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sexta-feira, 19 de março de 2021

Queremos ver chegar a hora de Jesus

Reflexão de Georgino Rocha Rocha 
para o Domingo V da Quaresma

A CAMINHO DA PÁSCOA

Uns gregos foram ter com Filipe e disseram-lhe: “queríamos ver a Jesus”. Filipe foi dizê-lo a André e ambos foram dizê-lo a Jesus. Este episódio ocorre em Jerusalém e é muito significativo na fase final da quaresma que vivemos. Como os gregos somos buscadores natos do rosto de Jesus. Como discípulos estamos mandatados para sermos mediadores, ponte de relação e proximidade. Quando desistimos de procurar e nos acomodamos, o coração inquieto atrofia-se e mergulha na mediocridade, ele que nasceu para a glória. Jo 12, 20-33.
Jesus assume o pedido e alarga horizontes, desvenda a parte final do seu percurso histórico. Recorre à à semente lança à terra para iniciar a resposta a André e Filipe. O encontro dá-se em Jerusalém, junto ao templo, por ocasião da festa da páscoa judaica e condensa o alcance da “hora” que se aproxima: A paixão e exaltação de Jesus constituem a maior manifestação de Deus, a sua suprema glorificação. Deste modo, é satisfeita a aspiração mais profunda do coração humano. Ver a Jesus é entrar nesta relação existencial, captar a sua verdade, viver o seu dinamismo e comungar os seus sentimentos.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Conselhos do Papa para a Quaresma

Na Quaresma, estejamos mais atentos a «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam» (FT, 223). Às vezes, para dar esperança, basta ser «uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença» (FT, 224).

Da Mensagem do Papa Francisco 
para  a Quaresma 

sexta-feira, 5 de março de 2021

O chicote da indignação de Jesus

Reflexão de Georgino Rocha 
para esta quaresma 

A CAMINHO DA PÁSCOA


O gesto de Jesus, usando o chicote de cordas para expulsar os vendilhões do templo, seguido de diálogo que pretende ser esclarecedor, provoca tal “confusão” que é preciso o autor do texto vir dizer que “falava do santuário do seu corpo”. E não era para menos. O chicote do Messias, segundo uma expressão rabínica, constitui um símbolo da chegada dos tempos messiânicos: Pela purificação das intenções dos corações e pela reposição da função das coisas que, necessariamente, comportam aflição e sofrimento. Jo 2, 13-25
Ao ver o espetáculo do que acontecia – o mercado havia dominado o glorioso Templo de Jerusalém – enche-se de coragem e liberta os sentimentos mais impulsivos e vibrantes. Indigna-se. E segue-se a acção demolidora das mesas de comércio, o menosprezo pelo dinheiro e a expulsão dos cambistas, a retirada dos animais e das aves. “Não façais da casa de meu Pai um covil de ladrões” – adianta como exortação e denúncia.
E, ao ver-nos hoje a nós e às situações concretas em que vivemos, como reagirá? Que terá de expulsar do nosso coração e sua relação com o dinheiro, da nossa sociedade e sua atenção aos mais frágeis, da nossa Igreja e seus rituais que tardam a abrir-se aos desafios dos tempos?

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Não podemos viver sem transfigurações

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

«Bergoglio não perde nenhuma oportunidade para relançar, com todas as pessoas de boa vontade, a fraternidade universal, em que não fica de fora nenhuma das grandes questões do nosso mundo. O Papa não é a Igreja. É um dinamizador fantástico, mas não pode nem quer fazer nada sozinho. Reeditou, na prática, o velho aforismo cristão: nada do que é humano me é estranho.»


