terça-feira, 14 de agosto de 2007

FOLCLORE NA PRAIA DA BARRA





CULTURA POPULAR
PARA SER VISTA E APOIADA

Vai realizar-se, no próximo sábado, dia 18, o X FESTIVAL NACIONAL DE FOLCLORE “PRAIA DA BARRA 2007”, com organização do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré. Trata-se de iniciativa já com raízes no Verão da muito frequentada praia que tem como símbolo maior o mais alto Farol de Portugal, com os seus 66 metros acima do nível do mar.
À sombra dele, vai ter lugar, então, mais um festival de folclore, uma boa razão para todos os veraneantes, e não só, poderem deliciar-se com a beleza da cultura popular portuguesa, que merece ser apreciada e apoiada, para permanecer como matriz da nossa identidade nacional.
Às 17.30 horas, os grupos convidados serão recebidos na Casa Gafanhoa , uma casa-museu representativa de lavrador rico dos primórdios do século XX, havendo na altura uma cerimónia de boas-vindas e entrega de lembranças. Depois do jantar, na Escola Preparatória da Gafanha da Nazaré, haverá o desfile, pelas 21.30 horas, junto ao Molhe Sul, iniciando-se o festival pelas 22 horas.
O convite aqui fica, na certeza de que, as gentes da região, com os muitos veraneantes, saberão aplaudir as danças e cantares de diversas zonas do País.

domingo, 12 de agosto de 2007

Centenário de Miguel Torga

UM ESCRITOR SEMPRE VIVO
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Se fosse vivo, Miguel Torga faria hoje 100 anos. Na tranquilidade deste domingo, os seus admiradores podem muito bem dedicar-lhe alguns momentos, com a leitura de um ou outro texto, quiçá de um poema tão simples quanto inspirado. Mostram, assim, que o poeta permanece vivo nos que o admiram.
Homem de temperamento difícil, tão agreste como as penedias do seu Marão, tinha na alma a simplicidade de uma criança e uma ternura ímpar que reflectia em muito do que escrevia, quer em prosa quer em verso.
Não gostava de dar entrevistas nem autógrafos, não gostava de festas sociais nem de grandes convívios, mas gostava de calcorrear as serras do seu Reino Maravilhoso que tanto retratava na sua extensa e diversificada obra.
Coimbra vai abrir hoje a casa em que viveu, durante 40 anos, na cidade dos doutores, nos Olivais, revelando, com ela, algumas facetas da sua riquíssima sensibilidade.
Penso que no futuro e a partir de hoje todos teremos que meter nas nossas agendas este destino, talvez para descobrirmos um pouco mais a alma deste escritor multifacetado.
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Um poema de Miguel Torga
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UM POEMA
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Um poema, poeta!
É o que a vida te pede.
A fome diligente
Colhe
E recolhe
Os frutos e a semente
Doutros frutos.
Junta à fecundidade
Da natureza
Os frutos da beleza...
Versos grados e doces
Na festa do pomar!
Versos, como se fosses
Mais um ramo, a vergar.

Ares do Verão




COSTA NOVA SEMPRE RENOVADA
:
A Costa Nova do Prado, uma sala de visitas do concelho de Ílhavo, não perde a oportunidade de se renovar cada ano, para melhor receber os veraneantes que de todo o lado aparecem para retemperar forças e para criar ânimo para mais um longo período de trabalho, sempre desgastante. Passem por lá e digam-me se não é assim.
É certo que, para alguns, tudo está mal, mas não é verdade. Há que melhorar aqui e ali, há que criar novos motivos de interesse, mas já existem muitas razões para justificar uma visita ou uma estada nesta praia de tantas tradições.
Com o Verão incerto e enevoado como hoje, até parece que não vale a pena sair de casa. Penso que logo mais tudo se recomporá, o Sol surgirá com força e não hão-de faltar velejadores na ria, nem bancos para uma pessoa se sentar e ficar a.... meditar no bom que a vida tem.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 36

O EXPEDIENTE DO FUNDADOR

Caríssima/o:


Outro passeio teve lugar mas para Sul: Batalha? Alcobaça?
Em Peniche nos detivemos e avistámos, ao longe, as Berlengas - as maiores ilhas junto à costa portuguesa e sempre ilhas de encantamento. E de encantados nem nos apercebemos do forte que se quedava à nossa frente – creio mesmo que nem sabíamos o que se passava dentro daqueles muros...
Assim como o nosso contador de lendas: começa a falar de queijos e segue até pôr as medas a andar!

