sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Anselmo Borges — A sida espiritual



Quarenta e três anos de democracia para que serviram? É uma pergunta que frequentemente me colocam. E eu tento responder.

1. Do ponto de vista formal, houve um bom caminho que se fez e a democracia está consolidada. Mesmo do ponto de vista da justiça social, há conquistas significativas. Mas nem tudo está bem. As pessoas deixaram-se estontear pelo "deus" dinheiro e temos a corrupção que se sabe. Há desconfiança em relação aos políticos, fundamentalmente por causa da corrupção e da cumplicidade entre política e negócios. Depois, porque se governa para as eleições, portanto, para o curto prazo, vão faltando as reformas estruturais, necessárias para não termos de viver em constante sobressalto, mesmo do ponto de vista económico-financeiro. Temo, quando ouço hoje muita gente dizer sobre os políticos: "São todos iguais, querem ir para o poder não porque se interessem por nós, mas por causa dos interesses deles." Aliás, a percentagem de abstenção nas eleições é já muito elevada. Terá de haver transparência na governação - veja-se o que se passa com a banca, Tancos, os incêndios...

2. Considero a actividade política uma actividade nobre, das mais nobres. Mas receio quando vejo, na época das eleições, um número quase sem fim de cidadãos a concorrer como candidatos. Desconfio de tanta competência e sobretudo continuo a não acreditar que a maior parte o faça por amor à causa pública, ao serviço do bem comum. Como já aqui escrevi: "Que interesses, que vantagens, que compadrios, que cumplicidades, que privilégios, que benesses, que vaidades os movem?" Se os políticos quisessem realmente saber o que os outros cidadãos pensam deles, haveria um teste poderoso, embora saiba ser perigoso e talvez não aplicável: nas eleições, os votos em branco traduzir-se-iam, segundo a lei da proporção, em cadeiras vazias no Parlamento. Seria o "partido da cadeira vazia". Poupava-se dinheiro e retórica de sofistas, inútil e manhosa. Votar seria obrigatório, mas, em vez de sanções para os cidadãos que não votassem, os cidadãos tinham a possibilidade do voto em branco, com esta consequência.
De qualquer forma, é necessário reformar o Estado e a política, a começar por cima. Corte-se nos privilégios de tantos, reduza-se o excesso de mordomias, siga-se, sobretudo, a famosa "navalha de Ockam": "Não multiplicar os entes sem necessidade", por exemplo, não se aumente o número de funcionários só para dar a impressão de que diminui a taxa do desemprego.

3. Concretizemos mais.

Apesar dos bons resultados quanto aos últimos orçamentos, aproveitando aliás, mesmo que se não queira admitir, das políticas que vinham de trás, não se pode caminhar agora para orçamentos eleitoralistas, esquecendo a dívida. Há sempre aquela pergunta fatal: o que leva tantos a procurar o poder? Respondeu quem sabe, Henry Kissinger: "O poder é o maior afrodisíaco." Mas não se venha iludir os cidadãos, pois eles sabem, por exemplo, do atraso do Ministério das Finanças em desbloquear verba para mais cirurgias no IPO de Lisboa. Para lá disso, também sabem das cativações e que em 2016 morreram 2605 portugueses à espera de uma cirurgia - "uma coisa que é assustadora e que, em circunstâncias normais, devia ter causado um terramoto (mas os fogos tiraram toda a normalidade aos nossos dias)", escreveu Pedro Ivo Carvalho. Não é bom pretender que os cidadãos acreditem que a austeridade acabou, pois eles sabem das "engenharias financeiras" e dos impostos e de como os impostos indirectos são os mais injustos, porque são cegos e atingem a todos.
O que se passou e passa com Tancos é inqualificável.
Sobre as desgraças continuadas quanto à banca, só se pode exigir que se ponha cobro à situação e que se faça justiça. Haja transparência! Há uma palavra do Evangelho, sempre viva e actual: "A verdade libertar-vos-á."
Que mal é que há em reconhecer que o Estado falhou clamorosamente nos incêndios, sobretudo quando se pensa no aviso que vinha de Pedrógão? Os prejuízos podem alcançar os três mil milhões de euros. Evidentemente, os 110 mortos não têm preço e a angústia mortal de tantos e tantas que ficaram sem os seus entes queridos e com a vida toda tolhida e destroçada serão um eterno peso na nossa consciência. A atitude do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi e continua a ser exemplar.

4. Diz-se frequentemente: "Já não há valores." Não penso isso. O que se passa é que se inverteu a pirâmide dos valores e corre-se o risco de o valor dinheiro se tornar o valor e a medida de todos os valores. Onde está a honra, a dignidade, o valor da palavra dada, a solidariedade, a família como esteio que segura os valores, a escola que forma pessoas íntegras e, assim, bons profissionais, alguns princípios orientadores de humanidade e para a humanidade?
No que mais temo está também que, depois de terem caído "princípios" inaceitáveis na sua rigidez, reste apenas a imediatidade, a auto-satisfação de cada um a seu bel-prazer, e, consequentemente, a desorientação, no sem-sentido da intranscendência. O que infecta esta nossa sociedade é o que chamo a sida espiritual, que derruba a capacidade de defesa face à mentira, à desonra, à indignidade, à corrupção, à falta de valores na sua hierarquia autêntica. E não vejo que sejamos mais felizes. Os próprios jovens, a quem tudo é dado materialmente, educados na anomia facilitista e no "dedar" constante e caótico do smartphone e não para o estudo sério e a capacidade e a alegria de superar obstáculos, nas batalhas pelo bem e na conquista do melhor, que é ser si mesmo na autenticidade e na superação de si, acabam mergulhados na dor da derrota e da desorientação.


