que a vida nunca terá fim foram lenitivo para os momentos menos agradáveis por que passei. Neste interim, todos os meus projectos foram interrompidos. Mas como a vida continua, estou certo de que em breve tudo será retomado, com a serenidade que a idade aconselha. Aqui também, com os muitos amigos do ciberespaço. Foram inúmeras as mensagens que recebi, por vários meios. Não sei se poderei responder a todos pessoalmente, como é meu desejo. De qualquer modo, aqui fica, para todos, o testemunho da minha gratidão. Fernando Martins

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

GENTE GAFANHOA

PADRE LÉ,
O DECANO DOS PÁROCOS
DO ARCIPRESTADO
DE ÍLHAVO
O Padre Manuel Ribau Lopes Lé conta já com uma longa e preenchida história de 84 anos. Nascido a 4 de Agosto de 1922, na Gafanha da Nazaré, Concelho de Ílhavo, seus pais, José Lopes Júnior (ou José Lopes Lé) e Teresa de Jesus Ribau, cedo lhe ensinaram a mestria do trabalho da lavoura. Sendo o seu pai marnoto, dele recebeu os segredos dessa arte (ofício), acompanhando-o até aos 14 anos de idade. Uma vez concluída a instrução primária, na Escola do Sr. Prof. Oliveira, na Gafanha da Nazaré, iniciou em 1936 a frequência de vários seminários, num percurso trilhado durante 11 anos. Integrou o Seminário da Imaculada Conceição de Figueira da Foz (sua abertura), de 1936 a 1937. De 1937 a 1939 encontrou-se no Seminário Maior de Coimbra. De 1939 a 1943, foi o Seminário de Aveiro (abertura pela restauração da Diocese), o seu local de formação. Para terminar este percurso, estudou no Seminário de Cristo Rei dos Olivais, de 1943 a 1947. A sua ordenação sacerdotal aconteceu a 20 de Setembro de 1947, no Bunheiro, pelo Sr. D. João Evangelista de Lima Vidal, na Vigília de S. Mateus, iniciando a sua actividade sacerdotal 8 dias depois, ao celebrar a Missa Nova, na Igreja Matriz da Gafanha da Nazaré, sendo na altura Pároco o conhecido Padre Guerra. Durante 5 anos, o Padre Lé foi coadjutor, no Bunheiro, com o Sr. Padre Domingos da Silva e Pinho e paroquiou as freguesias de Préstimo e Macieira de Alcoba, do arciprestado de Águeda, durante outros 5 anos. No dia 28 Outubro de 1957, no Domingo de Cristo Rei, o Padre Lé regressa às origens, tendo sido nomeado Pároco da Gafanha da Encarnação, onde exerce a sua actividade pastoral, numa relação de proximidade com a Comunidade. O rodar natural e inexorável do tempo não lhe apaga o gosto pelo exercício Sacerdotal, sendo actualmente, no Arciprestado de Ílhavo, o decano dos Padres em exercício de funções.
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In "Viver em", edição da CMI

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Nota: O Padre Lé, que todos os gafanhões conhecem, tem sido, para mim e para muitos, um exemplo de vida ao serviço da Igreja. Conheço-o desde sempre e não posso deixar de recordar quanto tanta gente lhe deve. Pelo seu exemplo de fé e pelo seu dinamismo que lhe dá ânimo para continuar à frente da paróquia que adoptou como parte integrante do seu ministério. Por isso, esta adenda, muito pessoal, ao texto elaborado pelos responsáveis de "Viver em", como homenagem a um homem que sempre procurou servir a comunidade com total entrega ao Povo de Deus que lhe foi confiado. Pessoalmente, permitam que acrescente, ainda, a gratidão que nutro por este sacerdote que há anos muito me acompanhou de perto, quando eu procurava uma felicidade mais completa.