1. Abraão estava redondamente enganado ao julgar que era de Deus a voz que lhe exigia a morte do seu único filho [1]. A dramaticidade criada por uma suposta ordem divina, exigindo a obediência louca e cega ao absurdo, é uma fantástica criação literária da mais pura desumanidade e, como tal, deveria ser lida e meditada para lá das aparências. Muitas leituras dessa narrativa dramática não se dão conta de que se trata de uma arte extraordinária para dizer que, da parte de Deus, nunca podem vir ordens de matar, embora abundem no Antigo Testamento.
Essa peça teológica, proposta hoje na Eucaristia, não é apenas para repudiar costumes ancestrais de loucura religiosa, que se alimentava de sacrifícios humanos, nem só para denunciar os actuais incitamentos à violência e à guerra, em nome de Alá, que fazem mais vítimas do que os repugnantes cultos da antiguidade. Também não deve servir para justificar as vergonhosas inquisições e guerras religiosas, no interior da história das igrejas cristãs.
Deve ajudar, pelo contrário, a descobrir e denunciar a sacralização de comportamentos sociais, económicos e políticos, que matam em série e às claras, em nome de concepções nada éticas, que banalizam a vida humana. O Papa Francisco foi e é atacado, em certos ambientes, por mostrar que há economias que matam, que geram e alimentam desigualdades assassinas.
Não nos enganemos com os equivocados elogios à fé e à obediência cega de Abraão, usados, por vezes, para confundir o “sentir com a Igreja” com a obediência cega a todas as medidas das hierarquias eclesiásticas!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Escutai, Jesus, o meu Filho Amado, diz-nos Deus

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo II da Quaresma


A CAMINHO DA PÁSCOA

A exortação é dirigida às futuras “colunas” da Igreja – Pedro, Tiago e João - e, nelas, aos discípulos e aos cristãos de todos os tempos. A voz que se faz ouvir é de Deus Pai, profundamente envolvido na “aventura” em curso, protagonizada pelo Nazareno perturbador. O Filho amado, a quem é preciso escutar, é Jesus que se deixa transfigurar, antecipando a dimensão futura do itinerário vital, recorrendo à brancura irradiante das vestes. Os discípulos fazem uma experiência de bem-estar, de conforto interior, de encontro pessoal inesquecível. Mc 9, 2-10.
“Está claro que este relato, no segundo domingo da Quaresma, aponta claramente à ressurreição de Jesus, afirma Castillo. O relato sugere-o ao apresentar a Jesus transfigurado, deslumbrante. E Jesus faz referência expressa à sua própria ressurreição de entre os mortos. Estamos, portanto, perante um evangelho de vida que transcende a morte e pretende manter viva a esperança. A Palavra do Pai di-lo claramente, vinda da nuvem, que escutassem só a Jesus. O que significa dar as máximas garantias de credibilidade ao que Jesus ia dizer aos discípulos”.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Recordações e saudades


1. Hoje, numa rápida revisão ao meu blogue, à cata de alguma falha, que as encontro sempre que procedo a este exercício, pude evocar o que escrevi quando saí de um internamento para tratar os ouvidos, de que padecia. Recuperei um pouco, mas perdi, para sempre, 30% da minha capacidade auditiva. Foram 12 dias de tratamentos e exames feitos por considerados especialistas da época, os tais que procediam a implantes cocleares. Crianças surdas que passaram a ouvir e com quem me cruzava nos corredores do hospital, assistindo às suas naturais brincadeiras. Ali fui assistido, diariamente, também pelo meu médico assistente, que nunca deixou de me animar. Reli o que então escrevi quando regressei a casa, em Fevereiro de 2006. Como me soube tão bem reviver as ótimas impressões que encheram os 12 dias que passei no Hospital dos Covões. E como gostei de ver a homenagem prestada ao poeta António Aleixo.