Anselmo Borges no DN 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

Georgino Rocha — O futuro definitivo será uma festa. Prepara-a


Jesus quer abrir os horizontes do futuro definitivo e mostrar a sua relação com a vida presente. Tem consigo os discípulos e está na parte final dos seus ensinamentos. Deixa o Templo e retira-se para o Monte das Oliveiras. Daí contempla a cidade e, em visão antecipada, vê o que lhe vai acontecer: Não ficará pedra sobre pedra. Dos escombros, surgirá uma situação nova.
Recorre, como bom mestre, a exemplos da vida concreta, acessíveis à compreensão de todos. Hoje, serve-se da realização das bodas de casamento, muito apreciadas pelos judeus, sobretudo pelos noivos e seus amigos. E descreve-a em forma de parábola, tendo como horizonte a história da salvação ou seja a relação que Deus estabelece com a humanidade em ordem a que esta possa experienciar o amor com que é amada. Gratuitamente. E não por méritos alcançados, créditos acumulados.
Proporciona assim aos fariseus, seus adversários intransigentes, um conjunto de elementos que os confrontam com a presunção de estarem salvos por serem quem são, observarem certos costumes e fazerem certas práticas religiosas. Eles, como as jovens da narrativa, são convidados, a iniciativa vem de quem promove a festa e quer vê-los a participar com a luz da alegria.
Mateus, (Mt 25, 1-13), o narrador que escreve a parábola uns bons anos mais tarde, dá-lhe outra acentuação. Face ao que estava a acontecer – a demora em o Senhor chegar -, insiste na paciente espera, na vigilante atenção, no esforçado cuidado em ordem a que os cristãos estejam preparados para o acolhimento indispensável, para percorrerem os caminhos da vida na sua companhia, para passarem a porta de entrada na sala do festim e participarem na boda do amor nupcial.
Jesus quer dizer-nos claramente que o nosso futuro será uma festa e não uma tortura; uma comunhão e não uma solidão; uma celebração da vida plena e não um lamento de desolação e ruína. Deus estará connosco e em nós. E também com os outros e nos outros. Seremos a sua família. Com Jesus, o primogénito, o Senhor. Com Maria, a mulher do sim pleno e da entrega coerente. Com uma multidão de amigos que serão a nossa surpresa agradável pois partilham da nossa feliz herança.
O futuro é como a árvore que está contida na semente. Será o desabrochar do presente transformado pelo amor sincero. A transformação é obra de Deus. A semente e o seu desabrochar, as raízes e o seu alimento são connosco. Constituem a grande aventura da vida, a nossa maior responsabilidade. É agora. Depois, fechada a porta pela morte, já não haverá mais possibilidades. É no tempo presente. Depois, aberta a porta pela morte, será a visão dos frutos da semente cuidada com desvelo e abençoada por Deus Pai, o encanto do coração humano recompensado nos esforços despendidos, a alegria de saborear a surpresa preparada.
Jesus visualiza a sua mensagem nas dez raparigas convidadas para a festa nupcial. Enquanto esperam que o noivo chegue, entretém-se divertidamente. Cansam-se e começam a sentir sono. Adormecem. Com estes pormenores, a parábola faz um retrato da vida de muitos humanos. Distraídos como andam, não advertem no que vai acontecendo. Indiferentes, isolam-se nas ocupações mais rotineiras e banais. Absorvidos pelo que dá gosto, desconsideram tudo o que exige sobriedade e abnegação por um bem maior. E como as jovens estão convidados para a festa da vida integral, plena. Mas esquecem-se.
O noivo faz-se esperar. Quer proporcionar um tempo de paciência confiante e de cuidado vigilante. Ou seja, um tempo de provação da verdade do amor. A chegada é surpreendente. A alegria contida, agora torna-se exuberante. Todas se afadigam para a recepção. É o momento da grande verificação. Os recursos são avaliados. Para umas, o cálculo havia sido errado. E falta o azeite para a candeia iluminar o desfilar do cortejo que se fazia durante noite. E o azeite constitui o sinal visível da relação pessoal com o noivo. Não pode ser pedido, emprestado ou alienado. Seria a perda da identidade própria, a despersonalização da relação reduzida ao anonimato.
A prevenção do azeite da nossa candeia faz-se a partir da mais tenra idade: gestos educados e respostas civilizadas, cultivo de sentimentos positivos e transmissão de valores, atenção lúcida à realidade envolvente e mais distante, escuta diligente da voz da consciência e esforço por lhe dar seguimento, discernindo o que é justo e humaniza, o que edifica os outros e ajuda a construir o bem comum. A luz da nossa candeia brilha com nova intensidade quando acolhe o dom de Deus, simbolizada no Círio Pascal, Jesus ressuscitado que franqueou as portas da morte e abriu os horizontes da vida ressuscitada.
Ao serviço desta abertura de horizontes da vida e da história, está a instituição dos Seminários que realiza, de 12 a 19 de Novembro, a habitual semana de oração e de pedido de colaboração aos fieis. É seu objectivo principal promover “a formação dos futuros pastores da Igreja”. A Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios fez-nos chegar uma Nota Pastoral de que destacamos alguns parágrafos.
“O Seminário é tempo de estar com Jesus e de aprender com Ele a viver no meio das realidades do mundo; é tempo para exercitar a escuta e aprofundar o discernimento acerca da vontade de Deus; é tempo de cultivar um coração dócil, livre e generoso para o serviço de Deus e dos irmãos; é tempo para descobrir o estilo mariano da evangelização que valoriza a proximidade, a ternura e o afeto”. E vem o apelo: Ajudemos os nossos Seminários.
Está ao nosso alcance, fazer da vida uma festa, iluminada pela fé cristã e pelo convívio dos irmãos. Acredita. Prepara o futuro definitivo com opções razoáveis no presente.

Georgino Rocha

Efeméride — Stella Mariz inaugura edifício


 1985 – 10 de novembro 

Na freguesia da Gafanha da Nazaré, a Obra do Apostolado do Mar inaugurou a primeira fase do edifício do Clube «Stella Maris», para acolhimento dos marítimos que demandam o porto de Aveiro ou nele se ocupam em quaisquer profissões (Correio do Vouga, 8 e 15-11-1985) – J.

Calendário Histórico de Aveiro 
de António Christo 
e João Gonçalves Gaspar

NOTA: O Clube Stella Maris, da Obra do Apostolado do Mar, não resistiu à evolução dos tempos e já há muito fechou portas, enquanto instituição vocacionada para o apoio espiritual e social aos homens do mar e suas famílias. As circunstâncias, em especial a instalação dos Portos Comercial e de Pesca Costeira junto ao Jardim Oudinot, ditaram a sentença. Outros tempos, porventura com novas exigências sociais e pastorais, pedirão novas respostas.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Tolentino Mendonça abre as páginas de um livro singular


Sinopse

Há um momento em que percebemos que são as perguntas (e não as respostas) que nos deixam mais perto do sentido. Sabemos que as respostas são úteis, sim, e que precisamos delas para continuar a viver - mas a vida transforma as próprias respostas em perguntas ainda maiores.
A espiritualidade tem de ser uma oportunidade para o reencontro com interrogações fundamentais, mesmo se desacreditadas num quotidiano que nos dispersa de forma cada vez mais absorvente: «Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? A quem pertenço? Por quem ou por que coisa posso ser salvo?»
Talvez tenhamos arrumado demasiado depressa a religião no lado das respostas - e esquecido as grandes perguntas que ela nunca deixou de nos dirigir.
Guiados por um dos mais importantes ensaístas portugueses de hoje - um pensador com grande experiência de escuta dos outros -, em O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas entramos, mais do que numa viagem de regresso, num itinerário de reinvenção de nós mesmos.
Na senda daquilo a que já nos habituou em obras anteriores, tanto de reflexão teológica e filosófica como de poesia, José Tolentino Mendonça abre aqui as páginas de um livro singular e corajoso: o das perguntas sobre a nossa vida.

Nota: Texto da Quetzal 

NOTA: Ainda não li o mais recente livro de José Tolentino Mendonça, um autor que muito aprecio, desde há muito tempo. Depois de ler "Baldios", a primeira obra que me chegou às mãos deste padre, poeta, cronista  e ensaísta, entre outras vertentes da cultura, passei a senti-lo como escritor com algo para transmitir de bastante original. "O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas" deverá ser a próxima aquisição. 

“Magusto à Moda Antiga” para celebrar o São Martinho


Como manda a tradição, a Câmara Municipal de Ílhavo vai realizar, no próximo dia 13 de novembro, segunda-feira,  pelas 14h30, no Fórum Municipal da Maior Idade, o tradicional magusto com todos os Clubes Seniores do Município de Ílhavo.
Os utentes do Espaço Sénior da Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo, do Espaço Convívio da Junta de Freguesia da Gafanha da Nazaré, do Espaço Convívio da Obra da Providência e dos Espaços Maior Idade da Câmara Municipal de Ílhavo vão reunir-se à volta da fogueira e das castanhas quentinhas, no Fórum Municipal da Maior Idade, onde não faltarão outras iguarias da época num lanche partilhado com muita animação e convívio.
O Fórum Municipal da Maior Idade acolhe, mensalmente, 1.600 utilizadores em diferentes iniciativas que promovem o envelhecimento ativo, sendo esta uma excelente ocasião para apresentar mais uma criação dos Espaços Maior Idade, a Faneca Natalícia 2017, contando com a presença da nova Vereadora da Maior Idade, Fátima Teles.

Fonte: Texto e foto da CMI

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Ares de Outono - Ermida da Senhora da Saúde





O frio e o vento não deram para mais. Senti hoje, verdadeiramente, os ares de outono, um outono incomodativo. Mesmo assim, não resisti a registar a velha ermida da Senhora da Saúde. Igreja pequenina, acolhedora e humilde dos meus tempos de juventude. Ao lado, a nova igreja paroquial com a arte de Jeremias Bandarra no interior a condizer com a traça moderna do templo. E a torre sineira, imponente, a impor a sua sombra, real e simbólica, à velha ermida de tempos idos, não destoando do conjunto. Pelo contrário, entendo que foi uma bonita opção.

MaDonA — Dia Internacional da Preguiça - 7 de novembro

Preguiça

Bicho-Preguiça

Curiosidades sobre o Bicho-preguiça


Dizem que a preguiça é a mãe de todos os vícios? Onde está a igualdade de género?

“Ai que prazer 
Não cumprir um dever, 
Ter um livro para ler 
E não fazer!”

Fernando Pessoa, 
não pretendia exortar à preguiça, mas a um sentimento de pura liberdade.