Fernando Martins

UM ARTIGO DE D. ANTÓNIO MARCELINO

MAIS VIAGEM
DO QUE PORTO
Ouvi há dias, na inauguração da nova Residência dos Professores, gente de várias idades fazer coro afinado e entusiasta numa canção que abre caminhos para quem pode ter a tentação de pensar, com o avançar do anos, mais em comodidade, que em novos sonhos e projectos. “Viver é mais viagem do que porto”, assim se cantava. A canção continuava advertindo sabiamente os distraídos e os menos corajosos: “Ai de quem só vê na idade apenas tempo/ Ai de quem olha para o espelho e só vê rosto…” Ao terminar esta cerimonia inaugural, o coro da Academia dos Saberes, com muita gente aposentada, entoou cânticos lindos a mostrar que a vida também afina gargantas quando os corações estão vivos e sensíveis à beleza e ao bem. Também ouvi a Presidente Nacional da Associação, que já conta oito décadas de uma vida cheia de entusiasmo e esperança, citar alguém de nome que dizia que onde termina o encantamento ante a beleza e o bem, é sinal de que também terminou a vida. Há uma salutar e benéfica contracorrente na sociedade que procura, ao arrepio de um mundo de interesses onde só conta o poder e o dinheiro, mostrar que há patrimónios adquiridos ao longo de anos de trabalho persistente, que não podem menosprezar-se. Entre estes está o património da idade, que é sabedoria acumulada na escola da vida, capacidade escondida para coisas novas, cadinho de esperança viva e fecunda, cátedra aberta de um saber que escasseia ou se transferiu para outros saberes de utilização imediata, mas saberes efémeros em relação ao que a vida pede e nunca dispensa. Tenho dito, de muitos modos, que em cada idoso que lutou e venceu, por vezes em situações bem difíceis, reside um mundo de sabedoria que as bibliotecas não comportam, nem se ensina nas melhores universidades. A escola da vida, hoje, por vezes, empobrecida de valores e impeditiva de estímulos para poder crescer por dentro, é aquela que verdadeiramente forma pessoas sérias, honestas, colaborantes e sensíveis e as enriquece de critérios válidos e consistentes. Na escola da vida, os comportamentos ditavam as leis, os princípios davam rumo às relações mútuas, as coisas eram como eram e não como convinham que fossem, a chave na porta dava sentido à solidariedade e tom ao acolhimento fraterno. “Estão a estragar a vida” desabafava alguém à procura de uma palavra de estímulo, por ver que, depois de anos de luta, os seus filhos mais queriam os caminhos aliciantes que a sociedade consumista e hedonista propicia, que aqueles que cada um vai abrindo com o seu esforço e ajuda de outros e ainda com as certezas interiores que os norteiam e confortam. A vida não é porto de chegada e de repouso, mas estímulo a caminhar sempre mais. A sabedoria dos vivos assim ensina, porque da dos mortos já nada se pode esperar. Tantos idosos que estão empurrando a vida, a sua e a dos outros! Tanto voluntariado generoso de gente que já podia descansar, mas descobriu, por sorte sua, que fazer bem é na vida um estimulo a viver mais e melhor e por isso continuam em viagem, descobrindo riquezas próprias e de outros que nem imaginava! Só sabe o valor da vida quem faz dela viagem até ao fim, para que o seja para além do fim. Ouve-se dizer a miúdo, em ar de conselho para convencer: “Já é tempo de descansar”. É tempo é de viver de outro modo, com horizontes novos mesmo que sejam os de sempre. Que pena tenho dos idosos que, meio adormecidos, só esperam a morte, sem que alguém lhes espevite o amor pela vida e o modo de a tornar útil. Há que continuar a pedir a quem sempre deu. Dispensar de ir mais longe é cortar asas, porque o mistério da vida é sempre uma revelação contínua, cheia de novidades e surpresas impensáveis.

NATAL – 7

Colectiva de Natal
na Vera Cruz
A Galeria Vera Cruz, situada no largo da Apresentação, em Aveiro, tem patente ao público, até 31 de Dezembro, uma Exposição Colectiva de Natal.Esta mostra apresenta trabalhos dos artistas António Neves, Coque, Damião Porto, Graça Morais, Guilherme Parente, João Cutileiro, João Figueiredo, Júlio Pires, Júlio Resende, Mário Portugal, Noronha da Costa, Rogério Amaral, Thierry Ferreira e Zé Augusto Castro, e ainda obras do próprio acervo da galeria, assinadas por Albino Moura, Alfredo Luz, Bual, Cargaleiro, Cruzeiro Seixas, Fernando Gaspar, Mora Urgeiro, Paulo Ossião, Ricardo Paula, entre outros.

