quarta-feira, 19 de julho de 2006

Textos ensanguentados

TEXTOS ENSANGUENTADOS 



Textos
ensanguentados
como feridas

Gralhas
ensanguentadas

Textos
gelados
como árvores
no Inverno

Textos
como árvores
cortadas
aos bocados

Textos
como lenha

Textos
como linho

Textos
brancos
como a noite

Textos
brancos
como a neve

Textos
sagrados

Textos
bifurcados
como ramos

Textos
unos
como troncos

Adília Lopes 

In “Sur la croix”

Um artigo de Daniel Serrão

PMA: com ou sem lei?
É legítima a pergunta. De facto, o tratamento médico da infertilidade, como qualquer outro tratamento do âmbito dos cuidados de saúde, não justificaria, por si só, a intervenção do legislador, fosse ele o Governo ou a Assembleia da República. E outros processos de tratamento da infertilidade, que não a PMA, como é o caso da desobstrução cirúrgica das trompas, não são objecto de preocupação dos legisladores. Basta a regra básica da actividade médica que é a de o médico agir sempre segundo as regras da boa prática científica e técnica, as leges artis dos juristas. Assim sendo, algo deve acontecer na PMA que ultrapassa a intervenção médico-técnica e que impôs a intervenção do legislador. E acontece: a PMA é um acto médico que extravasa da simples intenção terapêutica de curar a infertilidade, para campos não médicos e claramente sociais. E é a repercussão na sociedade e suas estruturas básicas, como a família, que impôs, e bem, a intervenção da Assembleia da República. Se o fez da melhor maneira, isso é matéria controversa.
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Leia mais em Ecclesia

Férias do Papa

Férias do Papa entre a leitura, a oração e a música
Bento XVI continua o seu período de repouso em Les Combes, nos Alpes italianos, preenchendo os seus dias com momentos de oração, leitura e música. Os tempos que o Papa passa ao piano, tocando Bach e Mozart, são audíveis nas casas vizinhas. O Centro Televisivo do Vaticano mostrou imagens inéditas de Bento XVI neste período de férias, que se prolongam até 28 de Julho. Além do piano, o CTV mostrou o Papa a caminhar pelos jardins que rodeiam o chalé que o aloja. Numa das poucas declarações que prestou aos jornalistas, nos últimos dias, Bento XVI explicou que “ver a montanha é como ver o criador”. Todos os responsáveis que são convidados a falar da estadia do Papa concordam com o clima de “tranquilidade” que se tem vivido, muito por força da personalidade reservada de Bento XVI e do seu amor pela natureza, que o leva a passear pelas montanhas circundantes. O descanso não impede, como já noticiado, que o Papa acompanhe a actualidade, através de contactos regulares com a Secretaria de Estado do Vaticano. O relativo sossego destes dias gera muita especulação em torno da actividade de Bento XVI e, tal como no ano passado, começa a falar-se com insistência da possibilidade de uma nova obra papal estar a ser redigida. Oficialmente, nenhuma indicação foi dada pelo Vaticano a esse respeito. Em declarações à Rádio Vaticano, o Bispo de Aosta, D. Giuseppe Anfossi, assegurou que “o Papa está tranquilo” e que “desfruta da liberdade de não estar submetido ao trabalho”.
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Fonte: Ecclesia