Apesar de todas as segundas-feiras parecerem o dia da preguiça, a verdade é que existe um dia especial para o celebrar. Aproveitar o dia para explorar a arte de não fazer nada, o "dolce far niente", que os Italianos criaram e transmitiram ao mundo .
A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Pode subentender um processo criativo.
A preguiça crónica pode ser preocupante e indício de algum transtorto grave. Se se tratar de uma “preguicite aguda”, é tão passageira como uma faringite, sinusite ou nevrite, tratável com um chá de pau de marmeleiro, na pedagogia dos nossos pais! Hoje, os psicólogos recomendam mezinhas mais suaves, sem recurso a medidas dráticas, que possam machucar as adoráveis criancinhas...
As pessoas ditas preguiçosas tendem a dormir sesta com alguma frequência. Estas têm o poder de reduzir a pressão sanguínea, melhorar a saúde cardiovascular e reduzir significativamente o stress – tudo coisas positivas para o bem-estar e a saúde em geral.
Foram importadas dos “nuestros hermanos”que fizeram uma invenção genial – “La siesta”. Os povos latinos, sempre, na vanguarda do descanso. Preguiça é o nome de um mamífero, cujo nome advém do metabolismo muito lento do seu organismo, responsável pelos seus movimentos extremamente lentos. É um animal de pelos longos, que vive na copa das árvores de florestas tropicais desde a América Central até o norte da Argentina.
De hábitos solitários, o preguiça tem, como defesa, a camuflagem e as garras. Para se alimentar, utiliza-se de "dentes" que se apresentam em forma de uma pequena serra. É herbívoro, tem hábitos alimentares restritos e dorme cerca de catorze horas por dia,
(Que inveja!) também pendurado nas árvores. Na reprodução, dá apenas uma cria, e apenas a fêmea cuida do filhote. Um pai preguiçoso, seguido por muitos humanos. A mãe é que paga as favas todas! Reproduz-se, como tudo o que faz, na copa das árvores. Raramente desce ao chão, apenas aproximadamente a cada sete dias para fazer as suas necessidades fisiológicas. Quer manter a casa limpa!
Um hino à preguiça!

Maria Donzília  Almeida

NOTA: Por dificuldades técnicas, só hoje me foi possível editar esta mensagem da minha amiga e colaboradora Maria Donzília. Apresento as minhas desculpas à autora e aos seus e meus leitores.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Igreja permite que padres continuem em funções depois de assumirem paternidade

P.e Giselo Andrade


Está a dar que falar o caso de um padre da Madeira, Giselo Andrade, que assumiu, recentemente, a paternidade de uma menina. O caso de padres que têm ou tiveram filhos não é inédito. Sempre os houve e sempre os haverá, apesar de terem assumido, como adultos responsáveis, a condição de celibatários, norma da Igreja católica estabelecida há séculos. Há muito que se defende que o celibato devia ser opcional e não obrigatório. Não me repugna nada aceitar a livre escolha dos candidatos ao presbiterado. Mas também sei que na Igreja católica as alterações às normas, mesmo que não tenham fundamento bíblico, não acontecem de um dia para o outro. Nas demais Igrejas cristãs, os presbíteros podem ser casados, o mesmo acontecendo na Igreja católica do oriente. De qualquer forma, penso que todos somos pecadores (Quem não é que atire a primeira pedra), razão por que não vejo mal nenhum em o padre Giselo Andrade continuar a exercer o seu ministério, sem fugir, covardemente, às suas responsabilidades paternas. Claro é, contudo, que não estará em condições de constituir família.

Para um mais completo esclarecimento ler o texto publicado hoje no Diário de Notícias

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Pela Positiva – Uma curiosidade com 11 anos de idade


Blog do anterior director do Correio do Vouga 

“O meu propósito, neste espaço, situa-se na linha dos que apostam, no dia-a-dia, num mundo muito melhor” afirma Fernando Martins

Os blogues foram das melhores coisas que aconteceram à e na Internet. Muito mais interessantes que a maioria dos sites (ou sítios), muito mais fáceis de actualizar, muito mais virados para o interesse dos leitores e dos autores, muito mais actuais, criativos e úteis.
O Correio do Vouga começa hoje a divulgar alguns, e nada melhor para começar do que o blog Pela Positiva, de Fernando Martins, o anterior director deste jornal.
Mas antes, para quem não é iniciado nestas lides, convém informar que um blog é uma espécie de diário na Internet, que todos os dias (ou quase) o autor utiliza, pois o modo como se constrói e mantém o blog é atraente e fácil. Há blogues políticos, culturais, religiosos ou amorosos, individuais ou colectivos, de palavras e de imagens, mais ou menos artísticos, introspectivos ou interventivos, fechados ou abertos (quando o leitor pode comentar), etc.
A origem do nome blog reside nas palavras inglesas web log (que poderíamos traduzir como “notas na teia”, isto é, na Internet), embora alguns prefiram dizer que vem de we blog (nós “blogamos”).
O blog de Fernando Martins, como o próprio nome indica, tem um tom positivo. Diz o autor, logo no primeiro “post” (assim se chama cada uma das entradas do blog): “O meu propósito, a partir de hoje e neste espaço, situa-se na linha dos que apostam, no dia-a-dia, num mundo muito melhor. Não simplesmente pelo protesto, que será sempre a via mais fácil e menos estimulante, mas fundamentalmente pela defesa do bem, do belo, dos afectos, em suma, dos valores que enformam a nossa civilização.
Pela Positiva vai ser o meu lema de todos os dias, quer na análise dos mais diversos acontecimentos, quer pela divulgação do que vou lendo, quer pela defesa do que vou reflectindo, quer, ainda, pela partilha de gestos, porventura ignorados ou marginalizados, que são matriz de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
De bom grado se aceitam sugestões, desde que venham pela positiva”.
Para se ter uma ideia do que se pode encontrar neste blog, aqui ficam os títulos dos três últimos “posts” na altura da escrita deste artigo: “Câmara de Ílhavo atribui bolsas de estudo”, “Adopte um idoso” e “Solidariedadade com o sudeste asiático”. Belas imagens, por vezes de carácter religioso, textos do Papa e poemas de Natal são outras das pérolas que “Pela Positiva” oferece ao leitor.

J.P.F.

O Blog pode ser consultado em


Texto publicado por Jorge Pires Ferreira em 3 de abril de 2006 no Correio do Vouga

“100 Anos de Usos e Costumes em Extinção”


«No espaço da Comunidade Portuária de Aveiro, transmitido quinzenalmente na Rádio Voz da Ria, o destaque vai, nesta edição, para o trabalho de um escultor de Aveiro.
Ao longo das últimas duas décadas, Afonso Henrique retratou os usos e costumes antigos do País, através de 80 figuras típicas, trabalhadas em grés policromado.
“100 Anos de Usos e Costumes em Extinção” é o título da mostra que o escultor quer expor de Norte a Sul de Portugal.»

Ouvir entrevista na Rádio Voz da Ria,  divulgada pela Comunidade Portuária de Aveiro

Figueira da Foz — Marina


Já não vou à Figueira da Foz há meses, mas não me saem da cabeça imagens belíssima daquela famosa estância balnear, que outrora acolhia, com pompa e circunstância, a aristocracia de título e de dinheiro. Mas também artistas que por ali andavam a banhos na época própria. 
A atual marina merece-me sempre uma atenção especial, tanto pelos encantos dos barcos ancorados como pelos seus tripulantes, aventureiros de ocasião ou, quiçá, de profissão. De modo que, quando vou à Figueira da Foz, faço daquele local um espaço de sonho, sobretudo quando ponho a mim mesmo a questão: Por que razão, eu, que sou de alma e corpo um homem de mar e maresias, nunca me arrisquei a entrar num cruzeiro para uma viagem que ficasse para sempre na minha história de vida? 