APAGÃO

GAFANHA DA NAZARÉ
ÀS ESCURAS
Ontem a Gafanha da Nazaré esteve quase toda às escuras. Às escuras e não só. A falta de energia eléctrica paralisou meio mundo desta cidade que virou aldeia do século passado, daquelas que se alumiavam à luz da vela. Segundo as funcionárias da EDP, a avaria, detectada mas não explicada, teria reparação concluída em data indeterminada... o que deixou em pânico muita gente. E mais não podiam dizer porque não sabiam e quem se quisesse queixar que o fizesse por escrito junto da administração.
Dos meus contactos fiquei a conhecer alguns pequenos dramas que a modernidade provoca. Já imaginaram uma senhora que ficou sem conseguir sair de carro, porque o portão, automático, não abria? E lá teve ela de ir a correr para o emprego, onde chegou toda molhada! Como "uma ursa", no seu dizer engraçado. Sim, que estas coisas também têm o seu quê de cómico!
Mas nem tudo é mau. Estas faltas de energia, que bloqueiam tudo quanto funciona em casa, obrigam-nos a recorrer às formas mais antigas de sobrevivência, como é a de fazer torradas sem a torradeira eléctrica!
Outra coisa boa foi o serão que as famílias puderam vivenciar. Sem televisão, sem rádio, sem leitores de DVD e sem Internet, toda a gente foi obrigada a conversar. Cá por casa, nem imaginam as estórias que foram recordadas à luz das velas. Nem sei quantas se acenderam... As chinesas é que se gastam muito depressa. Mas até isso foi motivo de conversa, ou não fosse a imaginação da China apreciada, na luta que tem travado para sair do fosso económico em que tem estado. Que as sociedades ocidentais se cuidem!!!
Recordações de infância, férias gozadas a fazer campismo, vidas de gente que sobreviveu sem necessitar da luz eléctrica, estórias que levaram os gafanhões a criar uma cooperativa para distribuição da energia mágina que marcou o século XX, por estas bandas, já que os poderes instituídos não tinham nem capacidade nem vontade para olhar, com olhos de ver, para esta terra em franco crescimento, de tudo um pouco se falou, porque a EDP, se calhar, se esqueceu de que a cidade da Gafanha da Nazaré deu um pulo enorme nos últimos anos.
Bonito, no fim de tudo, seria que todos fizessem esta experiência de quando em vez, mesmo que não falte a electricidade. Vamos a isso?
Só mais uma palavrinha: se o homem que muito contribuiu para a criação da freguesia da Gafanha da Nazaré, em 1910, e que foi seu primeiro pároco, o padre João Ferreira Sardo, na imagem, viesse agora ao mundo, decerto ficaria zangado com muita gente, porque uma cidade como esta, com tanto comércio e indústria, não merece tais descuidos da EDP.
Bom 8 de Dezembro, com muita luz, são os meus votos para hoje.
Fernando Martins

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Armando Ferraz - O último fantocheiro



Armando Ferraz foi um gafanhão humilde que deixou marcas na memória de muitos. Morava ali no canto dos Zanagos, no lugar da Cambeia da Gafanha da Nazaré. Penso que foi, durante toda a vida, um funcionário da JAPA (Junta Autónoma do Porto de Aveiro), onde fazia um pouco de tudo. Recordo que, em data já muito distante, fazia parte da organização da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, ao tempo da responsabilidade dos trabalhadores da JAPA, instituição que também subsidiava os festejos. Mas era preciso fazer um peditório pela Gafanha da Nazaré e terras vizinhas. E então, recordo o Armando Ferraz que lá andava, com outros colegas do trabalho, de saco às costas e de saca na mão, a pedir de porta em porta para a festa. 
Mais tarde vi quanto o Armando Ferraz gostava de festas populares: participava nas cegadas do Carnaval, nos grupos folclóricos que se iam organizando por isto ou por aquilo, e que logo desapareciam, e noutras festas de sabor popular. Mas onde mais se distinguiu foi como fantocheiro. O cenário próprio da arte, um paralelepípedo com armação de madeira e forrado a pano, os fantoches e suas vestimentas, pintados a seu gosto, e as estórias que entusiasmavam a criançada, tudo era de sua autoria. 
Apreciei-o algumas vezes nas ruas das Gafanhas e nas terras vizinhas, com a sua humildade, a dar alegria aos miúdos de todas as idades; admirei-o a animar festas em instituições vocacionadas para o apoio a crianças; saboreie o seu prazer de trabalhar com os fantoches (que davam pancada que se fartavam, uns nos outros), em Escolas de gente mais nova; soube que foi filmado para a televisão e fotografado para jornais e revistas, e até que foi à Universidade para participar numa qualquer festa. Foi, de facto, o último fantocheiro. 
Depois dele, nunca mais vi nenhum por estes lados. Mas a vida tem destas coisas: a gente humilde cai muitas vezes no esquecimento. Porém, o Armando Ferraz não morreu no coração de muitos gafanhões. Há dias alguém se lembrou dele no meu blogue. Não consegui qualquer fotografia sua a trabalhar como fantocheiro. Mas elas devem andar por aí, de mãos dadas com as suas estórias. Quem souber mais, acrescente ao que aqui fica dito. 

