Mostrar mensagens com a etiqueta Religião. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Religião. Mostrar todas as mensagens

sábado, 17 de julho de 2021

Ética e religião

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Anselmo Borges 
Aí está um tema cujas relações precisam de esclarecimento, nem sempre fácil. Várias vezes aqui referi a Declaração sobre Ética Mundial, assinada em Setembro de 1993, em Chicago, por representantes das grandes religiões e movimentos religiosos do mundo. Nela se escreve que há princípios éticos fundamentais e universais em que, desde que se preste atenção, as pessoas religiosas estão de acordo: "Não matarás, não mentirás, não roubarás, não abusarás da sexualidade." Deverá mesmo afirmar-se que historicamente a moral deriva das religiões, estas foram estabelecendo regras morais.
No entanto, o próprio teólogo Hans Küng, que faleceu em Abril deste ano, principal responsável pela Declaração, reconheceu que também sem fé em Deus se pode ter uma atitude ética: um agnóstico ou um ateu podem "assumir perfeitamente a totalidade da Declaração sobre ética mundial". A moral é autónoma.
Do ponto de vista histórico, é sabido que as religiões também propuseram ou defenderam comportamentos que hoje consideramos imorais. Qual é, por exemplo, a religião que não tem responsabilidade alguma em guerras por motivos religiosos? É incontável o número de pessoas que ao longo da história viram a sua vida torturada e envenenada pela religião.

domingo, 12 de janeiro de 2020

A pessoa e a dinâmica religiosa (1)

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias


"O Homem é o animal que pergunta pelo seu ser e pelo ser. A razão humana não cria a partir do nada."

O que é a religião? O que deve entender-se por pessoa religiosa? Onde se fundamenta a religião? Qual é o dinamismo que está na base das religiões? Porque há religião/religiões?
Toda a religião tem que ver com a ética e também com a estética. Hegel viu bem quando afirmou que a arte, a religião e a filosofia estão referidas ao Absoluto. A pergunta é, como escreveu o filósofo J. Gómez Caffarena, se a ética, a estética e a filosofia acabarão por absorver a religião, como já insinuava Goethe: "Quem tem arte (e moral e filosofia) tem religião; quem a não tem, que tenha religião."
Segundo Lucrécio, "o medo criou os deuses". Desde então, isso tem sido repetido, acrescentando a ignorância e a impotência, de tal modo que, com o avanço da ciência e da técnica, a religião acabaria por ser superada e desaparecer. Será, porém, verdade que na génese da religião estão o medo, a ignorância e a impotência? Ninguém poderá negá-lo. A questão é saber se esses são os únicos e decisivos factores e de que modo actuam.
De facto, não é a limitação enquanto tal que está na base da religião, mas a consciência da limitação. Na consciência da finitude, que tem a sua máxima expressão na consciência da mortalidade, o homem transcende o limite e articula um mundo simbólico de esperança de sentido último e salvação. Como disse Hegel, a verdade do finito encontra-se no Infinito, e Kant viu bem ao referir a religião à esperança de um sentido final. Segundo ele, o interesse da filosofia pode reduzir-se às seguintes perguntas: "O que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? O que é o Homem? À primeira pergunta responde a metafísica, à segunda a moral, à terceira a religião e à quarta a antropologia." Assim, é possível que a ciência e a técnica obscureçam a força do apelo religioso. Mas, permanecendo a finitude e a sua consciência, há-de erguer-se sempre a pergunta pelo Fundamento e Sentido últimos.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Anselmo Borges — Islamofobia e Cristianofobia


«Sendo a religião uma dimensão constitutiva do ser humano e estruturante da cultura, é evidente que tem de ter lugar também no espaço público»