domingo, 5 de novembro de 2017

Bento Domingues — A ignorância não é um dever



1. Lutero não passou por Portugal. Na revista Brotéria, de Outubro, tentei explicar porque lhe negaram o passaporte. Apesar disso, de vez em quando, surgem acontecimentos que levam os meios de comunicação a lembrar que existe uma coisa muito antiga chamada Bíblia, que ele próprio traduziu para alemão. Agora parece que foi invocada, juntamente com o código penal de 1886, pelos juízes Neto Moura e Maria Luísa Arantes, para atenuar um crime horroroso contra uma mulher adúltera.
Não admira, dizia-me um leitor de Saramago. A Bíblia está cheia de histórias escandalosas e de maus exemplos. O diabo não precisa de ser muito pior do que um deus que mata e manda matar. Esse livro parece escrito por um bipolar: passa facilmente do sublime ao detestável, por vezes no mesmo salmo. No entanto, cuidadosamente encadernado fica bem numa sala, ainda que pouco frequente numa casa portuguesa. Entre as dificuldades em ler e interpretar esses textos antigos figura uma insistente ignorância ou esquecimento: a Bíblia não é um livro!
Habituados, como estamos, a ver as Sagradas Escrituras cristãs num só volume e a dar-lhes um nome no singular, a Bíblia, somos levados a imaginar que é uma obra que um autor divino escreveu, de fio-a-pavio, mas com mais heterónimos do que Fernando Pessoa. 
Na verdade, não se trata de um livro, mas de uma biblioteca formada por 73 ou 74 obras, segundo o cânone da Igreja católica, e 66, segundo o cânone das Igrejas reformadas. Foi escrita ao longo de vários séculos em diversos contextos geográficos, sociais e culturais.
Sem poder entrar aqui em pormenores, convém lembrar o seguinte: quase dois terços dos livros da Bíblia cristã são comuns ao cristianismo e ao judaísmo rabínico, herdeiro imediato das escrituras do judaísmo antigo. Na verdade, o Antigo Testamento (AT) católico é mais vasto e variado do que o TaNak e o AT das Igrejas reformadas que adoptaram o cânone judaico. A escrita dos livros do AT católico durou cerca de um milénio. Teve como quadro essencial a Palestina. É possível que alguns livros tenham sido escritos, em parte, na Babilónia e outros no Egipto (em Alexandria).
A exegese histórico-crítica mostrou que figuram no AT diferentes géneros literários e temas que são documentados nas outras literaturas próximo-orientais do primeiro milénio a.C., em particular, nas literaturas dos demais povos semitas [1].

2. Os juízes, se queriam referir-se à relação de homens e mulheres na Bíblia, teriam de se aconselhar com o trabalho de investigação e de militância das feministas que reexaminam não só a própria Bíblia, mas também a interpretação que os homens fazem dela, tentando, muitas vezes, justificar e perpetuar uma dominação ancestral, própria de sociedades patriarcais. A mulher era propriedade do marido; a virgem, antes do noivado, propriedade do pai. O adultério da mulher e a defloração de uma rapariga eram, antes de mais, um atentado contra o direito de propriedade [2].
A exegese bíblica feminista assume-se como instrumento de luta pela igualdade social. O seu objectivo expressa-se em termos de emancipação ou de libertação das mulheres. Desse ponto de vista, a leitura feminista da Bíblia é comparada e, em parte, comparável ao trabalho da Teologia da Libertação.
Contrariamente ao que às vezes se afirma, não foi a Bíblia que deu origem à subordinação das mulheres na civilização ocidental. A subordinação era um traço das civilizações europeias antes da chegada da Bíblia. Essas civilizações tinham esse traço em comum com as civilizações do Próximo Oriente de que a Bíblia é uma expressão. O que a Bíblia fez foi dar a essa prática a sua legitimação religiosa.
Sendo fruto da civilização ocidental, o próprio feminismo é herdeiro da mesma Bíblia que deu caução religiosa à supremacia dos homens sobre as mulheres. Por isso, é natural que a Bíblia ocupe um lugar muito importante nos estudos feministas, mas as mulheres ainda estão longe da paridade com os homens. Na Igreja Católica, intérprete autorizada da Bíblia, a hierarquia continua a ser formada só por homens e, além disso, celibatários [3].
O NT não legitima as atitudes dominadoras do AT em relação às mulheres. Pelo contrário, elas estão incluídas no espantoso universalismo cristão, sublinhado por Paulo: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” [4]. No Evangelho de Marcos, mostra-se que o homem pode ser adúltero contra a mulher. Como nota Frederico Lourenço, trata-se de “um desenvolvimento notável rumo à igualdade de género” [5].
Quanto à atitude de Jesus em relação ao apedrejamento de uma mulher apanhada em adultério, aconselho a leitura das admiráveis observações do mesmo autor ao texto atribuído ao evangelista João [6].
Se houve mulheres que se emanciparam para servir o projecto de Jesus, é porque esse projecto as incluía. O Ressuscitado encarregou-as de evangelizar os próprios apóstolos. Daí que a Maria Madalena tivesse sido designada como Apóstola dos Apóstolos.

3. Frederico Lourenço entregou-se a um empreendimento que julguei impossível, quando foi anunciado: traduzir, do texto grego, o conjunto da Bíblia, tradicionalmente conhecido pelo nome de Septuaginta, com apresentação, introdução e notas dos vários livros. Sobre a significação, a originalidade e as explicações acerca da Bíblia Grega, o tradutor encarregou-se de nos elucidar logo no Vol. I, consagrado aos Quatro Evangelhos, em 2016. Em 2017, surgiram o Vol. II, Apóstolos, Epístolas, Apocalipse, e o Vol. III, Os Livros Proféticos. Este, em Outubro. É o segundo acontecimento mais importante do ano para todos os que julgam que a ignorância do mundo bíblico não é obrigatória.
Francolino Gonçalves, O.P., morreu a 15 de Junho deste ano, na Escola Bíblica de Jerusalém, na qual viveu, investigou e ensinou, durante mais de 40 anos. Segundo alguns confrades, sofreu muito por não poder continuar as investigações do AT, que tinha em mãos, especialmente do universo profético, bíblico e extra bíblico, de que era um reconhecido especialista. Tenho muita pena que ele não pudesse acompanhar a obra impressionante de Frederico Lourenço, que lhe daria grande alegria.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Para as informações fundamentais sobre os mundos em que se formou e desenvolveu essa biblioteca, ver o amplo e rigoroso estudo de Francolino J. Gonçalves, Mundos bíblicos, Cadernos ISTA, n.º 18, 2005, pp 7-34.
[2] Ex 20,14; 22,15-16; Lv 20,10; Dt 5,21; 22, 22-29; Ez 16, 38-40.
[3] Cf. Francolino J. Gonçalves, professor da Escola Bíblica de Jerusalém e membro da Comissão Bíblica Pontifícia, As mulheres na Bíblia, Cadernos ISTA, n.21 (2008), pp 109-158
[4] Gal 3, 25-28
[5] Mc 10, 1-12 e nota ao v. 11.
[6] Jo 8, 1-11; cf. Frederico Lourenço, Bíblia, Vol. I, pp.357-360

sábado, 4 de novembro de 2017

Solidão e Liberdade



“Quem não Ama a Solidão, não Ama a Liberdade”

Arthur Schopenhauer

Revista Saúda - Natal é ter saúde e alegria

Marco Paulo
Ilídio António

Aposto sempre pela positiva. O negativo incomoda-me. A outros dará prazer, um prazer mórbido, porventura. Leio habitualmente a Revista Saúda, da responsabilidade das Farmácias Portuguesas. Traz mensalmente à baila temas muito interessantes, relatando casos de quem lutou, com sucesso, para vencer doenças e ultrapassar dificuldades. Estes relatos são, na minha ótica, estimulantes para quem está em situações complicadas. Tanto quanto sei, a revista é distribuída gratuitamente nas farmácias. E nos mesmos locais encontram-se regularmente números de edições mais antigas.
Na revista deste mês, com capa dedicada ao cantor Marco Paulo, fala-se do seu caso e da forma como enfrentou um cancro num rim,  há 20 anos. Mas também do seu amor à vida, e do Natal que significa, para ele, «ter saúde e alegria no coração». Destaca ainda a história de Ilídio António, 65 anos, encadernador e restaurador de livros, apesar de lhe faltar o antebraço do membro superior esquerdo. Mesmo assim, é um homem que abraça livros, título da reportagem.
Bons exemplos para muitos que se fecham, com medo da luta do dia a dia.
Quando forem à Farmácia, não se esqueçam de pedir a Revista Saúda.