Fernando Martins

NATAL - 6

Um poema de Fernando Pessoa
Nossa Senhora do Socorro
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AVÉ MARIA Avé Maria, tão pura Virgem nunca maculada Ouvi a prece tirada No meu peito da amargura.
Vós que sois cheia de graça Escutai minha oração, Conduzi-me pela mão Por esta vida que passa.
O Senhor, que é vosso Filho, Que esteja sempre connosco, Assim como é convosco Eternamente o seu brilho.
Bendita sois vós, Maria, Entre as mulheres da Terra E voss'alma só encerra Doce imagem d'alegria.
Mais radiante do que a luz E bendito, oh Santa Mãe É o fruto que provém Do vosso ventre, Jesus!
Ditosa Santa Maria, Vós que sois a Mãe de Deus E que morais lá nos céus, Orai por nós cada dia.
Rogai por nós, pecadores, Ao vosso Filho, Jesus, Que por nós morreu na cruz E que sofreu tantas dores.
Rogai, agora, oh Mãe qu’rida E (quando quiser a sorte) Na hora da nossa morte Quando nos fugir a vida.
Avé Maria, tão pura Virgem nunca maculada, Ouvi a prece tirada No meu peito da amargura. 12-4-1902

HERA OFERECE NOVOS SERVIÇOS

ARTE NOVA EM BREVE
A HERA-Associação para a Valorização e Promoção do Património oferece mais um serviço, com o objectivo de divulgar noticias e novidades relevante no ambito cultural, arqueológico e ambiental. Mais anuncia, para breve, um novo projecto, ARTE NOVA, co-financiado pela UE, para a valorização do património histórico e cultural em meio urbano, em Aveiro. Mais informações em www.heraonline.org

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

ABORTO - 6

Plataforma cívica começa campanha pelo «não» ao aborto
«Não Obrigada»
Foi apresentada hoje a Plataforma “Não Obrigada” que se manifesta contra a liberalização do aborto, juntando diversas personalidades de diferentes quadrantes sociais e políticos. Dizem “Não Obrigada” àquilo que consideram ser a liberalização “a pedido” da prática do aborto e apresentaram hoje as razões e os mandatários para esta causa. Os efeitos destrutivos na vida das mulheres, o ser humano em causa desde a concepção, o aumento do número total de abortos após liberalização e o uso de financiamentos para a prática do aborto são razões que juntaram inúmeras pessoas na apresentação oficial da Plataforma. Assumindo-se como um movimento cívico, apartidário, não confessional, com profissionais de várias áreas, a plataforma quer “explicar que esta lei cria facilitismo e uma demissão total do Estado”, defende uma das pivots da Plataforma, Sandra Anastácio. “Sabemos que da experiência de outros países após a liberalização, a prática aumentou exponencialmente e a liberalização não resolve os problemas efectivos que as mulheres têm”, problemas esses de ordem económica, social e emocional. No período entre os referendos os movimentos pelo “não” envolveram-se em projectos, “ao contrário dos defensores do sim que não apresentaram alternativas”. Sandra Anastácio, Directora da Ajuda de Berço lembra que ao “longo destes oito anos ajudámos a desenvolver cerca de 40 instituições de apoio à família e à vida, acho que isso nos dá credibilidade para dizer que vale a pena apostar nas mulheres, vale a pena apostar na vida e vale a pena criar alternativas” sublinha em declarações à Agência ECCLESIA. Como movimento cívico que desenvolve o seu trabalho através de donativos, “estamos por isso abertos a que todos possam e queiram colaborar com este movimento e receptivos a receber donativos que possam ser empregues nesta causa” dando já conta de algum apoio por “parte de particulares apesar de estarmos no começo”. A aposta é no esclarecimento e na informação “reservando alguma surpresa na forma como vamos chegar à opinião pública” considerou João Paulo Malta, ginecologista. Garantem, de qualquer forma “uma campanha moderna, não agressiva que quer principalmente esclarecer”, porque o que se trata “é de uma liberalização total do aborto e não de uma despenalização porque esta está feita desde 1984”, finaliza Sandra Anastácio. A esta Plataforma várias personalidades se juntam como mandatários. Manuel Braga da Cruz, Reitor da UCP; o jornalista e deputado, Ribeiro Cristóvão; o treinador do Benfica, Fernando Santos; Bagão Félix, ex-ministro do Governo PSD/CDS-PP; Ernani Lopes, economista; Nuno Rogeiro, politólogo; Nuno Morias Sarmento, ex-ministro do Governo PSD/CDS-PP, entre muitos outros.
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Leia mais em Ecclesia