Um artigo de António Rego

Quando tudo
parece a arder
A humanidade vive de euforias e sobressaltos. Num misto de realidade e ficção, com alguns dados do passado e todas as dúvidas em relação ao futuro. Mais escancarado que nunca o buraco do ozono, com os raios ultravioleta quase a fecharem as pessoas em casa no braseiro do Verão, as temperaturas a roçarem os extremos suportáveis, os fogos a esgotarem os bombeiros e a inquietarem, com notícias, férias merecidas, os conflitos sem darem sinais de arrefecimento para os lados da Coreia do Norte, e agora em nova cena do Médio Oriente - para além de outros focos atenuados pela distância. Os preâmbulos da guerra parecem, agora, montados para um alastramento não apenas das escaramuças entre tanques e pedras, mas com dois exércitos frente a frente, incendiadas as fronteiras e enfurecidos os vizinhos e aliados. Em dado momento tudo parece conjugar-se para um fogo real ateado por um vulcão – o da violência - que sempre esteve em actividade na cratera da história, mas que varia de intensidade pelas formas de energia que utiliza. Entretanto, a justa exaltação de todo o progresso científico e tecnológico que permite o prolongamento da vida humana, as viagens planetárias, os meios de comunicação e informação com uma inteligência natural a artificial mais surpreendente que nunca. Mas tudo isso morre na praia, nas areias dos velhos absurdos da guerra e da violência. Assim é desde a noite dos tempos. E algum desalento se apodera dos profetas como que a confirmar que “ não há nada a fazer, o homem não tem remédio e a natureza parece que também não”. Restam apenas alguns pós de esperança para não alinharmos com os banais clamores dos fatalistas desiludidos? Talvez não. Não é negando a história e os factos que abrimos caminho para o futuro. Mas é precisamente no enquadramento e na medição exacta dos acontecimentos que ultrapassamos os aparentes bloqueios de cada momento. Se tudo parece a arder, será na frieza do nosso olhar que iremos descortinar a realidade que pertence a cada tempo. Não sabemos se daqui a duas semanas narramos os factos da mesma forma. Vamos descobrindo que a nossa emoção precipita juízos sobre acontecimentos incompletos e ajustáveis ao complexo cósmico e humano. Aqui, sim, vamos ter ao oceano de Deus que ultrapassa o nosso olhar, os nossos espaços, as nossas medidas e as nossas contas. Por isso a fé também se pode definir como o ângulo do olhar de Deus num sentir homogéneo sobre todos os tempos e todos os seres. Não passamos, afinal, duma ínfima – apesar de infinita - parcela desse todo. Nem por isso é menor a nossa responsabilidade ou maior a nossa desculpa.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Um artigo de João Carlos Espada, no EXPRESSO

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Um pouco por toda a Europa e nos EUA assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica
EM VALÊNCIA, assinalando a visita do Papa Bento XVI, um Fórum Mundial da Família reuniu esta semana mais de um milhar de associações familiares internacionais. Segundo os organizadores, o principal objectivo da iniciativa consiste em «defender e proteger o matrimónio como instituição específica entre um homem e uma mulher em todo o mundo». O tema tem particular actualidade em Espanha, onde legislação recente alargou o casamento a uniões homossexuais. Os termos «pai» e «mãe» foram substituídos por «progenitor A» e «progenitor B», numa demonstração de engenharia social sem precedentes. Mas a Espanha não é caso único. Um pouco por toda a Europa e nos EUA, assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica. Numa aliança inesperada - mas não surpreendente - grupos islâmicos aproveitam a onda inovadora para introduzir na agenda a consagração da poligamia. Estes chamados «temas fracturantes» começaram por deixar os eleitorados indiferentes. Gradualmente, porém, geraram mal-estar e legítima reacção. Nos EUA, onze referendos estaduais recusaram por larga margem o «casamento homossexual». Sectores republicanos defendem a introdução de uma emenda constitucional definindo o casamento como a união entre um homem e uma mulher. Como vem sendo hábito, as «guerras culturais» começaram na América e chegam agora ao continente europeu. Na semana que agora termina, durante uma palestra que proferi em Madrid sobre Winston Churchill, a maior parte das perguntas foi sobre «temas fracturantes» e democracia. A ideologia fracturante anuncia-se como libertadora e igualitária. Quer libertar-nos da moral cristã, da vida familiar, e da hierarquia inerente à busca da excelência no domínio da educação. Tudo isto é apresentado em nome da liberdade e da democracia. Todos os que se opõem são apresentados como conservadores autoritários e antidemocratas. Nesta perspectiva, ser democrata significaria ser contra a religião - especialmente a judaico-cristã - e ser a favor do «casamento homossexual», do aborto gratuito a pedido, da pornografia na televisão à hora do jantar e, em geral, do relativismo moral. Ser democrata significaria ainda ser a favor de ensinar tudo isto aos filhos dos outros através de um sistema centralizado de escolas estatais, cuidadosamente protegidas da concorrência e da escolha livre das famílias. A verdade é que estamos perante uma ideologia autoritária, como, suspeito, Winston Churchill não deixaria de observar. A democracia deixa de ser vista como um sistema de regras para limitar o governo e torná-lo responsável perante os contribuintes. Passa a ser identificada com um projecto político-filosófico particular, de natureza sectária e adversarial contra modos de vida descentralizados e realmente existentes. Em vez de protecção desses modos de vida, a democracia passa a ser entendida como mandato para uma vanguarda redesenhar instituições descentralizadas - como a família ou a religião - que não tinham sido desenhadas por ninguém. Trata-se, numa palavra, do jacobinismo em versão pós-moderna. :: In "EXPRESSO" de 8 de Julho de 2006