«1. Pois é, alguns dizem que não sabem onde fica Penela, mas se se lhes fala do Queijo do Rabaçal, têm uma clara ideia onde o podem ir buscar... no supermercado! Pois um queijo « de crosta lisa e coloração amarelo-palha, pasta ligeiramente untuosa, com alguns olhos e, por vezes, deformável. O seu sabor é suave, limpo e muito característico». Mas quem se lembrou de trazer para aqui a lenda deste queijo? E já tem foros disso este magnífico produto da Serra de Ansião!

2. Ah, mas o fantástico em Penela pode ser julgado por aqueles dois altos montes que se confrontam. Sabiam que eram de Penela aqueles dois manos gigantes, um chamado Melo e outro Gerumelo? Ambos ferreiros, montaram oficina cada um em seu monte. Porém, como só tinham um martelo, atiravam-no entre si, conforme precisavam. Ora um dia o Gerumelo estava de péssimo humor e, quando o irmão lhe gritou a pedir a ferramenta, mandou-a com tal força que o martelo se desencaixou no ar. E a maça de ferro caiu no sopé do monte irrompendo logo uma fonte de água férrea, hoje ao pé da antiga povoação da Ferretosa – hoje Fartosa, que as pessoas só estão bem a dar cabo das palavras!-, enquanto o cabo, que era de zambujo, caiu mais longe, enraizou-se e deu origem a um zambujal, que ao lado tem a sede da freguesia do Zambujal!

3. Jamaut, autor de uma monografia do município (1915), conta assim a lenda do castelo:

D. Afonso Henriques, querendo reaver os castelos de Sobral e Penela, de que os árabes se haviam apoderado em 1127, arranjou uma manada de bois que enfeitou com ramos de árvores, e entre eles os seus guerreiros do mesmo modo e seguiram o caminho de Penela.
Junto das ameias do castelo, a filha do governador do castelo catava-o, quando viu aproximar-se a emaranhada ramagem, e perguntou:
- Meu pai, as moitas andam?
Ao que ele respondeu:
- Tu és doida, filha! Cata! Cata!
À terceira vez que a filha lhe fez esta pergunta, de que obtinha invariavelmente a mesma resposta, replicou-lhe:
- Mas eu vejo-as andar!...
Então, o pai reparando, conheceu o ardil e o grito de Alah-Huachbar ressoou por todos os cantos, mas em vão, porque as esforçadas hostes portuguesas forçando a praça a retomaram depois de porfiada luta.
Os mouros retirando-se, deixaram a sua passagem assinalada por grande número dos seus combatentes que ficavam estropiados, e de enraivecidos destruíam tudo quanto encontravam na sua passagem: pães, vinhas, olivais, etc.» [V. M., 197]


E que, onde quer que nos encontremos, saibamos viver o encantamento da nossa vida!


Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


RELIGIOSO E SAGRADO:
DEUS NÃO É RELIGIOSO


O que, do ponto de vista biológico, une a Humanidade é a inter-fecundidade. Do ponto de vista espiritual, o que a une é a pergunta radical pela totalidade e o seu sentido. O Homem é o animal que pergunta pelo seu ser e pelo ser.
A razão humana não cria a partir do nada. Ela constrói a partir do dado e, feito todo o seu percurso, sabe que acende a sua luz na noite do Mistério. Se pergunta, é porque ela própria é perguntada pela realidade, que é ambígua. Precisamente na sua ambiguidade, provocando, por isso, espanto positivo e negativo, a realidade e a existência convocam para a pergunta radical: o que é o Ser?, o que é o Homem?
Quando, na evolução, se deu a passagem do animal ao Homem, apareceu no mundo uma forma de vida inquieta que leva consigo constitutivamente a pergunta pelo sentido de todos os sentidos, portanto, a pergunta pelo sentido último. A dinâmica religiosa deriva da experiência de contingência radical e da esperança num sentido final. A mesma experiência tem um duplo pólo: a radical problematicidade do mundo e da existência e a referência em esperança a uma resposta de sentido último, plenitude, felicidade, orientação, identidade, salvação.
Este domínio da busca de sentido aparece de modo tão central na vida humana que a História da Humanidade não se compreende sem a História da Consciência Religiosa, não sendo de esperar o fim da religião e das religiões.
Neste contexto, não é ousado afirmar que todo o ser humano é religioso, na medida em que é confrontado com a pergunta pela ultimidade. Só poderíamos falar de irreligiosidade no caso de alguém se contentar com a imediatidade empírica, recusando todo e qualquer movimento de transcendimento.
Concretizando, aprofundando e expressando este movimento de religiosidade, aparecem as diferentes religiões, sendo necessário, aqui, sublinhar que a categoria primeira, no quadro do universo religioso, não é Deus, mas o Sagrado. Numa fenomenologia da religião, deve distinguir-se entre religioso e Sagrado. O religioso é o pólo subjectivo e diz respeito à atitude do Homem, nos aspectos intelectual, moral e cultual, frente ao Sagrado. Precisamente o Sagrado ou Mistério enquanto pólo objectivo é o referente último das várias religiões.
É esta distinção que permite, no limite, perceber que, por paradoxal que pareça, possa haver e haja de facto quem seja ao mesmo tempo religioso e ateu. É religioso porque, como diz a própria etimologia da palavra (religião, de relegere, segundo Cícero - recolher, revisitar, reler - ou religare, segundo Lactâncio - ligar), vive-se vinculado ao Sagrado, àquela Ultimidade que o Homem não domina nem possui. Mas, por outro lado, ateu, porque, figurando o Sagrado ou a Ultimidade como anónimo(a) - pense-se, por exemplo, na Natureza, não enquanto Natureza naturada, mas enquanto Natureza naturante, Força e Fonte divina impessoal donde procede tudo quanto vem à luz -, não pode haver uma relação pessoal com ele ou com ela, não se lhe pode rezar nem se espera a salvação num encontro pessoal.
Isto significa, por exemplo, que as guerras religiosas estão do lado do pólo subjectivo religioso e não do lado do pólo objectivo, que é o Sagrado. Também se entende que o fundamentalismo é mesmo idolátrico. Porquê? Há fundamentalismo sempre que alguém ou alguma instituição pretendem dominar a Ultimidade. Ora, ninguém possui o Fundamento, é ele que nos tem a nós.
Percebe-se agora este mimo de estória, contada pelo escritor israelita Amos Oz, no seu livrinho Contra o Fanatismo. Alguém encontra Deus. "E tem uma pergunta a fazer-lhe, uma pergunta crucial, sem dúvida: 'Querido Deus, por favor, diz-me de uma vez por todas: Qual é a fé verdadeira? A católica romana, a protestante, talvez a judaica, acaso a muçulmana? Qual fé é a verdadeira?' E, nesta estória, Deus responde: 'para te dizer a verdade, meu filho, não sou religioso, nunca o fui, nem sequer estou interessado na religião'."
Realmente, o Homem é que é religioso. Deus já é nome pessoal do Sagrado e não põe a questão de Deus.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A sociedade é injusta