Fernando Martins

Ler Revista Saúda 

A vida fascinante de Paulina Almeida


Fico sempre fortemente impressionado quando leio e medito sobre percursos de vida que escapam ao comum dos mortais, como eu, que se consolam com o trivial da existência. Não é por acaso, pois, que leio sofregamente jornais e revistas que exibem experiências de gente capaz de deixar tudo para correr mundo, dando muito de si a outras gentes e delas recebendo na mesma medida ou mais do que deram. 
Hoje, no suplemento Fugas do PÚBLICO, li uma reportagem escrita por André Vieira, cuja protagonista, Paulina Almeida, nos mostra como tem vivido a «viajar por um mundo em conflito para alimentar a ama dos outros». E não pretendo alongar-me mais, na certeza de que os frequentadores do meu blogue passarão de imediato ao link que dá acesso à história fascinante de Paulina Almeida.

Ler aqui 

NOTA: Imagem do PÚBLICO 

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Anselmo Borges — O Mágico de Auschwitz

Werner Reich
1. Eu nunca tinha visto o Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra com tanta gente, professores e estudantes. Mais de 600 pessoas. Para ver e ouvir um dos últimos sobreviventes dos campos de concentração, Werner Reich, conhecido como "o Mágico de Auschwitz", 90 anos. Ele, que "viu o pior do pior" - neles morreram 12 milhões de pessoas, não só judeus -, pediu: "Se virem algo errado, falem. Se não disserem nada, porque acham que não vos diz respeito, estão enganados."

2. Também fui convidado para dizer umas palavras. Mas o que é que se pode dizer numa circunstância destas, na presença de um sobrevivente do horror pura e simplesmente? Invade-nos o pudor. Lembrei-me da proposição 7 de uma das obras filosóficas fundamentais do século XX, Tractatus logico-philosophicus, de L. Wittgenstein: "Sobre aquilo de que se não pode falar devemos calar." Isso: fazer e guardar silêncio. Mas precisava de atender ao pedido e deixei três ou quatro notas. Fica aí o essencial.

2. 1. Visitei os campos de Dachau e de Auschwitz-Birkenau. São espaços sagrados, onde o que se celebra é a memória, a memória das vítimas inocentes. E que nunca mais se repita o que pura e simplesmente não pode ser, o que nunca devia ter acontecido...

2. 2. Joseph Ratzinger, chamado aos 17 anos para o serviço militar do Reich, foi desertor e prisioneiro dos americanos. Já o Papa Bento XVI esteve em Auschwitz e fez um discurso deveras dramático e emocionante: "Tomar a palavra neste lugar de horror, de crimes contra Deus e contra o ser humano sem precedentes na História, é quase impossível, e é particularmente difícil e deprimente para um cristão, para um Papa que procede da Alemanha. Num lugar como este faltam as palavras; no fundo, só há espaço para um atónito silêncio, um silêncio que é um grito interior para Deus: Porque te calaste? Porque quiseste tolerar tudo isto? Onde estava Deus nesses dias? Porque se calou? Não podemos perscrutar o segredo e o mistério de Deus, só fragmentos, e enganamo-nos quando queremos converter-nos em juízes de Deus e da História. O nosso grito dirigido a Deus tem de ser ao mesmo tempo um grito que penetra no nosso próprio coração para que desperte em nós a presença oculta de Deus, para que o poder que depositou nos nossos corações não fique coberto ou sufocado em nós pelo egoísmo, pelo medo dos homens, pela indiferença e pelo oportunismo." É necessário elevar esse grito até Deus particularmente no momento actual, "no qual parecem surgir novamente nos corações dos homens todas as forças obscuras: por um lado, o abuso do nome de Deus para justificar uma violência cega sobre pessoas inocentes e, por outro, o cinismo que não reconhece Deus e que ridiculariza a fé nele. Gritamos a Deus para que leve os homens a arrepender-se e a reconhecer que a violência não cria paz, mas suscita mais violência, um círculo de destruição no qual, no final de contas, todos perdem".

O Papa Francisco também esteve em Auschwitz. Como peregrino. Em silêncio. Não disse uma palavra.

2. 3. Já não é mais possível a poesia lírica, disse Theodor Adorno, da Escola Crítica de Frankfurt.

Afinal, o novo do horror sem precedentes dos campos de concentração foi a técnica ao serviço da morte, da morte em massa, o que obriga a pensar sobre o lugar da técnica e "a dialéctica do Iluminismo".

Transportados por esse horror, os autores da Escola Crítica de Frankfurt viveram atenazados pela "tristeza metafísica": por um lado, o Holocausto impedia-os de acreditar em Deus, por outro, sem Deus, o que fazer com as vítimas inocentes? Há um clamor que atravessa a História, pedindo justiça, há uma dívida incomensurável para com elas, porque são vítimas, inocentes, e não viveram. Sem Deus, quem paga essa dívida e salva? Por isso, invocaram a transcendência. Theodor Adorno escreveu: "Todo o pensamento que se não decapita desemboca na transcendência", Max Horkheimer escreveu Die Sehnsucht nach dem ganzen Anderen (o anelo pelo totalmente Outro), Walter Benjamin argumentou que a História não é pensável a-teologicamente, sem a teologia, e alentava uma "débil esperança messiânica".

2. 4. Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e prémio Nobel da Paz, com a mesma dialéctica: "Auschwitz não se pode compreender com Deus; Auschwitz não se pode compreender sem Deus... Auschwitz é o mais recôndito do mistério de Deus." Viktor Frankl, outro sobrevivente, deixou uma obra essencial: O Homem em Busca de Sentido. Nela, reflecte sobre o mais fundo do inconsciente: não é o prazer (Freud), não é o poder (Adler), mas precisamente a busca de sentido, e sentido final. O homem tudo suporta, se tiver um sentido para a vida. Constatou que sobreviviam os que ainda tinham um sentido para a sua existência. E notou que muitos entraram nos fornos crematórios - é o calafrio - com uma oração nos lábios. E teorizou sobre o sentido último em Deus, na obra Der unbewusste Gott (o Deus inconsciente).

2. 5. A religião é uma ilusão? Digo que a fé é sobretudo um combate, como reza esta espécie de testamento de um judeu que morreu em 1943 no gueto de Varsóvia, encontrado mais tarde: "Creio no Deus de Israel, embora ele tenha feito todo o possível para que não acredite... Deus ocultou o seu rosto ao mundo. As folhas em que escrevo estas linhas vou encerrá-las nesta garrafa vazia e escondê-la aqui entre os tijolos da parede, debaixo da janela. Se alguém a encontrar um dia e ler estas linhas, talvez entenda o sentimento de um judeu - um entre milhões - que morreu como abandonado de Deus, esse Deus no qual acredita tão firmemente."

2. 6. Os cristãos são discípulos de um crucificado, Jesus Cristo, que morreu gritando a Deus numa oração que atravessa os séculos: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?", e acreditam que ele está vivo em Deus, na vida plena de Deus.

Anselmo Borges no DN

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Georgino Rocha — Vós sois todos irmãos

Carta de São Paulo aos cristãos de Tessalónica


Jesus, perante a atitude dos fariseus, endurece o discurso. Deixa as parábolas, as perguntas pedagógicas, as respostas provocantes. Adopta um estilo directo. Dirige-se às pessoas, aos líderes do povo, aos mestres da Lei e oficiantes do culto. E faz um relato das suas principais atitudes para, em contraste, deixar claro aos discípulos como se hão-de comportar na nova comunidade que vai surgir.

Mateus organiza o discurso em duas partes: a primeira está centrada na denúncia da hipocrisia dos actuais responsáveis, ali representados; a segunda focaliza-se em três advertências que descrevem o estilo de vida anunciado por Jesus. (Mt 23, 1-12). E projecta a sua luz nas comunidades cristãs locais e na Igreja universal de todos os tempos. Luz que brilha com nova intensidade no modo de ser e de agir do Papa Francisco e de muitos outros. Oxalá que também em nós!

A denúncia é contundente: “Não os imiteis”. Dizem e não fazem. Impõem fardos aos outros e não os carregam. Gostam do espavento e da adulação. Puxam por títulos e honrarias. Tudo a encher o olho, mas o coração tem outros amores. Não seja assim entre vós. Apesar disso, Jesus aconselha a ouvir os seus ensinamentos, a observar o que prescrevem. Manifesta o respeito por quem se senta na cátedra de Moisés ou seja tem a responsabilidade de transmitir ao povo fielmente a mensagem bíblica, apesar da fragilidade.