2. Começou anteontem a Quaresma. Participei, via Facebook, à cerimónia da bênção e imposição das cinzas, a que presidiu o nosso prior, Pe. César Fernandes, que celebrou como se a Igreja Matriz estivesse cheia de fiéis. Com a mesma dignidade como se impunha. E tive saudades dos irmãos na fé. Pela minha mente passaram rostos conhecidos, sorrisos de amigos, palavras de tantos à entrada e saída do templo. Realmente, sempre participei nesta minha comunidade nas mais diversas celebrações. Conheço a Matriz desde menino e assisti a diversas obras de adaptação, renovação e conservação. Mas a minha Igreja também, e sobretudo, são os crentes que a enchem e lhe dão vida. E por isso senti saudades. O regresso, se Deus quiser, estará para breve.

Fernando Martins

Convertei-vos e acreditai no Evangelho

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo I da Quaresma 

«Jesus vence a tentação e rasga horizontes ao nosso peregrinar. É livre, confirma o baptismo recebido, adere confiadamente ao projecto de Deus Pai. Como Ele estamos em trânsito no deserto da vida. A meta já se vislumbra. Ele já a viveu na sua Páscoa. Para lá caminhamos seguindo os seus passos. A isto nos convida o tempo quaresmal que a Igreja nos propõe.»

É impressionante o que acontece a Jesus, após o baptismo. Imediatamente, se dirige ao deserto onde fica quarenta dias. Fá-lo “impelido” pelo Espírito Santo que sempre o acompanhará ao longo da sua missão. Mc 1, 12-15. Também a nós o Espírito nos conduz ao deserto e nos faz ver as tentações que nos habitam: “eu sei, eu posso, eu tenho; .., as tentações de não olhar, de fugir, de dissimular e esconder, de não ouvir o que não nos agrada”. Sempre o meu eu referencial.
É esclarecedor e provocante o motivo que o leva ao deserto: ser tentado por Satanás, a figuração por excelência das forças do mal. A tentação assalta-o ao longo de quarentas dias, o tempo da sua estadia entre animais selvagens, com os quais convive em harmonia. Vencida a tentação, surge o apelo/exortação: “Convertei-vos e acreditai no Evangelho”
O deserto e a tentação surgem como metáforas da realidade humana. Hoje, revestem as formas da nossa situação histórica e social, da nossa cultura fragmentada e subjectivista, da nossa economia precária e subjugada, da nossa religião predominantemente pendente do gosto do “cliente” e das tradições.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Segunda Quaresma em tempo de pandemia

Da Quaresma de 2020



Sem dificuldades, associo a Quaresma aos dramas provocados pelo COVID-19 nos tempos em curso. Tempos de medos e angústias, de silêncios e reflexões, mas também de esperanças, que depois da tempestade vem a bonança.
O nosso mundo foi surpreendido por uma guerra ainda sem fim à vista, não com armas sofisticadas criadas pelo homem, mas por uma arma invisível capaz de aniquilar vidas sem conta, resistindo aos apelos dos sofredores, às orações dos crentes e à inteligência dos cientistas. Sucedem-se os medos, multiplicam-se as receitas e os conselhos médicos, aceitam-se as decisões dos governantes e isolam-se as pessoas entre paredes das suas habitações, mas as tréguas teimam em não surgir.
Em casa, como milhões de pessoas de todo o universo, haverá razões para todos refletirmos sobre a Quaresma que temos em curso. Sobre a oportunidade que nos é dada para a partir dela reestruturarmos novos estilos de vida, em família e na sociedade, no sentido da construção de uma paz mais duradoira, mais solidária, mais voltada para a natureza e para Deus, que está em tudo e em todos, como cremos.

