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quinta-feira, 30 de maio de 2019

D. Pedro V – um rei profeta



“Quando as nações tiverem abandonado os seus prejuízos e visto a realidade, a Europa formará uma grande federação de povos que se compreendem e que realizam mutuamente os seus interesses” 

Pedro V (1837-1861), rei de Portugal de 1853 a 1861 

Citado pelo PÚBLICO de Domingo

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Domingos Cardoso no FUGAS do PÚBLICO



Maria José Santana, jornalista, publica hoje no PÚBLICO, no suplemento FUGAS, uma reportagem sobre o ilhavense Domingos Freire Cardoso, conhecido professor, poeta e estudioso da sua terra natal e suas gentes. 
O trabalho da jornalista incide, fundamentalmente, sobre o mais recente livro daquele autor, “Palabras co bento no leba”, dedicado ao linguajar típico das gentes ilhavenses. Trata-se de uma obra que deixa aos vindouros sinais indeléveis da identidade dos ílhavos. 
Sugiro, pois, aos meus leitores, que leiam e apreciem a reportagem da Maria José Santana.

Ler reportagem aqui 

domingo, 1 de abril de 2018

FOI MORTO, MAS ESTÁ CADA VEZ MAIS VIVO!

Frei Bento Domingues 


"Repetem-se as denúncias 
de que estamos a globalizar 
a destruição do nosso planeta, 
quando temos todos os meios 
para fazer dele um paraíso."






1. Quando alguém diz "aquele não é bem acabado", está a falar de si próprio e dos outros, porque o ser humano nunca está bem acabado. Não sabemos quem somos, pois, o que seremos é-nos desconhecido. Não somos só o passado nem só o presente, mas o futuro e esse é filho da esperança. A esperança tem muitos nomes. São frequentes as sondagens de opinião que tentam conhecer os desejos, as espectativas e as esperanças de cada um. Não é novidade nenhuma saber que todos desejam ser felizes. Varia muito, no entanto, o que cada pessoa entende por felicidade. A expressão antiga diz bem a nossa condição animal: "haja saúde e coza o forno". É saudável que todos desejem melhorar as suas condições de vida, avançar na carreira como forma de auto-estima, para além do interesse monetário. Mesmo se o dinheiro não der felicidade, dá muito jeito. Muita gente espera a vida inteira o Euromilhões. O Papa Francisco contenta-se com pouco, mas deseja para todos os três T's, como forma mínima de dignidade: tecto, trabalho e terra. As pessoas gananciosas, para satisfazer os sonhos de riqueza, saltam por cima de tudo e de todos. A lista dos mais ricos de um país ou do mundo não é muito grande. Grande é a distância entre os poucos loucamente ricos e os muitos loucamente pobres e miseráveis. Mas não tem de ser assim.
Conta-se que, quando João XXIII chegou ao Vaticano, perguntaram-lhe: "quantas pessoas trabalham aqui?" "Mais ou menos metade"! A sua primeira medida foi a de aumentar os salários mais baixos, tendo em conta a situação familiar de cada um. Quando expôs esta medida ao gestor financeiro do Vaticano, este disse que era o caminho para a bancarrota. "Não me parece nada, porque desci todos os salários altos. As despesas são as mesmas" [1]. Tinha sido, aliás, a recomendação de S. Paulo. É tudo gente, como Jesus Cristo, que nada sabem de finanças, no dizer do nosso Fernando Pessoa.

domingo, 25 de março de 2018

AINDA A QUESTÃO DA MUDANÇA DE HORA

Crónica de Miguel Esteves Cardoso 
no PÚBLICO

Larguem-me as horas

Quando é que deixarão as horas em paz? 
Quando é que será crime manipular assim o nosso querido tempo, 
já de si tão excessivamente curto e comprido como é?

Costumo deitar-me à 1h e meia da manhã. Senti-me roubado quando a hora avançou automaticamente da 1h para as 2h da manhã. E agora? O que é que aconteceu à 1h e meia? A Maria João diz que passou para as 2h e meia. E as 2h e meia? Passaram para as 3h e meia. Mas isso não pode continuar assim.
Fico acordado até às 2h e meia mas é tarde demais para dormir. O meu organismo foi enganado: pensa que eu vou fazer uma directa.

Ler mais aqui 

JERUSALÉM, SÍMBOLO DA GUERRA OU DA PAZ?