A coerência de Jesus é clara. Mas a denúncia é mais eloquente e constitui espelho polido de quem sabe umas coisas e faz outras: apreciar a verdade e viver na mentira, conhecer o valor da assembleia dominical e não tomar parte na celebração da missa ou saber que é preciso comungar dignamente e não se importar com o estado da sua consciência, rectamente formada. O risco é, como adverte São Paulo, assinar o decreto da própria condenação. (I Cor. 11, 29).

O estilo da comunidade dos discípulos de Jesus contrasta radicalmente com o dos fariseus. “Sois todos irmãos”, declara o Mestre em tom solene. Para sempre. O que vai além disto é lixo que corrói o melhor da novidade cristã. A história, mesmo recente, regista uma longa lista de elementos corrosivos. E assim lança-se o descrédito sobre a beleza da mensagem, a fraternidade humana, o caminho de liberdade, o encanto do serviço por amor, a grandeza de ser o último por opção. E surge o desabafo acusatório: “Dizem, mas não fazer”.

A radiografia das vulnerabilidades dos cristãos e suas famílias, dos movimentos e comunidades, como outrora as dos judeus destinatários da profecia de Malaquias, hoje proclamada na liturgia, tem características bem descritas pelo Papa Francisco. Enumeram-se algumas referidas aos padres: O ministério vivido como actividade funcional; o rigorismo legalista; o perigo da banalização nas celebrações sacramentais; o ritualismo rigoroso; a escassa predisposição para a oração; a distância dos pobres, a escassa maturidade afectiva, o apego ao dinheiro, e muitas outras, a par de incontáveis exemplos de doação generosa e, por vezes, heroica. “Nos escritos do Papa pode encontrar-se o melhor mapa da realidade sacerdotal que há que renovar em cada dia”. (J. Rubio Fernandez, Homilética 2017/8, p. 641).

Paulo, na 1.ª carta aos cristãos de Tessalónica, mostra uma comunidade que vive o estilo novo preconizado por Jesus. A mãe que cuida dos filhos, em família, é escolhida para exemplo a imitar entre os cristãos: os que desempenham os diversos ministérios e serviços; e os que têm autoridade e os outros cristãos. “Pela viva afeição que vos dedicamos, desejaríamos partilhar convosco, não só o Evangelho, mas a própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós”, diz o autor da carta em comovente e entranhada relação de amor.

O contraste com a atitude dos fariseus é radical. Paulo vive o ensinamento de Jesus, sem restrições. A novidade cristã começa a brilhar e quer irradiar no mundo. Também hoje. E surgem notas típicas que nos ajudam a reacender a esperança. De acordo com os textos deste domingo, são de realçar as seguintes.

A primeira diz respeito à delicadeza de relação entre as pessoas e ao espírito de serviço das instituições eclesiais num mundo em que predomina o anonimato e a burocracia, a senha e a lista de espera. Os responsáveis pastorais, padres e leigos, estão chamados a fazer, pelo exemplo, o contraponto a esta engrenagem, a aquecer e libertar tantos corações tolhidos pelas circunstâncias e amarrados pelas normas.

A segunda está relacionada com a apresentação da mensagem. Em linguagem acessível, leve e apelativa. Ela é verdadeiramente a boa nova do Senhor para o seu povo. Convém evitar tudo o que possa desviar esta centralidade ou enfraquecer a sua frescura e atracção. Não tem cabimento qualquer culto à personalidade do mensageiro, embora constitua o seu rosto mais visível, a voz mais próxima, a ponte mais acessível com a realidade a iluminar e a coragem a refazer.

Paulo lembra que “foi a trabalhar noite e dia que vos pregamos o Evangelho”, o que suscita a gestão do tempo, as prioridades da agenda, a coordenação de reuniões. A este propósito seria bom trazer à nossa consciência perguntas como: Que atenção damos às pessoas doentes ou idosas, aos presos e privados de companhia, aos jovens desejosos de rasgar horizontes ao futuro e aos adultos absorvidos nas teias do presente. E quem cuida dos cuidadores, tão frágeis como qualquer outra pessoa responsável. O nosso tempo é gasto como tempo de Deus?

Ontem, realizou-se a “Caminhada pela Vida”. O Papa Francisco quis associar-se e enviou uma carta pessoal aos responsáveis, cristãos e outras pessoas amigas das grandes causas da vida, em que manifesta um só desejo: Que “apareçam sempre mais homens e mulheres de boa vontade que abracem corajosamente a verdade e valor que cada ser humano tem para Deus, sustentando tal verdade com factos e razões científicas e morais num dramático apelo à razão, para se voltar ao respeito de cada vida humana”, da concepção à morte natural, “na batalha contra o aborto, eutanásia e demais atentados à vida humana”. A defesa da vida constitui um campo excelente para provarmos que somos todos irmãos.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Andanças por Aveiro - 1


Nesta quadra, as castanhas assadas, quentes e boas, ali no olho da cidade, têm um sabor especial. Desta feita não me estreei, mas apetite não faltava. Estrangeiros miraram e remiraram o assador e aceitaram o desafio de saborear as nossas castanhas assadas com rigor e arte.




A casa Major Pessoa, hoje museu em todos os seus recantos, salas e saletas, merece uma visita com olhos bem abertos. Já lá fui diversas vezes, mas nunca me canso de apreciar a temática da arte nova, bem representada na cidade dos canais. Se puder, não deixe de a visitar.



O Fórum Aveiro é, presentemente, uma sala de visitas da urbe aveirense. No centro da cidade, torna-se passagem obrigatória para todos os moradores e visitantes, Há meses, passou por obras de melhoramentos muito significativos. Há zonas convidativas ao descanso. Ler um jornal ou um livro, e degustar um café quentinho, porque algum frio já obriga, traduz-se num prazer que apetece repetir.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Os meus santos no Dia de Todos os Santos


Celebra-se hoje, 1 de novembro, o Dia de Todos os Santos, os que a Igreja Católica proclamou dignos das honras dos altares, servindo de exemplo a todos os crentes e mesmo aos não crentes. Para além desses, muitos outros estarão sentados à direita de Deus Pai, crendo eu que muitos ocupam um lugar bastante especial nos corações de todos nós, naturalmente, por nos indicarem caminhos de verdade e de vida, alicerçados na Boa Nova de Jesus Cristo.
No meu dia a dia, tenho por hábito e devoção rezar por todos e quando o faço evoco acontecimentos vivenciados em comum, palavras amigas que deles recebi, conselhos que acolhi, comportamentos que me marcaram, gestos fraternos e caritativos que me despertaram para atitudes de serviço aos outros. São estes santos que hoje, de forma muito especial, celebro com ternura agradecida. 
Neste Dia de Todos os Santos, também celebro, de forma especialíssima, a memória dos meus pais e avós, padrinhos e madrinhas, tios e tias, primos e primas, vizinhos e amigos, mas ainda muitos dos meus professores, a minha mestra da catequese, alguns priores e padres, religiosos e religiosas, entre outros conhecidos, crentes e não crentes, que me despertaram para o valor da justiça, da fraternidade e da paz. Por todos eles, neste dia, elevo a Deus uma prece cheia de gratidão.

Fernando Martins

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Georgino Rocha — Sereis felizes por minha causa




«Felizes os que cultivam a mansidão e a humildade, sobretudo em situações de irritabilidade e violência, e optam pela intervenção directa não violenta, mas persuasiva e paciente. Em todas as situações, sobretudo na família e na escola, no ambiente de trabalho e de lazer. Sem esquecer o desporto e as suas claques. Mansidão que nos faz mais sensíveis à relação com as pessoas e a natureza, à contemplação do belo e da harmonia do universo, do sol poente e do abraço amigo.»


A liturgia da festa de todos os Santos faz-nos ver uma multidão imensa, que “ninguém pode contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas”. Identifica-os como os “melhores filhos da Igreja”. E garante que são para nós exemplo a imitar e apoio para a nossa debilidade. Eles alcançaram a meta e nos estamos a caminho, unidos pela paixão que dá sentido à nossa vida: Mostrar por acções que a novidade do Evangelho de Jesus humaniza as relações humanas e robustece os esforços de quem colabora na construção de uma sociedade de todos/as, em que a dignidade se espelha na liberdade responsável de cada um/a.