UM ARTIGO DE ANTÓNIO REGO

OS BANHOS DE MULTIDÃO
DE BENTO XVI
É sempre possível dizer algumas coisas sobre a viagem de Bento XVI à Turquia. Há perspectivas históricas, culturais, políticas ou religiosas tão diversificadas que qualquer abordagem acaba por ter, entre possíveis erros, alguma observação certa e entre muitas certezas algumas imprecisões. Estamos perante um país complexo na sua situação geográfica, história política e religiosa, com extremos de grandeza e aviltamento nas suas construções mais significantes e na sucessão de impérios e religiões. Para os cristãos é um lugar santo – Terra Santa da Igreja. Nada se entende da movimentação bíblica do Antigo e Novo Testamento – em particular os Actos dos Apóstolos e as Cartas – sem a terra a que hoje chamamos Turquia e que já teve, com a Grécia, alternância de tantos lugares por onde passou o cristianismo nascente. Hoje é um país de maioria islâmica esmagadora, Igreja Ortodoxa com missão significativa entre os diversos Patriarcados que a compõem e dividem. E com uma presença católica quase invisível. A visita dum Papa à Turquia entra sempre nestes terrenos complexos e proíbe qualquer improviso ou espontaneidade. Todas as palavras e gestos têm de ser rigorosamente pensados, pelo eco num mundo atento a todos os fumos que se elevam do Médio Oriente e cercanias. Bento XVI não teve um minuto de sossego no banho de multidões que não apareceram, mas viram e espiaram a sua viagem. Nenhum jornal, rádio, televisão, site ou blogue, se pôde dar ao luxo de ignorar este acontecimento. Desde o vulcão do onze de Setembro, com olhares acirrados sobre o Ocidente, as caricaturas de Maomé exorcizadas, as palavras do Papa na Alemanha rejeitadas como injúria - ninguém no planeta se pôde sentir fora deste evento. Foi um pouco do medo, da expectativa, da nova visão de guerra, do estado de espírito dos radicais islâmicos, da percepção dos ortodoxos, das expectativas dos católicos, das múltiplas opiniões emitidas com os nervos à flor da pele – que fez da figura de Bento XVI o centro do mundo por alguns dias, porque ele próprio se havia transformado em catalizador de vários pólos. Não admira, pois, que esta viagem tivesse mais audiência e multidões, em todo o planeta, que qualquer viagem de João Paulo II.

ÚLTIMO DIA

JANTAR DE BOAS-VINDAS
AO NOVO BISPO DE AVEIRO
Como já aqui referi, está a ser organizado um jantar, em Aveiro, com duplo sentido: de homenagem e gratidão a D. António Marcelino, que deixa o leme da barca diocesana, por limite de idade, e de boas-vindas ao novo Bispo da Diocese, D. António Francisco. O jantar vai ter lugar no sábado, 9 de Dezembro, um dia depois da entrada na diocese do novo Bispo, e nele podem participar, mediante inscrição (15 euros), todos os que estiverem interessados e puderem. As inscrições terminam hoje, pelo que ainda há tempo para passarem pelas paróquias para adquirirem a senha de entrada.

RELER É UM PRAZER

Um livro de Bernardo Santareno 




Reler é um prazer. E quando os livros me dizem algo de especial, muito maior é o prazer. O livro que ando a reler – NOS MARES DO FIM DO MUNDO – é do dramaturgo Bernardo Santareno. Foi escrito com base em duas viagens que o escritor fez, como médico, na frota da pesca do bacalhau, nos anos de 1957 e 1958. Nos navios “David Melgueiro”, “Senhora do Mar” e navio-hospital “Gil Eannes”. Nesta obra, Bernardo Santareno conta-nos deliciosas e comoventes histórias de pescadores à linha nos mares da Terra Nova e da Gronelândia, com quem privou de perto. Não se preocupou muito com os oficiais de bordo, mas enalteceu a tenacidade dos que, cada um no seu dóri, enfrentaram os mares gelados, com risco constante da própria vida. Os últimos pescadores do mundo a deixarem este tipo de pesca. 
O escritor dedica o seu livro essencialmente a esses: “A todos os pescadores bacalhoeiros portugueses, que têm o riso claro e feroz; Que sempre ocultam nos olhos um aceno de morte; Que todos os dias, naturalmente, fazem milagres de força; Que, se a pesca adrega de ser boa, cantam e bailam sozinhos, como os meninos e os loucos… Que são tipos perfeitos da raça.” 
Neste trabalho, o dramaturgo recorda-me histórias que ouvi desde menino. Apelidos de pescadores que me foram próximos, porque gafanhões e ilhavenses; naufrágios de que tanto ouvi falar, como o do “Maria da Glória”, em que morreram gafanhões meus vizinhos; a vida a bordo dos que nunca esquecem a família; as mulheres dos “mais rijos navegadores do mundo”; as competições e ‘guerras’ entre pescadores; e tantas outras estórias cheias de poesia e de ternura que é tão saboroso ler e reler.
No fim do livro, o escritor não deixa de reflectir o que foram estas viagens com estes bravos. Diz assim: “Faço, mais uma vez, o exame da minha consciência: Cumpri realmente bem? Fui o clínico seguro e decisivo, o amigo sereno e infatigável (eu ia a escrever o “pai”) de que estes mil e tantos homens precisavam? Nem sempre: por ignorância, por tibieza, por comodismo. No entanto, uma verdade quase me sossega: Eu amo estas gentes. E elas sabem que assim é.” 