Fernando  Martins

sexta-feira, 27 de março de 2020

JESUS FAZ REVIVER LÁZARO MORTO

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo V da Quaresma

“Lázaro, sai para fora”, ordena Jesus com voz forte e determinada. E ele levanta-se e sai amortalhado, como havia sido colocado na sepultura. Jesus continua, dirigindo-se aos circunstantes: “Desligai-o e deixai-o ir”. E João, o narrador do sucedido, conclui: “Ao verem o que Jesus fez, acreditaram n’Ele”. Jo 11,1-45
A revivificação de Lázaro constitui um sinal, na sequência de outros, que visam manifestar quem é Jesus e provocar a adesão à sua pessoa e mensagem: a água transformada em vinho nas bodas de Caná; o pão abençoado e repartido pela multidão; a cura do paralítico junto à piscina e a do cego de nascença; a doação da própria vida como belo e bom pastor; a vitória sobre a morte, simbolizada em Lázaro, e realizada aquando da ressurreição. Estes e outros sinais credenciam um conjunto de ensinamentos sobre a acção inovadora do Messias e induzem as testemunhas a tomar posição, aceitando ou rejeitando o que presenciam e ouvem.
Qual a nossa atitude perante tantos sinais de novidade que a vida nos traz? Deixamo-nos interpelar e somos consequentes? Aproveitemos a oportunidade que a quaresma nos oferece e as interpelações que o coronavírus suscita.
Lázaro adoece. As irmãs, Marta e Maria, mandam recado a Jesus que, na sua missão, andava por longe de Betânia, terra desta família. Eram amigos. Querem que Ele saiba e mantêm o secreto desejo de que a amizade abra caminho à visita tão desejada.

terça-feira, 24 de março de 2020

QUARESMA EM TEMPO DE COVID-19

Sem dificuldades, associo a Quaresma aos dramas provocados pelo COVID-19 nos tempos em curso. Tempos de medos e angústias, de silêncios e reflexões, mas também de esperanças, que depois da tempestade vem a bonança. 
O nosso mundo foi surpreendido por uma guerra ainda sem fim à vista, não com armas sofisticadas criadas pelo homem, mas por uma arma invisível capaz de aniquilar vidas sem conta, resistindo aos apelos dos sofredores, às orações dos crentes e à inteligência dos cientistas. Sucedem-se os medos, multiplicam-se as receitas e os conselhos médicos,  aceitam-se as decisões dos governantes e isolam-se as pessoas entre paredes das suas habitações, mas as tréguas teimam em surgir. 
Em casa, como milhões de pessoas de todo o universo, haverá razões para todos refletirmos sobre a Quaresma que temos em curso. Sobre a oportunidade que nos é dada para a partir dela reestruturarmos novos estilos de vida, em família e na sociedade, no sentido da construção de uma paz mais duradoira, mais solidária, mais voltada para a natureza e para Deus, que está em tudo e em todos, como cremos. 

F. M.

domingo, 31 de março de 2019

Bento Domingues: Confessar-se, pelo menos, uma vez por ano

Bento Domingues

"A queixa actual é contra a obrigação de se confessar antes de comungar. Tanta gente a comungar e tão pouca a confessar-se"

1. O título deste texto pode parecer ridículo por anacrónico. Quem desejar conhecer as posições oficiais da Igreja sobre os Sacramentos deve ler os textos do Vaticano II, o Código de Direito Canónico (1984) e as orientações de reforma da Igreja do Papa Francisco, expressas nos documentos por ele assinados. Se mantenho este título, é porque ele serviu para dar cobertura a uma história de terror, para distorcer a prática sacramental da Igreja e ocultar a própria essência do cristianismo. Por outro lado, a discussão actual, em torno dos ministérios ordenados, não se deve deixar polarizar, apenas, por carências funcionais da pastoral actual da Igreja, embora a situação seja calamitosa. 
O título desta crónica tem uma história. O IV Concílio de Latrão é assim chamado porque foi realizado em Roma, na Basílica de S. João de Latrão, a cátedra do Papa. Aconteceu entre 11 e 30 de Novembro de 1215. 
Esta iniciativa de Inocêncio III teve a maior participação de bispos de toda a Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna. É considerado, pelos historiadores, como o ponto mais alto e importante do papado do século XI ao século XIII [1]. 
Compareceram 404 bispos, 71 primazes e metropolitas, 800 abades e priores. Além disso, cada bispo possuía uma numerosa comitiva. Os patriarcas orientais, embora convidados, não compareceram, mas todos os reinos cristãos enviaram representantes. 
Este concílio confirmou as magníficas orientações de reforma da Igreja do grande Papa Inocêncio III; deixou-se, porém, enredar nas obsessões da Quinta Cruzada e das medidas violentas contra os albigenses. Deu, no entanto, amplo espaço à doutrina sobre a Eucaristia e o sacerdócio ministerial, acolhendo o conceito de transubstanciação, cunhado pela primeira escolástica. A obrigação da confissão anual e da comunhão pela Páscoa foram as ordenações mais notadas do concílio e mais duradoiras. 