A TELENOVELA CONTINUA O caso da criança britânica desaparecida no Algarve, há 100 dias, continua a mobilizar a comunicação social do mundo ocidental. É espantoso como um tema, dramático, sem dúvida, consegue preocupar tanta gente, numa ânsia incontida de se descobrir a verdade. Graças, também, à acção constante dos pais, que não se têm poupado a esforços para tornar conhecido o seu drama. Não estou, naturalmente, contra o envolvimento dos meios de comunicação social, que considero legítimo e necessário, nem contra outras instituições que, do mesmo modo, se preocupam com o desaparecimento da menina, numa zona de férias do Algarve. O que me choca, isso sim, é que as muitas centenas de crianças desaparecidas nos últimos tempos, um pouco por toda a parte, não tenham merecido as mesmas preocupações e o mesmo tratamento policial e jornalístico. Vivemos, pelo que se vê, numa sociedade injusta, onde há, nitidamente, pessoas de primeira e de segunda, quando se prega que toda a gente deve ter tratamento igual, em circunstâncias iguais ou parecidas. Esta menina já mereceu da comunicação social do nosso País, seguramente, mais cobertura mediática do que todas as crianças portuguesas desaparecidas. E, pelos vistos, a telenovela vai continuar… até aparecer outro assunto que faça vender notícias e reportagens.Não seria mais prudente deixar trabalhar a polícia sem tantas pressões? F.M.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Um livro de Laurinda Alves





ATITUDE XIS
– Um olhar positivo sobre a vida –

Em edição da "Oficina do Livro", veio a lume mais uma obra de Lau-rinda Alves, conhecida jornalista que aposta, intransigentemente, num jornalismo pela positiva. O livro, "ATITUDE XIS – um olhar positivo sobre a vida", é um dos que merecem e precisam de ser lidos em qualquer circunstância, sobretudo nas férias, tempo mais dado à reflexão.
"ATITUDE XIS" recolhe os editoriais escritos na "XIS", revista que se publicou aos sábados e veio integrada no "PÚBLICO", durante dois anos. Li-os todos e sempre colhi neles ensinamentos e sugestões para a vida, tão pertinentes os achei.
Na apresentação desta obra, em jeito de prefácio, o padre e poeta José Tolentino Mendonça, personalidade da Igreja e do mundo da cultura que também tanto admiro, diz que “Há palavras que representam mais do que um sublinhado: são epifanias. Quer dizer: revelam, desdobram, abrem o mundo, cúmplices do seu pulsar inacabado e misterioso”. Pois é verdade. Ler texto após texto é sentir que há um mundo infinitamente belo e bom que vale a pena cantar e interiorizar, para depois o exteriorizarmos à nossa volta, numa cumplicidade repleta de gestos positivos e de mãos dadas com quem acredita numa sociedade mais fraterna e em construção permanente.
Nestas férias, já li e reli alguns textos e não resisto a recomendá-los aos meus amigos, na certeza de que vão gostar. E se é verdade que nestes tempos de lazer há horas para tudo, então não deixe de apreciar este livro de Laurinda Alves.
Como aperitivo aqui fica um texto, tão simples quanto belo:


GOSTO MUITO...



Gosto muito
da lua cheia
do silêncio puro
da geometria da minha rua
dos dias compridos
de abraços demorados
de sorrisos no elevador
de pessoas autênticas
de conversas eternas
das janelas todas abertas sobre o rio e a cidade
de luzes baixas e amarelas dentro de casa
de quadros grandes
da cor do fogo
de todas as estrelas do céu
do sol da manhã e da luz do dia
do barulho do mar ao entardecer
da maré vazia ao fim do dia
do vento quando deixa marcas na areia lisa
do rumor vegetal das folhas nas árvores
do manto lilás das folhas de jacarandá que cobre o chão
de coincidências, surpresas e milagres
de ver pessoas felizes
de olhos que riem
de cidades grandes com rio
da voz dos que amo
de estar calada
da casa cheia de amigos
de jantares improvisados
de ouvir tocar piano e violino sempre
de ficar abstracta, às vezes
de livros e de poetas
de acordar tarde
de certas rotinas
de me esquecer das horas
da areia da praia ao meio dia, quando está a ferver
das vozes descombinadas no ar nas tardes de calor
do rapaz que passa na mota, ao meu lado
de quando sai a correr para a última fotografia com a luz do dia
dele muito mais do que ninguém
de saber que ele sabe isso
gosto da luz dourada do entardecer reflectida nos seus olhos
gosto da intimidade
da verdade e da cumplicidade
de templos e lugares sagrados
de horizontes líquidos
do azul infinito
de riscos brancos no céu
da cor púrpura do entardecer
de histórias de pessoas
de descobrir umas mãos fortes
de ir mais longe com alguém
dos que rezam comigo
da lua árabe só com uma estrela, no alto do céu
de ficar em casa, embalada nos barulhos da casa
de ainda ter comigo todos os que mais amo
de adormecer e de sonhar acordada
de amar e ser amada
de ser alguém especial
do amor dos amigos também
de estar com eles na praia até ser noite
de tantas outras coisas
e da vida, todos os dias.