1. Não há dúvida de que a visita do Papa Francisco aos Emiratos Árabes Unidos de 3 a 5 deste mês constituiu uma visita para a História, como aqui procurei mostrar na semana passada. O próprio Francisco caracterizou a sua viagem como “uma nova página no diálogo entre Cristianismo e Islão”. É preciso ler e estudar o “Documento sobre a Fraternidade Humana”, então assinado por ele e pelo Grande Imã de Al-Azhar. Também foi a primeira vez que um Papa celebrou Missa para 150.000 cristãos na Península Arábica, berço do islão, num espaço público. 
Já de regresso ao Vaticano, na habitual conferência de imprensa no avião, um jornalista perguntou-lhe que “consequências terá também entre os católicos o Documento, considerando que há uma parte dos católicos que o acusam de deixar-se instrumentalizar pelos muçulmanos...” E Francisco: “E não só pelos muçulmanos... (riu-se). Acusam-me de me deixar instrumentalizar por todos, incluindo os jornalistas. É parte do trabalho, mas gostaria de dizer uma coisa. Do ponto de vista católico, o Documento não se separou nem um milímetro do Vaticano II, que até é citado várias vezes. Se alguém se sentir mal, eu compreendo-o, pois não é algo de todos os dias..., mas não é um passo atrás, é um passo para diante... É um processo e os processos amadurecem.”

domingo, 27 de janeiro de 2019

Francisco de Assis e o Sultão Al-Kamil

Anselmo Borges
«A religião tem de ter lugar no espaço público, pois é uma dimensão do humano e faz parte da cultura.»


1. Não há dúvida nenhuma de que o cristianismo é actualmente a religião mais perseguida no mundo. Há bastante tempo que se vai concretizando o que parece ser um plano para acabar com a presença dos cristãos no Médio Oriente. Quase desapareceram da Palestina e vão-se extinguindo na Síria e no Iraque e mais lentamente no Egipto e no Líbano. Se em 1950 os cristãos na Palestina representavam à volta de 15 por cento da população, actualmente serão uns 2 por cento. 
O relatório da Open Doors (Portas Abertas), com a Lista Mundial da Perseguição referente ao ano de 2018, é dramático, pois a perseguição aos cristãos no mundo continua a crescer. Só na lista dos primeiros 50 países onde os cristãos vêem os seus direitos mais limitados pelo facto de serem cristãos, o seu número eleva-se a 245 milhões, cifra que deve ser muito maior, já que pelo menos em 73 países do mundo os níveis de perseguição são “altos”, “muito altos” ou “extremos”: entre Novembro de 2017 e Outubro de 2018, 3731 cristãos foram mortos por causa de seguirem Jesus e 1847 igrejas foram atacadas. 
A Ásia e a África são os continentes mais hostis aos cristãos. Um em cada nove cristãos sofre perseguição em todo o mundo; na Ásia, um em cada três e na África, um em cada seis. Na Lista da Perseguição Mundial, os três primeiros lugares são ocupados pela Coreia do Norte (há 17 anos que ocupa o primeiro lugar), pelo Afeganistão e pela Somália, respectivamente. A Nigéria, onde houve cerca de 2000 cristãos mortos por causa da sua fé, ocupa o décimo quarto lugar da lista dos 50 países com maior perseguição. O Paquistão é considerado o país onde a violência anticristã atinge o seu nível máximo. Causa preocupação o que se passa na Índia por causa do radicalismo hindu e na China sobretudo por causa da posição do Partido Comunista em relação à religião. As novidades na Lista dos 50 países são o Nepal e o Azerbaijão. A situação na Líbia, que ocupa a sétima posição na escala, causa particular preocupação. Com a retirada do autoproclamado Estado Islâmico, os níveis de perseguição no Iraque e na Síria desceram, embora continuem a ocupar lugares muitos altos na Lista: oitavo e décimo quinto lugares, respectivamente. 

domingo, 13 de janeiro de 2019

Ano novo para a religião?



"A cooperação entre ciência, ética, religião e estética
pode criar um clima espiritual que nos defende de todos os simplismos,
irmãos de todos os fundamentalismos."