O caminho a percorrer é claramente indicado por Jesus aos discípulos e à multidão que o acompanha. Quer dizer é caminho para todos. Mateus apresenta-o no início do “manifesto” programático do Reino (Mt 5, 1-12) no cimo da montanha, estando Jesus sentado, como mestre, à semelhança de Moisés. E realça a fluência do discurso que, em sequência progressiva, proclama as vias concretas da felicidade. Vias relacionadas com as situações de vida presente, embora abertas ao futuro definitivo de Deus. E destaca a admiração dos ouvintes perante a clareza e a autoridade do ensinamento apresentado. Reacção que brota certamente do contraste com o que outros mestres faziam e se divulgava como modo normal de ser feliz. Reacção que, certamente, se verifica entre nós que queremos levar a sério as bem-aventuranças da felicidade. Vamos salientar o contraste possível que se encontra na leitura do Evangelho de hoje.

Felizes os que vivem em espírito de pobreza e sobriedade, relativizando a riqueza material e apreciando os valores de realização integral de todas as pessoas, valores que “não se compram, nem se vendem, não se pesam nem medem”. Valores que brotam de um coração educado e bondoso, que desenvolve as suas capacidades e as coloca ao serviço dos outros, necessitados de ajuda e atenção. É a felicidade que resplandece no estilo de vida e nas atitudes de Jesus como ele irá testemunhar no exercício da missão pública.

Felizes os que cultivam a mansidão e a humildade, sobretudo em situações de irritabilidade e violência, e optam pela intervenção directa não violenta, mas persuasiva e paciente. Em todas as situações, sobretudo na família e na escola, no ambiente de trabalho e de lazer. Sem esquecer o desporto e as suas claques. Mansidão que nos faz mais sensíveis à relação com as pessoas e a natureza, à contemplação do belo e da harmonia do universo, do sol poente e do abraço amigo.

Felizes os que têm lágrimas de solidariedade, de compaixão e proximidade para com os que sofrem, vítimas de maus tratos e de carências sem fim, sobretudo de amor compreensivo e libertador; lágrimas de revolta pacífica que gera as mais ousadas atitudes e despertam a letargia dos insensíveis e dos indiferentes, especialmente dos responsáveis por minorar os males verificados. A alegria do coração brota do compromisso com os débeis e ostracizados, como fica claro no exemplo de Madre Teresa de Calcutá.

Felizes os que escolhem percorrer os caminhos de justiça porque sentem o coração necessitado de mais e melhor que vem de Deus e quer ser repartido em medidas humanas. “Há uma íntima felicidade quando sentimos fome de Deus, fome de paz, fome de justiça, pois neste desejo se vislumbra a felicidade que, por vezes, vemos no sorriso de uma criança que tudo espera da sua mãe; ou de um idoso e de um doente que dependem de quem os cuida e aguardam um sorriso ou uma carícia”. J. Rubio Fernandez, Homilética, 2017/5, p. 628.

Felizes os que são misericordiosos, dão e recebem ajuda que humaniza, vence a dureza e a frieza do coração, abate muros e ergue pontes de comunhão, corre riscos de se deixar contagiar pela bondade que irradia de tantos rostos, às vezes, cheios de rugas de amargura e esquecimento. Deixar-se ajudar quando é necessário é experimentar a felicidade de ser frágil e estar dependente e proporcionar a outras pessoas a oportunidade de serem misericordiosos. Como os avós em relação aos familiares, os idosos em relação às gerações novas.

Felizes os que cuidam do coração e educam os desejos, apreciam a limpeza interior e a transparência, não pactuam com as intenções escondidas e malévola, abominam a mentira e o calculismo interesseiro, a cegueira que não olha a meios para alcançar os fins. O coração feliz tem outro bater e segue outro ritmo: o da simplicidade e da singeleza, da pureza no sentir e no ver, que são reflexo em nós do olhar de Deus.

Felizes os que promovem a paz assente no respeito pela justiça, que se pôem a caminho para dar e receber o perdão e promover a reconciliação, dos que estão prontos a sanar as feridas provocadas e ainda não cicatrizadas, as ofensas não reparadas. A felicidade dos violentos é efémera. A paz da consciência, fruto da compreensão recta das relações humanas à luz dos critérios do Evangelho, tem garantias duradoiras: “Serão chamados filhos de Deus”, afirma Jesus.

Felizes os que tém a coragem de ser coerentes com as consequências do bem feito e da justiça praticada, aceitando o sofrimento que lhes é imposto, e a perseguição que lhes é movida. O reino dos Céus brilha na sua atitude paciente e silenciosa que aguarda a vez e a voz de Deus a dar-lhes razão. Então será descoberta a verdade que certamente confundirá os intriguistas violentos.

Jesus conclui o seu ensinamento com uma certeza reconfortante: “Felizes sereis, quando por minha causa…disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa”. Como Ele, os que perdedores deste mundo são os verdadeiros vencedores. As bem-aventuranças são preciosos marcos do nosso caminhar. A festa de todos os Santos dá-nos a garantia de que é possível vivê-las agora. A celebração dos Fiéis Defuntos mostra-nos claramente que há um prazo para o fazer. Depois, será tarde. Sejamos coerentes com a mensagem que nos chega.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Ares de Outono — Voz de Outono de Antero de Quental

São Miguel - Açores
Voz de Outono

Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
— «Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima solidão,

Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel devesa,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!

Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,

(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor... que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» —

Antero de Quental,
in "Sonetos"

Nota:  Durante este ano de 2017, entraram em minha casa duas edições de Sonetos Completos de Antero de Quental. A primeira,  com prefácio de Ana Maria Almeida Martins,  e a segunda, de José Manuel dos Santos. Foram outros tantos motivos para reler os sonetos do grande Antero e para saborear os textos dos prefaciadores.
Ana Maria sublinha que «Sonetos Completos é uma das obras mais traduzidas de toda a literatura portuguesa», acrescentando que «Miguel de Unamuno referir-se-á sempre a Antero como “el autor de los immortales Sonetos […] Quental ha sido una de las almas más atormentadas por la sed de infinito, por el hambre de eternidade. Hay sonetos suyos que vivirán cuanto viva la memoria de las gentes”».
Por sua vez, José Manuel dos Santos diz, logo a abrir, que «Ler poesia é dar a um segredo a possibilidade de ser nosso. O livro que o leitor tem nas mãos esteve, desde a sua primeira edição, nas mãos de sucessivos leitores, que o leram como quem ouve uma voz que o silêncio atacou, mas não conseguiu possuir». E mais adiante refere: «Nos “Sonetos”, há a força feroz dos mares, o risco rápido do relâmpago e do raio, a rouquidão rupestre das pedras e dos penhascos.»
Aqui fica uma sugestão de leitura, integrada na rubrica Ares de Outono.

FM

domingo, 29 de outubro de 2017

Georgino Rocha: Cheguei. E agora?