Laurinda Alves,
In "ATITUDE XIS – um olhar positivo sobre a vida"

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Poesia na cidade


MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,
quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa


:
NOTA: Sempre me sensibilizou a poesia na cidade. Para além de mostrar bom gosto, a poesia molda-nos a alma e reflecte a arte que anda dentro de nós. De quem a publica e de quem a lê.
Um monumento singelo dedicado aos gafanhões que fizeram do mar o seu modo de vida, ali no centro da cidade, mesmo em frente à sede da Junta de Freguesia, mostra que Fernando Pessoa também é lido e apreciado nesta terra de ria e mar. Por isso, aqui fica uma foto do monumento e o poema que o ilustra tão bem.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Ares do Verão







Imagens da Costa Nova


COSTA NOVA COM CHEIRO A VERÃO

Passei hoje pela Costa Nova, para olhar e apreciar um pouco o ar de Verão que por lá existe. Vi gente um pouco de toda a parte, denunciada por linguajares diversos. Gente que caminha descontraída, que fala alegremente, que olha extasiada para a laguna, que se encosta para ver quem passa, que se refresca nas esplanadas, que enfrenta o vento agreste que hoje se fez sentir, que não foge às nuvens de areia que a ventania arrastava pela praia. Gente que se abrigava à sombra das árvores, que cirandava pela relva fresca, que estava por estar.
Boas férias para todos.