Nunca está em equilíbrio perfeito com a natureza. A lógica interna do seu mundo em crescimento, construído e governado pela ciência e pela técnica, leva-nos a pensar e agir como se todos os nossos problemas pudessem ser resolvidos pela ciência e pela técnica. Não é verdade. Mas só a estupidez pode dizer mal da investigação científica e das transformações tecnológicas. A sabedoria mais elementar descobre as suas espantosas vantagens e os seus quotidianos limites. É miopia esquecer que nenhuma actividade clarividente pode dispensar a interrogação filosófica, as linguagens da beleza e as exigências da ética.
Não é impossível descobrir, por outro lado, que não estamos apenas em face de problemas e enigmas que mais cedo ou mais tarde poderão encontrar soluções. Em todos os tempos e lugares há testemunhos de pessoas que despertaram para o mistério sem nome que resiste a todas definições e classificações, um não sei quê, uma noite luminosa que tudo envolve e sem a qual tudo se banaliza ou enlouquece. O fundamental na atitude religiosa é o espírito de atenção, de releitura constante do mistério do mundo. Isto nada tem a ver com o irracionalismo, pai da violência, seja em que domínio for. A própria religião, sem a vigilância ética, pode tornar-se uma abominação.
Dada a complexidade de tudo o que ficou dito, parece-me que a cooperação entre ciência, ética, religião e estética pode criar um clima espiritual que nos defende de todos os simplismos, irmãos de todos os fundamentalismos. Como diz o físico Antonio Rañada, os fundamentalistas religiosos e os ateus militantes têm algo em comum: acreditam que a geografia do mundo cabe toda num só mapa, seja na interpretação intransigente de um livro sagrado ou nos dados de uma ciência exclusivista e totalizadora.

domingo, 29 de julho de 2018

Uma religião inteligente


"Os escritos bíblicos são testemunhos de homens e mulheres de Deus, que viveram uma experiência e a exprimem. A sua experiência vem do Espírito e, neste sentido, pode dizer-se, com razão, que a Bíblia é inspirada, mas, ao mesmo tempo, é preciso não esquecer a mediação humana, histórica, contingente. Nunca existe encontro directo de Deus, só a sós, com o homem. Efectua-se sempre através de mediações. São os seres humanos que falam de Deus. Não aceitar mediações históricas é cair, necessariamente, no fundamentalismo"

1. Para António Damásio, “não temos qualquer relato científico satisfatório quanto à origem e ao significado do Universo, ou seja, não temos uma teoria de tudo que nos diga respeito. Serve isto para recordar que os nossos esforços são modestos e hesitantes, e que devemos estar abertos e atentos quando decidimos abordar o desconhecido” [1].
Em certas formas de espiritualidade e de teologia, a modéstia não é a regra. Na orientação espiritual, não falta quem se julgue conhecedor da vontade de Deus e com capacidade de a discernir para si e para os outros. Implorar o Espírito Santo para acolher a sua luz é uma condição essencial para estarmos prontos a dar razão da nossa esperança, como recomenda S. Pedro [2]. Sem esse cuidado, seremos cegos guias de cegos. Pedir conselho é próprio de quem reconhece os seus limites. Daí a convencer-se que podemos coincidir, nas nossas opiniões, com a vontade de Deus, é presunção a mais.
Em teologia, sempre me agradou a extrema modéstia de Tomás de Aquino. Foi discípulo de Alberto Magno, assim chamado pelo seu saber enciclopédico e pela sua curiosidade insaciável. Tomás tinha uma consciência pedagógica mais apurada. Notava que os mais novos tinham dificuldade em seguir a multiplicidade de questões no campo científico, filosófico e teológico. Comentou Aristóteles e muitos livros da Bíblia, participou em muitas questões disputadas e não receava ser exposto à curiosidade dos estudantes acerca dos temas mais variados. Resolveu elaborar um imenso guião para principiantes. Acabou por ser muito apreciado pelos investigadores. Trata-se da Suma de Teologia.
Modesta era a sua própria ideia de teologia. Depois de expor o seu projecto, as suas exigências, o seu método e de estabelecer os argumentos humanos que apoiam a fé na existência de Deus, ao dizer vamos tentar saber como Deus é, suspende esse atrevimento: vamos saber como Deus não é [3]. A sua teologia é, sobretudo, uma anti-idolatria. Não atribuir a Deus e à sua vontade o que são construções nossas.

sábado, 21 de julho de 2018

Perguntas e respostas sobre questões de religião

Anselmo Borges

Hoje, vou tentar responder a perguntas que me fizeram sobre alguns temas que têm que ver com a religião.