domingo, 24 de março de 2019

Anselmo Borges - Uma Quaresma para o mundo


«Hoje, sabemos que o jejum e a abstinência contribuem em grande medida para a saúde e até para a beleza. Quanto à espiritualidade, não há dúvida. Significativamente, a sabedoria de todas as religiões esteve sempre aberta ao jejum sadio.»

1. Uma ilustre Catedrática da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto entrou em contacto comigo, porque queria saber algo sobre a relação entre o jejum e a espiritualidade. 
Lembrei-me então de que estamos na Quaresma. Ela é mais para os católicos, que durante 40 dias se preparam, pelo menos, deveriam fazê-lo, para a festa que constitui o centro do cristianismo, a Páscoa. De qualquer forma, animam-na ou devem animá-la valores que são universais, de tal modo que poderíamos fazer a pergunta: Como seria o mundo, se tivesse anualmente a sua Quaresma, tendo na sua base esses valores: jejum, abstinência, oração, silêncio, esmola, sacrifício, conversão? 

2. O que se segue é uma breve reflexão que tenta responder a esta pergunta. Começando pela urgência de um retiro. De facto, a Quaresma refere-se aos 40 anos que os judeus passaram no deserto a caminho da Terra Prometida e aos 40 dias que Jesus esteve no deserto, em retiro, preparando-se para a sua vida pública, na qual o centro seria a proclamação, por palavras e obras, do Evangelho, a mensagem da salvação de Deus para todos os homens e mulheres. 
Aí está: retirar-se para meditar e reflectir. O que mais falta faz hoje. Quem se retira para fora do barulho e da confusão do mundo, para meditar e reflectir, ir mais fundo e mais longe, ao essencial? O sentido dos 40 anos e dos 40 dias: a libertação da opressão e da escravidão, a caminho da liberdade e, consequentemente, da dignidade. Para a felicidade, evidentemente. 
Neste contexto, os valores da Quaresma. 

quarta-feira, 13 de março de 2019

QUARESMA: Tempo para descobrir as sugestões de Deus


"Aprender a viver é aprender a morrer a tudo o que nos estraga sob o ponto de vista intelectual, afectivo e social. Os 40 dias da Quaresma são uma bênção. Um tempo de retiro destinado a aprender a resistir à tirania diabólica da publicidade que nos impõe modelos de vida e de organização económica, social, política, cultural, religiosa e irreligiosa, a nível local e global, pessoal e familiar. Um tempo para a descoberta do que é essencial, supérfluo e prejudicial. Um tempo para descobrir as sugestões de Deus, dentro e fora de nós"

Frei Bento Domingues,
in PÚBLICO

NOTAS:
1.Publicado no meu blogue em 10-02-2008;
2.Passados 11 anos, a proposta é pertinente.

domingo, 10 de março de 2019

Frei Bento Domingues: Que faremos desta Quaresma?

Bento Domingues
"Sabemos demasiado as consequências
das vezes que, na Igreja,
se esqueceram as opções do Mestre."