Os meus contos

O Piteira
Toda a gente da aldeia conhecia o Piteira. Era uma figura típica que não passava despercebida a ninguém. Não que fosse um artista, um pai de família exemplar, um proprietário de nome reconhecido na praça, um político de palavra fácil. Nada disso. Era simplesmente um “alma de Deus” e um ébrio incorrigível. Magro, pele tisnada pelo sol e pelos ventos salgados da maresia, beata ao canto dos lábios, sempre do lado esquerdo, boné à marinheiro, olhos bem abertos para o infinito, nunca fitava de frente fosse quem fosse, falava sem tino a maior parte do dia e até de noite. Pregava sermões não se sabe a quem, de quando em vez, mas não se conheciam animosidade de sua parte. Bebia tinto, sempre tinto, que outras bebidas o seu estômago não aceitava. Faziam-lhe azia, dizia a quem procurava saber o porquê dessa discriminação. Só o tinto, pois, e a qualquer hora, fazia dele um bêbado famoso nas redondezas. Mas era um bêbado cordato. Não se notavam nele tendências agressivas, não armava zaragatas e até fugia delas, não discutia com ninguém e frequentemente respondia, a quem o interpelasse com menos delicadeza, “quem está, está; quem vai, vai”. O Piteira deambulava pela aldeia, ao deus-dará, indiferente a tudo e a todos, à chuva e ao vento, ao frio e ao calor. Como quem busca qualquer coisa que sabe difícil de encontrar. E a quantos teimavam em saber a razão de ser da sua vida, o porquê de gostar tanto do tinto, respondia com o silêncio e com olhares mortiços. Às vezes indiferentes e não raramente altivos. Conjecturava-se sobre algum desgosto de amor, sobre alguma revolta social, sobre algum complexo que o amarfanhava. Mas a tudo isso o Piteira respondia do mesmo jeito, como quem não deve nada a ninguém: - Gosto de vinho, porque sim! – foi a única explicação que um dia deu, não se sabe porquê. Na família do Piteira não havia alcoólicos. Gente simples, trabalhadora, honesta, pacata, não gostava que o seu Piteira desse má nota dos seus. Mas nem por isso deixava de mostrar estima por ele, aceitando-o quando aparecia e dele cuidando com carinho. O Piteira comia pouco em casa de uns e de outros familiares. Nunca de amigos, que também os tinha. Às refeições bebia água, simplesmente. Depois de comer, senta-se num banco tão velho como ele, perto de uma figueira ainda mais antiga, do tempo dos seus avós. Por ali se quedava, pensativo e calado. Via os sobrinhos mais pequenos e deles se ria do que faziam e diziam. Com os mais crescidotes, embevecido, talvez recordasse os anos em que foi moço de salinas, onde trabalhava de sol a sol à torreira do calor abrasador e salgado. Em certos dias, sem sal para raer e para encher os montes nas eiras, o marnoto não lhe perdoava o não ter que fazer e lá o levava para as tarefas agrícolas no aido grande. Animava-o apenas o sorriso lindo e o ar donairoso das duas filhas do patrão, a Ermelinda e a Maria Rosa, que por ali passavam de quando em vez. Só por isso, valia bem esse esforço não remunerado do Piteira, em dias de tempo chuvoso ou sem sol que desse sal. Depois, num repente, saltava do banco e voltava às suas caminhadas, sem horizontes e como que perdido no tempo. Alheio a tudo, com a prisca ressequida e eternamente apagada que nunca lhe caía do canto esquerdo dos lábios gretados. Nos tascos por onde passava, inevitavelmente, havia sempre quem lhe oferecesse um copito de três, que ele engolia num trago e sem agradecer. Um aqui, outro ali, e tanto bastava para manter em alta o nível alcoólico que fazia do Piteira um doente crónico. Certo dia, um amigo, aproveitando ocasião de alguma lucidez, avançou com a ideia de o Piteira se tratar. Sempre podia ficar com mais saúde; o tratamento seria fácil; umas simples pastilhas receitadas por um médico seriam uma ajuda preciosa para começar a ter fastio pelo vinho. Depois poderia levar uma vida normal, com trabalho para não sobrecarregar ninguém; nem faltariam amigos e familiares que o amparassem, se estivesse de acordo. Até poderia casar e constituir família! Quando ouviu as palavras casar e família, o Piteira explodiu, como nunca ninguém o viu. Berrou sem nexo, praguejou com gestos agressivos. E fugiu. O Piteira saiu de cena na aldeia. O povo e a família estranharam a sua falta. Questionaram-se sobre o que teria acontecido ao Piteira: Por onde andará? Onde estará? Terá morrido com mais uma bebedeira mais forte? A polícia foi alertada e até apelos nas missas se repetiram. As buscas começaram. Ria e seus canais, cantos e recantos da aldeia foram batidos sem êxito. Terras vizinhas associaram-se às buscas. E nada. Quando a ideia da morte era ponto assente, o Piteira surgiu à luz do dia. Mais magro, com ar cadavérico e sem sinais de tinto. Lúcido. A família acolheu-o como filho pródigo. O nosso homem não deu explicações. Ninguém lhas pediu. O Piteira acamou em estado de exaustão. Recusava a comida. Esperava-se o pior. O médico bem receitou, mas o Piteira recusava sistematicamente os xaropes. A família, que o rodeava com muito carinho, pressentiu a hora da partida para a última caminhada. A vida esvaía-se lenta e firmemente. O Piteira, com a voz sumida, entrava em agonia. – Quero ver a Ermelinda… Quero ver a Ermelinda… – foram as suas últimas palavras. Fernando Martins

Citação

"Há duas espécies de homens: os justos, que se julgam pecadores e os pecadores que se crêem justos"
Blaise Pascal (1623-1662) Filósofo e Matemático francês
:
In Citador

AVEIRO: Efeméride

Igreja da Misericórdia, que já foi Catedral de Aveiro



7 de Agosto de 1808

“Na importante procissão de penitência que nesta data se realizou desde a catedral – que era na igreja da Misericórdia – até à igreja do Mosteiro de Jesus e fora ordenada dois dias antes, o virtuoso bispo de Aveiro, D. António José Cordeiro, seguiu o andor com a veneranda imagem do Senhor “Ecce-Homo”, caminhando descalço e humildemente despido das vestes pontificais e com uma corda ao pescoço.”