1. A primeira pergunta é sobre a legitimidade ou não de baptizar as crianças. Há pais católicos que não baptizam os filhos, argumentando que são eles que devem decidir quando forem grandes. Recentemente, a ex-presidente da Irlanda Mary McAleese, uma católica influente no seu país, declarou que a prática do baptismo de crianças viola os Direitos Humanos. "Não se pode impor obrigações a pessoas com apenas duas semanas e não se lhes pode dizer aos 7 ou 8 anos ou aos 18-19: 'isto é o que contraíste, o que assinaste', porque a verdade é que o não fizeram." Para ela, o actual modelo de baptismo "funcionou durante muitos séculos, porque as pessoas não entendiam que tinham o direito de dizer que não, o direito de o não fazer". Embora vivamos agora "em tempos em que temos direito à liberdade de consciência, à liberdade de culto, à liberdade de religião e à liberdade de mudar de fé", a Igreja Católica "ainda não aceitou plenamente esta posição".

terça-feira, 10 de julho de 2018

A fé pode ajudar nas dificuldades?

Os jovens e o professor que estiveram presos na gruta

«Quando os mergulhadores encontraram os rapazes presos na gruta da Tailândia, todos estavam a meditar. O treinador foi monge budista. Pode a religião explicar como o grupo conseguiu sobreviver?» 

Diversas vezes ouvi e li que a religião pode criar o ambiente propício à vitória da serenidade e confiança sobre o desânimo e as dificuldades. Também poderá ser fator de cura de doenças e angústias. E li hoje que a «crença funciona como uma capa invisível e protetora. A pessoa com fé acaba por criar uma ilusão alternativa que a faz ter a convicção de que poderá estar protegida de certas adversidades, sejam elas naturais ou outra.»

Marta Leite Ferreira escreve no Observador sobre isso.

domingo, 2 de outubro de 2016

A verdadeira religião é crítica

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO


 
1. Tinha recomendado a um amigo, enfastiado com as produções açucaradas de espiritualidade pós-moderna e com as passerelles de diálogo inter-religioso, o último livro de Anselmo Borges, o questionador das manifestações da religiosidade, da religião e das religiões[1]. É um agrupamento de textos essenciais acerca do essencial.
Avisei o potencial leitor de que não são as razões que encontramos para crer em Deus e as que temos para não crer que nos fazem crentes ou ateus. Virou-se para mim apreensivo: mas, então, em que ficamos?
Não podemos ficar. Os que repousam nas suas convicções continuam o mesmo sono dogmático. Os despertos são peregrinos. É normal que, na presente condição humana, precisem de “estações de serviço” para continuar a viagem. Mas quando se diz que o nosso coração não conhecerá quietude a não ser quando repousar no infinito, imagina-se, de forma ilusória, o infinito como termo de uma caminhada.

sábado, 17 de outubro de 2015

Religião, política e saúde

Crónica de Anselmo Borges 

«Há expressões religiosas
Anselmo Borges
 que podem ser prejudiciais: 
aquelas que levam a sentimentos 
de impotência, culpa, vergonha.»


O filósofo Immanuel Kant formulou as tarefas essenciais da filosofia nestas perguntas: "O que posso saber?", "O que devo fazer?", "O que é que me é permitido esperar?" Acrescentou, depois, que estas três perguntas remetem para e reduzem-se a esta quarta: "O que é o Homem?"
Significativamente, Kant escreve que à terceira pergunta responde a religião, melhor, ela é do domínio da religião, porque tem que ver com a esperança da salvação, da felicidade, do sentido último. Deus é um postulado da razão prática, isto é, exige-se moralmente que Deus exista, para dar-se a harmonia entre o dever cumprido e a felicidade. A natureza não faz isso, só Deus.