1. Quem nunca ri, quem nunca tem vontade de rir, quem anda sempre à procura de más notícias, falta-lhe alguma coisa. Desde sempre se considerou que o ser humano é um animal que ri, que ri das coisas e das situações mais variadas, que faz rir e, sabedoria suprema, sabe rir de si mesmo. Não é muito agradável viver com pessoas que reprimem, em si, o sentido de humor e que se ofendem com o humor dos outros.
A relação do riso com as religiões está tecida de contrastes. Só os ignorantes podem dizer que a alegria, o bom humor e a religião andaram e andam sempre de costas voltadas [1]. Pelo contrário, muitas das expressões da religião popular eram, também, as grandes celebrações da alegria do povo cristão. No entanto, em certas épocas e em certos grupos, no campo católico (mas não só), religião e tristeza, vida religiosa e clima sombrio, desenvolveram uma relação pouco sadia. Não riem e não suportam o riso dos outros. Sentem-se tão ofendidos com as brincadeiras que os outros fazem ou dizem acerca da sua religião que podem até suscitar a violência contra os humoristas. Decretam que o sagrado é intocável.
Foi há muitos anos – eu ainda era muito novo – que, numa aldeia vizinha, na festa de Santa Apolónia, ouvi o que nunca esqueci.
Não havia electricidade, mas uns geradores conseguiam que os altifalantes transmitissem discos de folclore nortenho que estavam proibidos em festas religiosas. É evidente que as populações nem dessa nova tecnologia precisavam para cantar à desgarrada e dançar horas a fio. Não faltava, nas aldeias, quem soubesse tocar viola, violão, cavaquinho, concertina, etc.. Nos anos 40 do século passado, nasceu e desenvolveu-se uma pastoral equivocada de “cristianização” das festas. Havia, na mesma altura, muita vontade de criar a JAC. Quem pertencesse à Acção Católica não podia dançar, mas a dança em público, no terreiro, era, na minha zona, tão antiga que era irreprimível.
Recordo que, nessa festinha de Santa Apolónia, estavam velhos e novos entusiasmadíssimos a dançar. De repente, ouviu-se a voz do pároco, pelo altifalante, a proibir aquela alegria e disse textualmente: “preferia ver-vos ir para o Hospital de S. Marcos de Braga, de cabeça rachada, do que ver-vos dançar.”

quarta-feira, 6 de março de 2019

Frutuosa Quaresma para todos


São 10 horas de uma manhã fria e chuvosa. Vai ser assim, mais ou menos, uns dias seguidos. Acabei de chegar ao meu sótão, espaço de tantas cumplicidades com o silêncio que tanto aprecio. É certo que não posso viver no silêncio toda a vida, que o convívio é fundamental na existência. Porém, em cada dia descortino sempre um tempinho para o encontro pessoal com Deus, que nos dá o privilégio da liberdade e das opções. 
A Quaresma tem sido, desde que me conheço como ser pensante e atuante, um mistério que me envolve e embala até à chegada da ressurreição de Jesus, ponto alto e único da nossa fé. Sem essa caminhada de busca,  dificilmente chegaria ao cimo da montanha, de onde se desfrutam horizontes de redenção tornada fraternidade universal. 
Que nesta Quaresma eu consiga fugir um pouco do barulho ensurdecedor das futilidades e ambições desmedidas e tantas vezes mesquinhas. O mesmo desejo aos meus amigos... 
Frutuosa Quaresma para todos. 