In Calendário Histórico de Aveiro,
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

NOTA: D. António José Cordeiro foi Bispo de Aveiro entre 1800 e 1813. em 1802 publicou “uma célebre carta pastoral, notável pela erudição e pureza de estilo, primorosa na doutrinação cristã e inspiradora de documentos morais de outros prelados … e, durante as cruéis Invasões Francesas, surpreendentemente se manifestou como intrépido defensor de Aveiro e da sua região, fazendo frente aos ‘opressores do povo e inimigos da Pátria e da Religião’”.

In Os Bispos de Aveiro e a Pastoral Diocesana,
de João Gonçalves Gaspar

domingo, 5 de agosto de 2007

Um poema de João de Deus


ADORAÇÃO

Vi o teu rosto lindo,
Esse rosto sem par;
Contemplei-o de longe mudo e quedo,
Como quem volta de áspero degredo
E vê ao ar subindo
O fumo do seu lar!

Vi esse olhar tocante,
De um fluido sem igual;
Suave como lâmpada sagrada,
Benvindo como a luz da madrugada
Que rompe ao navegante
Depois do temporal!

Vi esse corpo de ave,
Que parece que vai
Levado como o Sol ou como a Lua
Sem encontrar beleza igual à sua;
Majestoso e suave,
Que surpreende e atrai!

Atrai e não me atrevo
A contemplá-lo bem;
Porque espalha o teu rosto uma luz santa,
Uma luz que me prende e que me encanta
Naquele santo enlevo
De um filho em sua mãe!

Tremo apenas pressinto
A tua aparição,
E se me aproximasse mais, bastava
Pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
Não é amor que eu sinto,
É uma adoração!

Que as asas providentes
De anjo tutelar
Te abriguem sempre à sua sombra pura!
A mim basta-me só esta ventura
De ver que me consentes
Olhar de longe... olhar!

João de Deus

Citação: Sophia de Mello Breyner Andresen

"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'
:

Diocese de Aveiro

BISPO DE AVEIRO
ANIMA PASTORAL
DE FÉRIAS



Mantendo a tradição iniciada pelo seu antecessor, D. António Marcelino, o Bispo de Aveiro, D. António Francisco dos Santos, está já a levar à prática a pastoral de férias, no Verão, com encontros e celebrações nas zonas de veraneio da área da Diocese de Aveiro.
Como temas fundamentais da pastoral de férias, para este ano, D. António Francisco pretende exalta os valores do espírito, que dão sentido e esperança à vida. Assim, o Bispo de Aveiro vai apostar em sublinhar o valor, a beleza e a riqueza da vida na sua plenitude, mas também a importância da família, como santuário de vida e garantia do amor.
Por outro lado, quer lembrar a importância da vocação, como desafio que abre caminhos ao ideal do ser humano e à sua capacidade de opção na fidelidade a Deus. Ainda deseja estimular a vivência da solidariedade, como valor intrínseco do cristianismo, que não pode parar, enquanto houver alguém em pobreza, em sofrimento ou em solidão.
:
Vagueira
5 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Senhora da Boa Hora, 9h
6 de Agosto
Encontro/reflexão, 21h30

Torreira
11 de Agosto
Eucaristia na igreja paroquial, 19h
12 de Agosto
Eucaristia na igreja paroquial, 8h e 11h
13 de Agosto
Encontro/reflexão, 21h30

Fermentelos
14 de Agosto
Eucaristia na Festa da Nossa Senhora da Saúde, 21h

Cúria
15 de Agosto
Encontro nas Termas

Albergaria-a-Velha
19 de Agosto
Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora do Socorro, 11h

Barra e Costa Nova
25 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Barra, 19h
Eucaristia na Igreja da Costa Nova, 21h30
26 de Agosto
Eucaristia na Igreja da Costa Nova, 9h30
Eucaristia na Igreja da Barra, 11h
27 de Agosto
Encontro/reflexão na Costa Nova