O passageiro chega à estação. Vê partir o comboio da vida. Os seus companheiros prosseguem viagem. Ele fica. Só. A noite aproxima-se e quer envolvê-lo. Temores fugazes fazem-se sentir. Sem qualquer luz interior, começa a ficar amargurado. E agora?
Parece ouvir rumores suaves, ecos profundos da sua consciência peregrina. De vez em quando, brilha uma chispa do bem feito e que agora o acompanha. Reacende-se a esperança. Um outro horizonte vai-se desvendando na sua imaginação, alimentada pela bondade do coração. A paz do espírito regressa confiante. E adormece, em tão feliz companhia.
A memória ajuda a ver figuras conhecidas, pessoas amigas, rostos familiares. E o sorriso dos pais e dos irmãos brilha com uma intensidade deslumbrante. Ouve uma saudação, repetida vezes sem conta, enquanto estava a caminho. “Ainda bem que te encontro. Chegaste bem?! Olha para nós: Estamos felizes”.
Embalado, e com o olhar fixo, é surpreendido por uma outra presença: a de Maria, Nossa Senhora. Que belas recordações das festas que lhe faziam. Ela é a Mãe de todos os amigos de Jesus, seu Filho. Traz o seu manto aberto e é grande. Sente-se acolhido e aconchegado. Que boa experiência vai fazendo!
A iluminar o manto do aconchego, surge Jesus Cristo, discreto, manso e humilde, a querer fazer ouvir a sua voz: “Vem servo bom e fiel; entra na alegria do teu Senhor”. Sacia a aspiração do teu coração. Chegaste onde podes saborear o amor de doação. Incondicional. De modo novo e definitivo.
E a credenciar o que ouvia, vê erguer-se alguém semelhante às figuras descritas pelos evangelhos da Bíblia. Era Deus. Percebe que tem um sorriso contido, mas firme. E faz ecoar, como outrora no rio Jordão e no monte da Transfiguração, a sua palavra solene: Tu és meu filho muito amado. Reveste a roupa da festa que para ti está preparada. Alegra-se e exulta. Passou o tempo da tribulação. Agora estás em família. A viver as surpresas do meu amor. Ainda bem que chegaste!
O sonho dá lugar à realidade. As sementes lançadas no tempo surgem em frutos saborosos de eternidade feliz. E o poeta, em tom premonitório de sabedoria popular, vem lembrar: Tenho uma viagem marcada. Mas quando a faço não sei. Do que tenho não levo nada. Só levo tudo o que dei.

Georgino Rocha

Bento Domingues — Descongelar, protestar, agir


1. Espero que as últimas notícias de Fátima não sejam a viagem a Roma do bispo António Marto para agradecer a visita do Papa Francisco e a celebração da chegada ao Santuário de uma relíquia de João Paulo II. É de supor que lhe tenha agradecido, sobretudo, as admiráveis homilias feitas na Cova da Iria e tenha apresentado as medidas que o Santuário tomou, se é que existem, para fazer desses textos instrumentos da evangelização de Fátima. Para quando o abandono de invocações e orações muito pouco cristãs?
A doutrina católica não se pode guardar sem a purificar. Tudo o que é verdadeiramente cristão cresce, progride, tende continuamente para a plenitude, como Bergoglio acaba de lembrar, a propósito do XXV aniversário do Catecismo da Igreja Católica. A Tradição é uma fonte de vitalidade quando não é confundida com as tradições da preguiça, do “sempre assim foi”.
Como diz o Papa, só uma visão parcial pode conceber o “depósito da fé” como algo estático. A Palavra de Deus não pode ser conservada em naftalina, como se fosse uma velha manta que é preciso proteger das traças. É uma realidade dinâmica que progride e cresce. Tende para a perfeição. Ao sublinhar que “se fortalece com o decorrer dos anos, cresce com o andar dos tempos, desenvolve-se através das idades”, Francisco entra pelas arrojadas expressões de São Vicente de Lérins (séc. V) [1].
Em conversa com os jesuítas colombianos, o Papa argentino, foi ainda mais incisivo: não se pode continuar a ser formado como eu fui, numa filosofia escolástica decadente, bastante ridícula e que, depois, se traduzia numa pastoral dominada pela casuística.
A seguir, aproveitou uma pergunta desse diálogo para enfrentar os adversários que o caluniam e destacar o que, a seu ver, «deve ser dito por justiça e também por caridade. De facto, ouço muitos comentários – respeitáveis, porque de filhos de Deus, mas errados – sobre a Exortação apostólica pós-sinodal. Para compreender a Amoris laetitia é preciso lê-la do começo até ao fim (…). Alguns afirmam que a Amoris laetitia não tem uma moral católica ou, pelo menos, uma moral segura. Sobre isto gostaria de reafirmar, com clareza, que a moral da Amoris laetitia é tomista, do grande Tomás. Podeis falar sobre isto com um grande teólogo, entre os melhores e mais maduros de hoje, o cardeal Schönborn. Desejo dizer isto para que ajudeis quantos crêem que a moral é mera casuística. Ajudai-os a darem-se conta de que o grande Tomás possui uma riqueza imensa, capaz de nos inspirar ainda hoje» [2].
O acolhimento das relíquias de João Paulo II, em Fátima – todos os santuários estão carregados de relíquias –, não pode fazer esquecer um fenómeno muito curioso. Jesus de Nazaré não nos deixou nenhum resto do seu corpo nem da sua veste. As únicas relíquias de Jesus Cristo são as comunidades cristãs de hoje, em comunhão com as do passado. Frei Francolino Gonçalves, que viveu na Escola Bíblica de Jerusalém mais de 40 anos, como investigador e professor, indignava-se ao ver tantos grupos católicos, acompanhados de padres e bispos, a olhar para um túmulo vazio, esquecidos de visitar as comunidades cristãs da chamada Terra Santa. Procuram relíquias que não existem e ignoram as comunidades do Ressuscitado!

2. Nos dias 20-21, deste mês, realizou-se, na Universidade Fernando Pessoa, o Congresso (Re)Visões de Fátima. Como não pude estar em tudo, é impossível assinalar o alcance de todos os seus contributos no âmbito das ciências humanas, da teologia e da filosofia. A publicação das Actas marcará a novidade e a importância dessa multifacetada investigação fora do âmbito confessional.
Nos dias 21 e 22, participei no Encontro de formação do persistente Movimento «Fraternitas», uma associação privada de fiéis, constituída por Padres dispensados do exercício do ministério, casados ou não, e as suas esposas ou viúvas. Tem estatutos aprovados pela Conferência Episcopal Portuguesa. Goza de personalidade jurídica sem fins lucrativos.
Dito assim, continuamos na ignorância da significação da história da opção pelo casamento de muitos padres e dos seus heróicos esforços para continuarem membros activos, nas paróquias e nas dioceses, a partir da sua competência profissional e preparação pastoral. As resistências que encontraram e encontram em Portugal, e noutros países, fizeram de uma nova oportunidade evangelizadora, na linha do Vaticano II, uma perda irreparável [3].
O tema do Encontro de formação deste Outubro, realizado no Seminário Redentorista de V.N. de Gaia, vinha com este título: A “Igreja do Papa Francisco”- andamento, linhas, armadilhas…
Deixo aqui uma passagem do texto discutido por todos:
(…) Em contraste com o caloroso acolhimento que este Papa está a ter entre aqueles que se afastaram da Igreja ou de quem a Igreja se afastou, os participantes no encontro concluíram que, entre nós, está a verificar-se uma resistência passiva contra as suas orientações doutrinárias e pastorais. Mesmo que não se trate de resistência, é preocupante verificar como os documentos do Papa caem rapidamente no esquecimento ou não têm a repercussão que se esperaria. Por exemplo, a maioria das publicações da Igreja está a dar um lugar quase irrelevante às luminosas catequeses papais contidas nas suas múltiplas intervenções e nas homilias proferidas em Santa Marta.
Frente a movimentos organizados de resistência aos documentos programáticos do Papa, torna-se preocupante verificar que os órgãos hierárquicos da Igreja, designadamente a Conferência Episcopal, não tomem uma posição pública de defesa clara das orientações pastorais por ele protagonizadas. Numa altura em que se avolumam ataques tão ruidosos ao nosso Papa, este silêncio torna-se inaceitável, pois está a lançar uma grande perplexidade entre muitos sectores do Povo de Deus, que esperavam, dos seus pastores, sinais mais insofismáveis de comunhão com o Papa.

3. Por causa dessa resistência passiva, pouco se ligou à Carta Encíclica Laudato Si (2015) que podia ter sido um instrumento de mobilização dos católicos para cuidarem, nos seus locais de habitação e trabalho, de um bem que é de todos. Falamos de direitos, mas esquecemos os deveres [4] de cada pessoa, entregando tudo à responsabilidade do Estado.
Voltaremos a este tema.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Cf L’Osser. Romano, 19.10.2017, pp.11-12
[2] Ib., p. 12
[3] Cf. para a história, Alípio Martins Afonso, Cónego Filipe de Figueiredo, Homenagem vivencial da Fraternitas Movimento, Águeda, 2010; espiral boletim da Fraternitas Movimento.
[4] Declaração Universal dos Deveres Humanos, Proposta do InterAction Council, 1. Setembro. 1997. Edição Pro Dignitate, Fundação de Direitos Humanos.