Fernando Martins

domingo, 4 de março de 2018

A HIPOCRISIA E AS CONFUSÕES DA QUARESMA

Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues


1. A Quaresma é uma questão muito séria de toda a Igreja e de cada cristão: é o reconhecimento de que não estamos irremediavelmente perdidos. Não existe nenhuma situação que não possa ser alterada. O aforismo ecclesia semper reformanda não é apenas realista, é também um caminho de esperança. Os rituais da penitência não deveriam servir para mostrar que uns têm remédio e outros estão em situações irregulares irremediáveis, reduzidos ao estado de limbo eclesialPUB
Este tempo único começou com a imposição das cinzas: lembra-te que és pó da terra e à terra hás-de voltar. Hoje, com a cremação, és pó e nem à terra voltarás. Era uma declaração muito empírica, mas um bocado niilista. Parece-me que a nova fórmula é mais estimulante: arrependei-vos e acreditai no Evangelho [1], como quem diz, é urgente mudar porque é urgente a alegria. O pecado estraga, a graça do perdão liberta e abre o futuro.
O texto do Evangelho escolhido para essa celebração não alinha com um costume, que eu ainda conheci, de pôr as igrejas de luto e os santos de roxo. Atreve-se a desencorajar a religião do espectáculo, a dificultar a estatística do bem-fazer e o reconhecimento público dos benfeitores da igreja e das obras de caridade. Ao turismo religioso, dentro e fora dos templos, chama exibicionismo hipócrita.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

JESUS, TENTADO, ANUNCIA O EVANGELHO DE DEUS

 Reflexão de Georgino Rocha 

Georgino Rocha

Jesus recebe no baptismo do Jordão a declaração da sua identidade. João realiza o rito. Jesus sai da água e acontece uma série de sinais reveladores: Vê os céus abertos e o Espírito descer sobre Ele na forma de pomba; escuta uma voz vinda do céu que diz: “Tu és o Meu Filho amado; em Ti encontro o Meu agrado”. (Mc 1, 12-15).
Credenciado como Filho, o encanto do Pai, é impelido para o deserto pelo Espírito Santo. Esta afirmação do autor do relato, simples e densa, realça que Jesus, no seu agir histórico, está envolvido na comunhão de Deus, das pessoas divinas. E esta é a primeira boa notícia do Evangelho. Jesus não se move por outros interesses ou intenções: de benefício pessoal ou familiar, de projecção pública ou religiosa. É o Espírito Santo que o anima e ilumina nas suas opções. E leva ao deserto.
O deserto geográfico é uma região da Judeia que tem como referências principais Jerusalém e Belém, terras com estilo de vida organizada, citadino, e memória histórica de feitos inesquecíveis. Ao atravessá-lo, o povo de Deus faz experiências marcantes, onde ocorrem as tentações, aquando da fuga do Egipto, do acampamento junto ao Sinai, da travessia de outros locais até chegar ao destino. Durante a sua atribulada viagem, recebe as bênçãos de Deus, as Tábuas da Lei com os mandamentos, e faz a experiência salutar de confiar nas promessas, de aprender com as crises, de se deixar encontrar por Deus em festiva aliança de amor.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

P.e TOLENTINO VAI PREGAR AO PAPA

P.e  Tolentino (Foto do meu arquivo)

“Todo o ser humano tem sede. Sede de amor, sede de reconhecimento, sede de relação, sede de dignidade, sede de diálogo, sede de encontro, sede de Humanidade, e muita sede de Deus” 

O P.e José Tolentino Mendonça, poeta, biblista, escritor, cronista e vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, vai pregar exercícios espirituais, nesta quaresma, ao Papa Francisco e seus colaboradores. Congratulo-me com o convite feito ao P.e Tolentino, porque tive já, várias vezes, o privilégio de o ouvir, sendo leitor assíduo dos seus livros e das crónicas que publica semanalmente no EXPRESSO.
Do que conheço do P.e Tolentino, sei, dentro das minhas capacidades de análise, que se trata de um padre de uma cultura multifacetada e profunda, capaz de se pronunciar sobre os temas mais diversos, com saber e arte. Mas também sei que se trata de uma pessoa capaz de enfrentar desafios, por mais exigentes que se apresentem. 
O tema das suas reflexões, segundo admito, está sintetizado no texto, entre aspas, que abre esta minha mensagem.

Ler entrevista aqui 

FM

domingo, 2 de abril de 2017

Inovar ou repetir?

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO


«Conformar-se com o estado actual do mundo
é a grande traição que diariamente nos tenta.
A resignação é o nosso pecado.»