Fernando Martins

NATAL - 5

UMA NOITE DE NATAL
Um dia, já lá vão 43 anos…
Foi no dia 24 de Dezembro de 1963, estou a recordar-me do silêncio da noite, como se fosse agora. Estava a nossa companhia de serviço ao “Cinturão Verde” – zona de protecção da cidade de Luanda, com arame farpado desde o aeroporto até aos “musseques” – e a nossa missão era identificar quem entrava ou saía da cidade. Tínhamos jantado isolados. Teria de haver cuidados redobrados, já que a noite seria propícia à entrada do “inimigo”. Os cigarros, únicos companheiros com quem conversávamos no silêncio da noite, eram consumidos rapidamente entre as mãos ou dentro do capacete para não podermos ser localizados. Cigarro atrás de cigarro, foram consumidos os três maços que eu tinha levado para esse dia. E agora? São 23 horas. É dia de ceia. Está tudo fechado. Como vou passar o resto da noite? Bem…pensei eu! Chamei o condutor do jipe. O “Tavira” apareceu meio ensonado: – Diga, meu Furriel. – Vamos ao “musseque”. Preciso de cigarros e pode ser que esteja por lá alguma tasca aberta. Fomos andando devagar vendo o estado do arame farpado. Tudo em ordem, menos a tal tasca que poderia estar aberta. Parámos. O silêncio parecia total, até que da loja do cabo-verdiano saíram dois pretos cambaleando de bêbados. Aproximámo-nos e os pretos fugiram conforme puderam e desapareceram na escuridão da noite. Entrei na loja e pedi dois maços de cigarros. Paguei e fiquei encostado ao balcão, aconselhando o homem a fechar a loja para evitar problemas como aquele a que tinha assistido e a ir consoar com a família. – Não tenho cá família, disse-me ele. Está na minha terra, em Cabo Verde. – Então o que faz aqui sozinho a estas horas? – Estou a ouvir esta música. E aumentou o volume do rádio para eu ouvir também… A Rádio Ecclesia transmitia músicas de Natal. A que comecei a ouvir foi “Noite Santa, Noite Serena”, cantada pelo conjunto coral “Os Pequenos Cantores de Viena”. Automaticamente a minha mente mudou-se para a minha terra: os meus filhos, a minha mulher, os meus pais, enfim, a minha família… Estavam todos tão longe e tão perto! Abandonei a loja, acenando com a mão ao cabo-verdiano sem o olhar, para não ser traído pelas lágrimas que me corriam pela face abaixo. Chegado à viatura, fiz sinal com a mão ao condutor para que seguisse. – O meu furriel está bem? – perguntou o “Tavira”. – Segue, acenei-lhe eu. Quando um homem chora tem com certeza uma razão muito forte para o fazer. Ângelo Ribau