Representações do sagrado e conflito de Liberdades - 1

Representações do sagrado

e liberdade de expressão

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A recente polémica em torno das caricaturas de Maomé voltou a colocar ao Ocidente uma dúvida sempre delicada: numa sociedade laica, como conciliar a total liberdade de expressão com o total respeito pelo sagrado? Ou de uma forma mais crua: em democracia, a religião pode impor limites à liberdade? A resposta da maioria dos dirigentes políticos e religiosos ocidentais, independentemente de crenças ou descrenças, foi apelar ao bom senso. Mas esta resposta a nada responde, porque o bom senso não se legisla nem se decreta. E a experiência demonstra que é suficientemente elástico para que alguns, em seu nome, concedam ao Islão uma reverência que nunca teriam pelo Cristianismo. Significa isto que o único direito verdadeiramente democrático seja (assim chegou a dizer-se entre nós) o “direito à blasfémia”? De modo nenhum. Em certo sentido, a blasfémia é também um atentado à liberdade dos crentes, como o é um insulto racista para as pessoas de cor ou uma piada anti-semita para os judeus. Nos três casos, ataca-se a legítima “exigência de reconhecimento” de uma comunidade, para usar o conceito do filósofo canadiano Charles Taylor que fundamenta a sua defesa do multiculturalismo. Será possível, então, arbitrar um tão radical conflito de direitos? Não. Como muitos outros conflitos de direitos, também este é irresolúvel. Onde há qualquer forma de representação do sagrado, e ao longo da história nenhuma cultura ignorou o fenómeno religioso, existe a possibilidade dialéctica de blasfemar. Uma cultura que jamais desrespeitasse os símbolos do sagrado, hipótese meramente académica, seria talvez uma cultura sem símbolos do sagrado. A blasfémia é a outra face do sagrado. E a outra face, diz o Evangelho, torna-se por vezes objecto de violência. Na verdade, quase podemos distinguir as sociedades pela forma - muito variável e sempre objecto de compromisso - como regulam essa violência. Mesmo na Europa medieval, onde o Cristianismo tinha um peso maioritário, a inquisição convivia com a mais desbragada sátira anticlerical. Será a apropriação dos tribunais de consciência pelos Estados (primeiro os católicos e depois os protestantes) a mudar as coisas. Colocando ao serviço da unidade religiosa os cada vez maiores recursos das burocracias nacionais, a modernidade vai tentar resolver definitivamente a tensão entre liberdade individual e fé colectiva. Em vão. Porque, ao mesmo tempo, o Ocidente seculariza-se profundamente, conhecendo aquilo a que Max Weber chamou “o desencantamento do mundo”. O que não ajuda a resolver o dilema, muito pelo contrário. A perda do sentido religioso na nossa civilização, em contraste com o mundo islâmico, leva a que o caso das caricaturas seja visto sob uma óptica muito diferente dos dois lados do Mediterrâneo. Para o Islão, que não permite a representação de Alá e Maomé excepto pela palavra, as caricaturas são uma ofensa gravíssima. Para o Ocidente, que há dois mil anos representa Deus sob os traços de um crucificado ou de uma criança, as caricaturas são um mal menor. Não quer dizer que nós tenhamos razão e eles não. Mas, se hoje os crentes são obrigados a tolerar um certo desrespeito pelos seus símbolos mais sagrados, isso deve-se a uma consciência em certos aspectos mais viva da liberdade por parte dos não crentes. Uma liberdade que os cristãos apenas têm de pedir também para si. Pedro Picoito Historiador, ISEC

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In "Observatório da cultura"

Barco Moliceiro candidato a Património da Humanidade

Em artigo publicado no "PÚBLICO" de hoje, o jornalista Rui Baptista anuncia a preparação da candidatura do barco Moliceiro a Património Imaterial da Humanidade, por iniciativa da Associação dos Amigos da Ria e do Barco Moliceiro, com o apoio da Região de Turismo da Rota da Luz. A distinção é atribuída de dois em dois anos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Em declarações àquele jornalista, o presidente da associação, Eduardo Costa, informa que vão ser desenvolvidas acções tendentes ao reconhecimento pela UNESCO da importância cultural e histórica do barco Moliceiro, que é o símbolo, como todos sabemos, da laguna aveirense.
Quando tantos auguravam o desaparecimento do Moliceiro, por força do abandono da apanha do moliço na Ria de Aveiro, eis que surge uma iniciativa a todos os títulos digna do apoio de todas as forças políticas, sociais e culturais ligadas à laguna, que ainda é o maior cartaz turístico da região.
F.M.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