sábado, 23 de maio de 2015

Ecologia e religião

Crónica de Anselmo Borges 
no DN


 É preciso cuidar da natureza, 
porque é criação, 
dom e presente de Deus


1. Era Fernando Pessoa que perguntava: O mistério? E respondia: Olha para o lado e ele está lá. Sim, digo eu, está lá, ao lado, fora, dentro, em toda a parte. Ele mora, antes de mais, nesta pergunta infinita, inconstruível: porque há algo e não nada?
Há 13 700 milhões de anos foi o Big Bang. A Terra pode ter aparecido há uns 5000 milhões de anos e a vida há uns 3500 milhões. Há uns 7 milhões de anos, deu-se a separação do tronco comum, que se ramificou, de tal modo que temos, de um lado, os chimpanzés, gorilas... e, do outro, num processo que passa pelo Homo habilis e o sapiens, estamos nós, o Homo sapiens sapiens — acrescento sempre: e demens demens (sapiente sapiente e demente demente) —, há uns 150 mil anos.

domingo, 15 de março de 2015

Uma religião que condena está condenada

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO

Frei Bento Domingues


1. Manifestei-me, desde muito cedo, contra certas representações da religião e em particular do catolicismo, mas tive sempre o pressentimento de que era na dimensão religiosa e de modo especial no cristianismo católico, liberto de pretensões exclusivistas ou inclusivistas, que estava escondida a alma do mundo, o impulso do amor da pura gratuidade e da infinita misericórdia.
Encontrei algumas pessoas que, desde a adolescência, me mostraram que as dúvidas e o questionamento são intrínsecos ao processo da fé cristã. Ninguém tem a verdade, mas é possível viver no horizonte da sua busca, com o contributo de todos os que a procuram, em todas as áreas de conhecimento, seja qual for o universo cultural e religioso. Tudo na vida é uma criação de possibilidades, de acontecimentos imprevisíveis. Nunca me dei bem com crenças inamovíveis, com o determinismo. 
Uma “religião” que se apresente como inimiga do questionamento, da investigação e da liberdade deve ser denunciada pelas pessoas e instituições religiosas, como ridícula blasfémia.

domingo, 1 de março de 2015

Mudar radicalmente a religião (2)

Crónica de Frei Bento Domingues 



1. Ao fazer das periferias o centro da Igreja Católica, Bergoglio tenta mudar, a partir da diocese de Roma, os sinais de trânsito de todas as dioceses do mundo, das paróquias, dos movimentos, das Conferências episcopais e da vida consagrada. O centro das igrejas locais terá de se deslocar para as periferias geográficas, sociais e culturais.
O processo vai levar o seu tempo, pois não falta quem espere que o Papa acabe por se cansar, sobretudo se os padres, os bispos e os cardeais fizerem de conta que não estão para aí virados.
O antigo aforismo imperial - “todos os caminhos vão dar a Roma” – poderia ser substituído por outro: todos os caminhos das igrejas vão dar às periferias, aos “bairros problemáticos”, às cadeias, aos hospitais, às pessoas que vivem sós, ignoradas dos familiares e dos vizinhos. Seria apenas uma questão de tomar a sério um dos textos escolhidos para o começo desta Quaresma (Mt 25, 31-46).
No passado dia 15, no final da homilia da Missa com os “novos purpurados”, o bispo de Roma enunciou, de modo sintético e incisivo, essa reorientação pastoral:

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O sal e a religião

Crónica de Anselmo Borges 
no DN de sábado

Anselmo Borges


A propósito dos trágicos e bárbaros 
acontecimentos em Paris 
ficam aí algumas reflexões

1. Estamos confrontados com a questão do outro. Somos, por natureza, sociais: fazemo-nos uns aos outros, a nossa identidade é sempre atravessada pela alteridade. Mas o outro enquanto diferença é ao mesmo tempo espaço de fascínio — quem não gosta de viajar para conhecer outros povos, outras culturas? — e de perigo — o outro é o desconhecido perante o qual é preciso prevenir-se.
Viveremos cada vez mais em sociedades multiculturais e multi-religiosas. Aí está a riqueza da diferença, mas, simultaneamente, o sobressalto dessa mesma diferença. Isto impõe o conhecimento mútuo, o diálogo intercultural e inter-religioso. É cada vez mais claro, como há muito repete o teólogo Hans Küng: não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões; não haverá paz entre as religiões sem o seu conhecimento e o diálogo entre elas; urge um consenso ético mínimo global.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