DIA INTERNACIONAL DO VOLUNTÁRIO

QUE NÃO SEJA PRECISO ESPERAR MAIS UM ANO PARA VOLTARMOS A FALAR DO VOLUNTARIADO
Celebra-se hoje o Dia Internacional do Voluntário. Mais um dia para todos, em geral, e para cada um de nós, em particular, nos debruçarmos sobre nós próprios, com o objectivo de descobrirmos o que poderemos fazer pelos outros. Tendo em mente, permanentemente, que o volun-tariado é hoje, como sempre, fundamental para o desenvol-vimento humano, numa linha da dignidade de cada pessoa, seja ela nova ou velha, rica ou pobre, culta ou iletrada, branca ou negra. Importa que saibamos descobrir, no dia-a-dia, razões para vivermos um pouco mais para quem mais precisa, directa ou indirectamente, pelo silêncio da ajuda próxima, pela cooperação com quem longe trabalha em terras de pobreza extrema, de guerras e de conflitos étnicos, de gente sem pão nem água, sem cultura e sem meios de subsistência mínimos. Penso que é importante conhecer o que fazem tantos e tantos que deixam tudo, por períodos curtos ou longos, para trabalharem para e com quem mais sofre, em tempos de imensas riquezas para alguns e de escandalosa pobreza, a todos os níveis, para muitos mais. Pensemos, pois, um pouco mais neste Dia Internacional do Voluntário. Ele foi criado precisamente para isso. E que não seja preciso esperar mais um ano para voltarmos a falar do voluntariado. F.M.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

NATAL - 4

BILHARACOS DE ÍLHAVO
E SUA REGIÃO
Ingredientes 2 Kg de Abóbora Raspa de 1 limão 400 g de Açúcar 200 g de farinha de trigo 3 ovos inteiros Canela q.b. 1 cálice de aguardente Confecção:
Cozer a abóbora na véspera, com alguma água e uma pitada de sal. Depois de cozida, coloca-se dentro de um pano pendurado, a escorrer. Vinte e quatro horas depois prepara-se a massa, misturando todos os ingredientes. Fazem-se pequenas bolinhas dessa massa que vão a fritar em óleo abundante e a elevada temperatura. Tirados da fritadeira, os bilharacos são escorridos e colocados numa travessa onde são polvilhados com açúcar e canela.
De António Angeja

Fonte: Roteiro Gastronómico de Portugal

NATAL - 3

NATAL é tempo de dar Dar espaço à reflexão, Dar mais a quem nos rodeia. Dar um pouco de nós, É este espírito de entrega que queremos celebrar! Ao oferecermos-lhe uma semente, esperamos plantar em si a vontade de dar corpo
a uma nova vida. Em sua casa ou perto dela, ajude a recuperar o verde que o fogo destruiu. Ao fazê-lo,
estará a poupar recursos e a promover o futuro Faça do Ambiente
uma prioridade para 2007!
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Fonte: Texto que me chegou
de uma campanha sobre o Ambiente