FAROL DA BARRA DE AVEIRO




Foco luminoso, eléctrico,  foi montado há 70 anos


O Farol da Barra de Aveiro, situado em pleno concelho de Ílhavo, na Gafanha da Nazaré, é um ex-líbris da região aveirense. Imponente, não há por aí quem o não conheça, como um dos mais altos de Portugal e até da Europa. Já centenário, faz parte do imaginário de quem visita a Praia da Barra. Quem chega, não pode deixar de ficar extasiado e com desejos, legítimos, de subir ao varandim do topo, para daí poder desfrutar de paisagens únicas, com mar sem fim, laguna, povoações à volta e ao longe, a dominar os horizontes, os contornos sombrios das serras de perto e mais distantes. À noite, o seu foco luminoso, rodopiante e cadenciado, atrai todos os olhares, mesmo os mais distraídos, tal a sua força. Mas são os navegantes, os que podem correr perigos ou desejam chegar à Barra de Aveiro em segurança, os que mais o apreciam, sem dúvida. Ora, esse foco, que começou por ser alimentado a petróleo, passou a beneficiar da energia eléctrica em 1936, completando, este ano, 70 anos de existência. 
Bonita idade para tal melhoramente merecer ser assinalado, embora de forma simples, com esta nota. Se tem lógica e algum merecimento a recordação dessa efeméride, não deixa de ser oportuno e justo lembrar que este ano também se podem celebrar os 150 anos da portaria do ministro das Obras Públicas, engenheiro António Maria de Fontes Pereira de Melo, assinado em 28 de Janeiro de 1856 e dirigida ao director das obras públicas do Distrito de Aveiro, engenheiro Silvério Pereira da Silva, que dá orientações para se avançar, rumo à futura construção do nosso Farol. Reza assim, na parte que nos diz respeito, como se lê na revista “Arquivo do Distrito de Aveiro”, em artigo assinado por Francisco Ferreira Neves: “Há por bem sua majestade el-rei [D. Pedro V] ordenar que o director das obras públicas do distrito de Aveiro, de combinação com o capitão daquele porto, e com o director-maquinista dos faróis do reino, trate de escolher o local nas proximidades da barra que for mais próprio para a construção de um farol, – devendo o mesmo director, apenas se ache determinado o dito ponto, proceder, de acordo com o referido maquinista, à confecção do projecto e orçamento da respectiva torre com a altura conveniente para que a luz seja vista a dezoito ou vinte milhas de distância. 
Sua majestade manda, por esta ocasião, prevenir o sobredito funcionário de que encomendará em França, para ser estabelecido no mencionado local, um farol lenticular de segunda ordem, do sistema de mr. Fresnel, e semelhante ao que se destina para o Cabo Mondego, cujo desenho se lhe envia, com a diferença, porém, de ser girante para o distinguir dos faróis que ficam ao norte e ao sul daquele porto”. 
A Barra de Aveiro tinha sido aberta em 1808 e eram conhecidos os riscos que ela oferecia à entrada das embarcações, “com prejuízos que podem resultar à humanidade e ao comércio”, como se sublinha na referida portaria. No mesmo artigo de Francisco Ferreira Neves, lembra-se que a comissão nomeada para a determinação do local em que deveria ser construído o farol deu o seu trabalho por concluído em 11 de Julho de 1858. Entretanto, os naufrágios sucediam-se entre o Cabo Mondego e a Foz do Douro, “por falta de sinalização luminosa nesta parte da costa marítima”. 
Os trabalhos não foram tão céleres quando seria de desejar, o que levou o ilustre parlamentar José Estêvão a pedir ao Governo, em 4 de Julho de 1862, na Câmara dos Deputados, a construção de um farol na nossa costa. No ano seguinte, em 15 de Setembro, a Câmara Municipal de Aveiro apresentou a el-rei D. Luís uma exposição, requerendo a edificação de um farol ao sul da barra. Para justificar a sua petição, a autarquia aveirense recorda que importa evitar “os naufrágios que tão frequentes se têm tornado nestes últimos tempos, no extenso litoral entre o Cabo Mondego e a Foz do Douro”. E acrescenta: “Ninguém pode duvidar, Senhor! que numa costa tão extensa como acidentada, em que as restingas ou cabedelos se formam por a violência das correntes, cuja direcção varia diariamente, um farol evita que os navios, se singram próximo da terra, se enganem no rumo, vencendo as dificuldades da navegação sem correrem o risco de naufragar nos bancos de areia, às vezes em noites bonançosas, como infelizmente tem sucedido entre nós.” 
A resposta do Governo não tardou. No dia 26 de Setembro de 1863, uma portaria governamental ordena que se fizesse o projecto e o orçamento. O projecto foi concluído em 5 de Abril de 1884 e os trabalhos da construção iniciaram-se em Março de 1885. A inauguração oficial do farol aconteceu em 31 de Agosto de 1893. 