1. Segundo a teologia católica mais corrente, os sacramentos cristãos não são de anjos nem para anjos. A Irmã Lúcia, nas suas Memórias, abalou essa opinião. Contou que, entre Abril e Outubro de 1916, já tinha aparecido um anjo aos três pastorinhos, por três vezes, convidando-os à oração e à penitência. Identificou-se como o “Anjo da Paz, o Anjo de Portugal”. Apresentou-se como ministro da comunhão eucarística sob as duas espécies. Não disse onde as teria ido arranjar.
À distância de um século, é uma poderosa narrativa surrealista, indiferente à disciplina romana, de então, sobre a Eucaristia. Ver aí uma precoce antecipação portuguesa do Concílio Vaticano II que, em 1916, ainda ninguém podia prever, condiz bem com a nossa imaginação delirante, compensatória da frustração de não termos contado para nada no maior acontecimento da Igreja Católica do séc. XX.
Com anjos ou sem anjos, os sacramentos movem-se sempre no mundo simbólico que só fala à inteligência a partir dos sentidos mergulhados nas realidades terrestres mais elementares. Ao se tornarem manifestações rituais e litúrgicas exprimem, em gestos e palavras, a identidade partilhada da fé e a sua transmissão. É a fé subjectiva e manifestada que constitui a alma e o motor de todas as formas da ritualidade cristã. Por tudo isso, petrificar os ritos, considerá-los estáticos e imutáveis é trair a condição incarnacionista do cristianismo. Ritualidade e criatividade não se excluem, exigem-se mutuamente. As celebrações litúrgicas que se limitam, ano após ano, a reproduzir um ritual fixo, tornam-se ritos de sepulcros vazios. Como escreveu S. Tomás de Aquino, a graça não substitui a natureza, não evapora o tempo, a mudança. 
Por enquanto, – aproxima-se a era do pós-humano! - os rituais têm a sua raiz na condição corporal do ser humano e, portanto, na sua composição biogenética, ecológica – natural e cultural – e bio psíquica. [1].

domingo, 12 de março de 2017

A cada ano a sua Quaresma

Crónica de Frei Bento Domingues 





1. A Quaresma deste ano está marcada por dois movimentos opostos: o da intensificação da Reforma da Igreja, anunciada no programa do Papa Francisco e o da contra-reforma, organizada e com sinais visíveis que mostrem quem está com uma e quem está com outra. Sabíamos que o hábito não faz o monge, agora querem convencer-nos que o cabeção e a batina fazem o padre. Quem se apresentar sem estes sinais não sabemos se está com o caminho aberto por Bergoglio ou não. Terá de o mostrar pelas suas opções pastorais e de vida pessoal. Quem exige que os fiéis se ajoelhem na missa durante a consagração e para receber a comunhão parece que não gosta muito do Vaticano II nem das ousadias do Papa Francisco. Dizem-me que certos párocos tentam resgatar a memória de lugares marcados na igreja, anteriores ao Concílio, mediante genuflexórios forrados para joelhos delicados. Parece que ainda não está previsto dividir o espaço das celebrações colocando as mulheres atrás e os cavalheiros à frente.
Quando se participa em missas solenes, com bispo ou cardeal, uma das distracções possíveis é a contagem das vezes que lhes põem e tiram o solidéu, a mitra e o báculo.
As novas tecnologias, como por exemplo iPads, tablets e e-readers – coisas que me ultrapassam -, estão a substituir missais e breviários, livros antigos muito veneráveis e pouco portáteis, com muitas vantagens económicas, com recursos imagísticos e musicais e prontos a servir, sem ter de incomodar grupos ad hoc para baptizados, casamentos e funerais e, ainda, um reportório de homilias previamente adaptadas aos públicos e pregadores mais diversos. Haverá quem diga, como a nordestina brasileira, quando na missa substituíram o latim pelo português: tiraram-lhe a decência.
É muito possível que isto possa suscitar um novo debate sobre simbologia e ritualidade litúrgica e seus dignos e indignos suportes.