UM ARTIGO DE ALEXANDRE CRUZ

A FORÇA E A ALMA
DO VOLUNTÁRIO
1. O estado do mundo bem precisa que o espírito humano se eleve repleto de dons da simplicidade e gratuidade. O espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais que trinta artigos escritos, querem ser um desafio permanente a uma vida com sentido que procura viver e partilhar em solidário espírito de serviço. Esta abertura de espírito que vence a limitação da “fria” razão, será a única via do encontro e reencontro consigo mesmo e com o outro, num atingir plenamente a realização humana. Dia 5 de Dezembro celebra-se o Dia Internacional os Voluntários para o Desenvolvimento Económico e Social. É certo que todos o somos cada dia… Mas, que seria hoje do mundo sem o Voluntariado organizado? Que seria da Humanidade sem esta frescura de espírito que, de forma, organizada mas sempre flexível vai abrindo persistentes portas de esperança? Mas…nestas questões estamos cada hora a (re)começar, pois a oferta é sempre maior que a procura. Falta, ainda, um longo caminho a percorrer. O espírito de Voluntariado como serviço é interminável; é como as cerejas ou como o novelo que se abre e sempre abre mais e mais. É tal a sua preponderância, que, verdade se diga, hoje qualquer organização, pontual ou estruturada, integra essa força livre, pacífica e generosa do Voluntário.
2. Fala-se muito das preocupações da educação, cidadania, sociedade; sente-se a problemática social do desinteresse das novas gerações em relação ao bem comum, imersas, porventura, num indiferentismo que vai alastrando e desgarrando os laços de entreajuda; constata-se sempre a dificuldade da participação cívica nos espaços comuns pensando, todavia, que são modelo único, mas esquecemos que o “fazer” com reflexão poderia ser um potencial de estímulo realista e atractivo para quem anda à procura (e todos sempre andamos…). Fazemos o diagnóstico das problemáticas e das situações no gabinete cheio de computadores, e do computador até andamos fechar esta instituição ou abrir aquela; vivemos mergulhados em papéis (num modelo de dedução) em vez de dar mais a primazia à realidade com projecto, à visão, à pessoa, ao olhar inclusivo para transformar a mesma realidade. É que só partindo desta é que poderemos implicar “todos”, idealizando caminhos de envolvência “com” e não meramente projectos “para” como se esquecesse o real. Há uma imensidão de potencial educativo e institucional que, hoje mais que nunca, o Voluntariado contém. Abrir-se a ele e antecipar todo o futuro! 3. Não será por mero acaso que hoje se sente que toda a rede de instituições que cooperam em comum, todas as ONGD’s (Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento) “aquecem” o planeta frio de um racionalismo (económico, tencológico ou mesmo distraído da vida); toda essa imensidão de instituições das mais formais às menos, e cada uma com as suas virtudes e limites, são, sem dúvida no mundo actual a nova frescura capaz de ir criando pontes fecundas entre os povos. Mas, para quando uma maior clarividência em todos este processo (Voluntariado) rico de potencial transformador da mentalidade comum? Quando as instituições educativas convidam e integram formalmente no seu projecto de formação humana e escolar toda a vasta experiência do espírito de Voluntariado (que tanto terá a dizer mesmo para as tenras idades, pois parte da experiência prática)? Quando as próprias Organizações de Voluntariado terão maior capacidade de abertura e permuta para uma educação social aprofundando toda a sua riqueza educativa e transferindo-a para os sistemas de educação? Aprofundar o caminho já percorrido para haver mais pontes educativas será hoje essencial. Não se pode esperar mais!... Uma realidade nos parece certa: um potencial imenso de educação para as causas humanas fundamentais continua “desperdiçado”; claro que para o acolher e integrar em projecto, além da abertura de espírito responsável de todos, será necessário vontade política explícita.
4. Não se pense que estamos diante de um terreno novo. Valerá a pena a este propósito referir que já no ano de 1990 foi aprovada a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO VOLUNTARIADO, adoptado pela 11ª Conferência Bienal da IAVE (International Association for Volunteer Effort), em Paris, 1990, com a presença de voluntários de todo o mundo (ver http://www.portaldovoluntario.org.br/site/pagina.php?idconteudo=224; http://www.unv.org/). Se “cada pessoa que se eleva, eleva a própria humanidade”, também poderemos dizer que cada Voluntário que tem consciência da sua missão vai, assim, transformando o próprio mundo. Claro que não falamos numa perspectiva de voluntariado como um SOS (nada disso!); falamos, sim, da mudança de mentalidade que saiba incluir numa visão de futuro todas as forças positivas assentes nos valores fundamentais. Que maior exemplo que a acção solidária / voluntária que fala mais alto que todas as palavras? (Um processo partindo da realização à reflexão.) Hoje o Voluntariado não tem fronteiras e vence todas as barreiras sócio-políticas! Que o digam as catástrofes diversas... Mas porque é que se fica só por aqui? Porque não se tira a “lição” para uma educação universal? É, por isso, em potencial, o voluntariado, uma força imparável de energia e alma que transparece o querer ansioso de um mundo bem mais sensível, bem melhor! É este o segredo e a esperança que perpassa no coração dessa multidão bem especial dos Voluntários! (Para ver, em Portugal, Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado: http://www.voluntariado.pt/). Tão longo é o caminho (de nós próprios), e imensa a distância entre as nossas palavras e a sempre premente realidade!

domingo, 3 de dezembro de 2006

Presidência da UE

COMBATE À POBREZA
E À EXCLUSÃO SOCIAL
SERÁ PRIORIDADE
O combate à exclusão social e à pobreza serão dois temas relevantes da presidência portuguesa da União Europeia (UE), disse, em Bruxelas, o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva. “O combate à pobreza e à exclusão social serão prioridades da presidência portuguesa, tanto mais que 2007 é o Ano Europeu da Promoção da Igualdade”, disse Vieira da Silva, no final de uma reunião com os seus homólogos dos 25 Estados-membros da UE. Durante a presidência alemã (no primeiro semestre de 2007), especificou, será dada particular atenção ao combate ao desemprego juvenil e à promoção da manutenção dos trabalhadores mais idosos no mercado de trabalho. “Naturalmente que nós continuaremos esta prioridade” na presidência portuguesa (segundo semestre de 2007), acrescentou. Após Portugal, será a Eslovénia a presidir à UE no primeiro semestre de 2008. Comum às três presidências da UE será “a discussão sobre a sustentabilidade do Modelo Social Europeu, sobre as políticas activas de emprego”, referiu também Vieira da Silva. As linhas gerais dos programas das três presidências, já concertadas entre os países envolvidos, serão divulgadas ainda este mês em Berlim. Este tipo de discussões tripartidas, uma novidade na União Europeia, foi considerado pelo ministro português “vantajoso do ponto de vista do processo legislativo”.
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Fonte: iid