HAWKING E FRANCISCO

Crónica de Anselmo Borges 
no DN de sábado



1 Que disse o cientista inglês Stephen Hawking? "Antes de termos entendido a ciência, o lógico era crer que Deus criou o universo, mas agora a ciência oferece uma explicação mais convincente. Não há Deus. Sou ateu. A religião crê nos milagres, mas estes não são compatíveis com a ciência."
Pensa que o homem acabará por entender a origem e a estrutura do universo. "De facto, já estamos perto de conseguir este objectivo. Na minha opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana." Por isso, julga que a exploração espacial deve continuar e os grandes avanços científicos e tecnológicos neste domínio poderão "evitar o desaparecimento da Humanidade, graças à colonização de outros planetas".

domingo, 12 de outubro de 2014

RELIGIÃO REFLEXIVA

CRÓNICA DE FREI BENTO DOMINGUES
NO PÚBLICO

1. As sociedades modernas foram fundadas sobre a excomunhão política de qualquer referência religiosa. Embora com vários desenhos, o cenário está identificado.
A institucionalização da autonomia da esfera secular fez-se para suspender a intolerância e a violência associadas às guerras de religião e ao poder absoluto em nome de Deus. A intervenção política ficaria, em princípio, entregue à responsabilidade de todos os cidadãos. Pertencia-lhes escolher as instituições em que desejavam viver. Os indivíduos poderiam ter convicções religiosas, mas estas deveriam cingir-se ao domínio privado e não poderiam ser invocadas na configuração das instituições próprias do agir político ou militar. Era urgente mandar para a reforma o “Deus dos Exércitos” do Antigo Testamento, do regime de Cristandade e do Islão.

domingo, 6 de abril de 2014

A RELIGIÃO CRÍTICA E A CRÍTICA DA RELIGIÃO

CRÓNICA DE FREI BENTO DOMINGUES
NO PÚBLICO


1. Conheci o casal luso-catalão, Inês Castel-Branco e Ignasi Moreta, no Parlamento Mundial das Religiões, celebrado em Barcelona no âmbito do Fórum Universal das Culturas, em 2004. Esse jovem casal, apaixonado pelo diálogo inter-humano, inter-religioso e intercultural, falou-me, então, do seu projecto familiar no campo da edição. Pretendia criar um território cultural de bons livros que rompessem com a banalidade e onde reinassem, em conexão, o rigor, as ideias e o prazer, um autêntico hedonismo de leitura pausada e saboreada. Sabor e sabedoria têm, aliás, uma etimologia comum. A leitura e a vida verdadeira não são conceitos antagónicos. São sinónimos.

Peça a peça, a Fragmenta Editorial foi-se tornando uma referência do universo de pensamento crítico e reflexivo. Para o seu conselho de assessores, as respostas institucionais às perguntas religiosas entraram em crise, mas as perguntas antigas e novas, de muitas origens, não se calam. O que já não existe são respostas tranquilizadoras. Andamos, por isso, todos à procura. Não aceitamos que os outros pensem, investiguem e escolham por nós. O que importa é pôr a circular ideias, pensamentos, pistas, críticas, isto é, tentativas de subversão das ideias feitas. Mas não será isto o que caracteriza o chamado “pensamento débil”?

domingo, 16 de março de 2014

Conversão da Igreja ao serviço da transfiguração do mundo

Crónica dominical 
de Frei Bento Domingues 

Estamos no Domingo das Transfigurações. 
Celebramos o 1º aniversário da eleição do Papa Francisco, 
que já começou a transfigurar o Vaticano.