Fernando Martins

Um artigo de António Rego

Nos cinquenta anos da morte do Padre Américo
HERÓIS
DO SILÊNCIO
Nos cinquenta anos da morte do Padre Américo vêm ao de cima algumas análises sobre diferentes correntes de educação que podem inspirar a sociedade de hoje na “recriação” possível do ambiente familiar inexistente ou destruído. E, desde logo, surgem teorias que acentuam aspectos mais coincidentes com atitudes não apenas pedagógicas mas também decorrentes de valores – os novos valores do nosso tempo. Por vezes, em contraposição com qualidades cultivadas não apenas num passado recente mas inscritas desde sempre no coração da humanidade e progressivamente reveladas através das gerações inspiradas no cristianismo. Chegamos assim, inevitavelmente, aos conceitos de autoridade, liberdade e responsabilidade na família, educação através de auto-disciplina, respeito por valores considerados fundamentais em todos os ciclos da história da humanidade. Sem deixar de considerar como positiva a evolução pedagógica que se alcançou com novas aquisições na bio-psicologia, percepção do eu, afirmação das diferenças de personalidade e de caminhos, vamos de novo ter à senda das referências essenciais que são, em qualquer circunstância, capazes de conduzir o homem ao desenvolvimento harmónico da sua personalidade e à maturidade do seu ser. Olhando a percepção intuitiva e a entrega pessoal do Padre Américo à causa dos pobres – os rapazes vindos da rua, os idosos marginalizados e os desprovidos de todos os bens - percebemos que um contexto social lhe despertou a veia profética do Evangelho e conduziu apaixonadamente toda a sua vida. Perdido isto, deita-se fora um património, o essencial dum espírito e o carisma dum homem inteligente, santo e corajoso que dedicou toda a sua vida, com exemplar radicalismo, à causa do Evangelho nos pobres. A Obra da Rua, na travessia das diferentes correntes do tempo, sempre teve este fio condutor como a primeira das entregas. Ao celebrar-se os cinquenta anos da morte do Padre Américo ninguém pode, honestamente, esquecer os discípulos mais próximos – os Padres da Rua - que o seguiram e seguem, como heróis do silêncio que dão a vida pela inspiração continuada do Pai Américo. Se é verdade que são as contas de Deus que contam, não podemos esbanjar as palavras e os gestos dos profetas – que não são menores por serem da nossa terra.

domingo, 16 de julho de 2006

Pelo sonho

O MAR A PUXAR-ME
Nasci à beira-mar, com a Ria a abraçar-me com ternura. Silenciosamente, serenamente, a desafiar-me para viagens com horizontes marinhos. Nunca, porém, consegui chegar a esse desígnio. Limito-me a sonhar.
Uma marina, onde quer que a encontre, é sempre um desafio para que o sonho de viajar de barco me leve a outras paragens, a outras terras e a outras gentes. E foi o que me aconteceu, há dias, com a imaginação a vogar para além da tranquilidade do dia-a-dia. Dentro de um barquinho destes. Não com tempestades, mas com a bonança com que sempre alimento o meu espírito.
O mar continua a puxar-me e a atrair-me, desde a infância que já está longe. E se não posso responder a esse chamamento, ao menos deixem-me alimentar o sonho de um dia partir de uma qualquer marina para ir ao encontro de outros.
Fernando Martins