1. Há quem diga que a melhor atitude perante as tentações é não lhes resistir. Como piada, não está mal.
Tanto no sentido moral como religioso, tentar é induzir ao mal ou pôr alguém à prova. É neste último sentido que se fala das tentações diabólicas que assaltaram Jesus, durante o seu retiro no Deserto. Foi solicitado a assumir, de forma milagrosa e espectacular, o poder económico, político e religioso de um país ocupado pelo império romano, provando assim, a sua divindade messiânica. Essas propostas já foram evocadas na Eucaristia do passado domingo. As suas versões são diferentes em cada um dos Evangelhos sinópticos, mas coincidentes no essencial (Mc 1, 12-13; Lc 4,1-13;Mt 4,1-11). Para alguns autores do Novo Testamento (NT), as tentativas para fazer de Jesus o líder de uma insurreição nacionalista nunca o abandonaram, tendo encontrado cúmplices activos entre os apóstolos mais chegados. Jesus chegou a considerar Pedro como um diabo.

sábado, 15 de março de 2014

LEVANTAI-VOS E VAMOS EM FRENTE

Uma reflexão de Georgino Rocha 
para esta semana



Jesus proporciona aos seus amigos mais íntimos uma experiência surpreendente e gratificante. “Que bom estarmos aqui” – diz Pedro em nome do grupo. A experiência inicia-se quando Jesus os toma consigo e, na sua companhia, sobe à montanha. Que terão pensado no percurso, eles que não se haviam refeito do susto do anúncio da paixão e permaneciam abatidos perante o desabar das suas encantadas ilusões! Confiam mais uma vez no Mestre, acolhem o convite/apelo e lançam-se na aventura. Acontece algo de extraordinário que lhes provoca tal satisfação que Pedro se propõe “armar” tendas para assim continuarem indefinidamente. Da desilusão ao encantamento!

Era o coração humano a falar, a expressar o desejo intenso de felicidade, a antecipar o sonho de estar sempre com o Senhor. Era a voz da consciência a libertar as aspirações mais profundas que, tantas vezes, permanecem caladas ou são mesmo silenciadas. Santo Agostinho salienta esta marca indelével do ser humano que vive inquieto e peregrino enquanto não encontra Deus e se senta no seu colo de Pai.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Dia Mundial da Religião: 21 de Janeiro



Este dia aponta, no calendário, a data da partida do meu progenitor, deste mundo, para o Além.
A lembrança do dia 20 de Janeiro de 2013, bem vincada, na minha memória, ainda mais se agudiza, no concernente ao tema de hoje.
A religião que professamos tem muito a ver com os nossos antepassados, o legado que nos deixaram e com o local geográfico onde nascemos.
Se porventura tivesse nascido num país árabe, certamente seria muçulmana e, a esta hora, usaria a burka. Se o local de nascimento tivesse sido a Índia, professaria a religião hindu e andaria vestida com um sári. Se tivesse nascido no Tibete, provavelmente seria budista!
 Mas quis a Fortuna que tivesse vindo à luz do dia, nesta terra bendita de cultura cristã.
Desde tenra idade, fui imbuída dos valores e princípios cristãos, tendo recebido todos os sacramentos que me tornaram um membro legítimo da comunidade que é a Igreja Católica.


Foi também, de muito pequenina que pude observar com curiosidade infantil, um livro pousado na mesa de cabeceira do pai, cuja imagem de capa muito me impressionou: – A tua Religião na tua Vida. Através de um bosque de árvores altas, penetrava um feixe de luz que irradiava em todos os sentidos. Habituados que estamos a ouvir que “uma imagem vale por mil palavras”, esta imagem ficou gravada no fundo no meu ser. Despertava-me para algo de metafísico que, numa tão tenra idade, ainda não sabia interpretar.
Quando me competia, a mim, a colaboração nas tarefas domésticas da arrumação e limpeza da casa e passava pelo quarto, lá, abria furtivamente o livro, ia lendo excertos do mesmo e interiorizando as mensagens subliminares.
A minha personalidade foi-se construindo, em alicerces duma formação religiosa e espiritual, que ainda hoje enformam a minha postura na vida.
Aos meus progenitores devo aquilo que sou hoje e até ao momento, não me tenho dado mal com a herança genética que me transmitiram.
A religiosidade aliada à espiritualidade dá ao homem a dimensão transcendente da vida. Esta não se confina à pura materialidade da existência mundana.

Mª Donzília Almeida
18.01.2014