Frei Bento Domingues 

Bento Domingues

1. Nunca fui a Jerusalém. Um grande amigo que lá viveu 45 anos e lá morreu, Frei Francolino Gonçalves, nunca tentou convencer-me de que essa seria a peregrinação indispensável. Se não pudesse dispor pelo menos de um mês para observar e estudar as suas loucuras e contradições, era melhor não pôr lá os pés. Lamentava que as "peregrinações paroquiais" se esquecessem de visitar e apoiar as comunidades cristãs vivas, de língua árabe, e se fixassem apenas em pedras e lugares sagrados da memória, resgatados pela arqueologia.
Li narrativas, reportagens e obras sobre a chamada Terra Santa e os seus lugares de importância diferente para judeus, cristãos e muçulmanos.
Sei que o conhecimento directo da geografia dos acontecimentos bíblicos, históricos ou lendários, pode ajudar a imaginação de um leitor da Bíblia. Não consigo, porém, entrar na ideologia dos lugares sagrados ou santos. Esta facilmente resvala para a idolatria e para a magia. Um bom negócio, em todo o mundo, contra o qual o próprio Jesus se insurgiu. Sagradas são as pessoas de todos os povos e culturas. Nem acho graça nenhuma que um povo, seja ele qual for, se possa chamar povo de Deus, como um privilégio. Os outros povos de quem são?
Jesus teve um encontro inesperado com uma Samaritana. Um encontro fantástico. Entre outras questões, ela procurou tirar a limpo a dos lugares sagrados: os nossos pais adoraram neste Monte (Garizim), mas vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar. Jesus, depois de muitas considerações, concluiu: Vem a hora — e é agora — em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade [1]. Deus não está preso a nenhum lugar.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O PÚBLICO COMPLETOU 28 ANOS DE VIDA



O diário PÚBLICO completou hoje 28 anos de vida, sinal de que já atingiu a maioridade há muito tempo. Prova disso está no facto de resistir às investidas das novas tecnologias, adaptando-se e superando as dificuldades. Leio este jornal desde o primeiro número e não consigo adaptar-me a outro. Conheço os cantos à casa e vou logo direto aos assuntos. 
O PÚBLICO veio ao mundo sob a batuta de Vicente Jorge Silva, um jornalista com ideias claras e arejadas, que hoje, por convite da direção, voltou, por um dia, a dirigir o jornal. E no artigo que escreveu — Marcas no tempo — lembra: «O PÚBLICO nasceu num momento crucial de transição entre dois mundos: o mundo pré-Internet e o mundo pós-Internet, no centro nevrálgico de uma revolução tecnológica, cultural e social que alterou decisivamente o rumo das nossas vidas e hábitos quotidianos.» 
Os meus parabéns a quantos o dirigem e nele trabalham, diariamente, para nos manterem mais lúcidos e esclarecidos no mundo de hoje. 

domingo, 4 de março de 2018

A EUROPA ESTÁ DOENTE

Vicente Jorge Silva diz hoje, 
no PÚBLICO, que a Europa está doente, 
"eventualmente moribunda". E como salvá-la?

Vicente Jorge Silva

Depois da esperança do voluntarismo macronista que apontava para uma refundação do projecto europeu, é quase inevitável sermos hoje confrontados com um diagnóstico sem apelo: a Europa está doente, minada pelo desencanto e, quem sabe?, eventualmente moribunda.

"As legislativas italianas deste domingo não oferecem nenhum cenário que permita encarar o futuro de forma optimista e construtiva. A confusão política generalizada, a ascensão das forças xenófobas e eurocépticas, sem precedentes nas últimas décadas, a desorientação e o cansaço instalados entre as correntes progressistas e pró-europeias, tudo isso aponta para um cenário caótico e, porventura, ingovernável. Aquele que foi um dos países fundadores do projecto europeu e, apesar da sua quase genética instabilidade governativa, um dos mais optimistas e voluntariosos porta-vozes da esperança europeia, não resistiu à pulverização política que se seguiu ao desabar dos antigos equilíbrios partidários entre o centro-esquerda e o centro-direita."


domingo, 25 de fevereiro de 2018

Porque será que a Alegria do Amor dá tanta tristeza

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

Frei  Bento Domingues

1. A violenta controvérsia sobre os divorciados recasados e o seu acesso à comunhão eucarística continua a agitar as comunidades católicas de todo o mundo. Porque será? Não tenho resposta pronta a servir. O teólogo dominicano, Ignace Berten, escreveu um livro admirável para que ninguém caia nessa tentação[1]. Segue o método de transcrever os textos das posições mais típicas e só no final imite a sua bem informada perspectiva. Não lhe interessa, unicamente, discutir as três realidades acerca da família que foram objecto de questionamento e de controvérsia, sobretudo, as que dizem respeito à contracepção, que põem em causa a doutrina da Humanae Vitae, o acolhimento dos divorciados recasados pela igreja, o acesso à comunhão, os homossexuais e a relação homossexual.
Os debates mais vivos dizem respeito aos divorciados recasados. Têm sido os mais apaixonados e, por vezes, violentos.
João Paulo II, na sua exortação apostólica Familiaris consortio de 1981, no seguimento do primeiro Sínodo sobre a família (1980), excluía qualquer possibilidade de acesso à comunhão dos divorciados recasados, a não ser que se comprometessem a viver como irmão e irmã. Em certas dioceses existia uma pastoral desse estilo. No entanto, em meados dos anos 70, na Bélgica, já tinha nascido uma outra perspectiva pastoral. Em 1993, na Alemanha, alguns bispos promoveram de forma pública, uma pastoral de abertura. Em 1994, a Congregação para a Doutrina da Fé (GDF) interveio condenando essa prática e não podendo, nesses casos, fazer apelo à consciência.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

A FAMÍLIA NASCE DE UMA BÊNÇÃO DIVINA

Bento Domingues 


«O humor não faz mal ao amor à família. Em Granada, encontrei um pequeno azulejo com estes dizeres: família só a Sagrada e, mesmo esta, na parede pendurada.»

1. Da religião da tristeza resvalou-se para a tristeza da religião. Os primeiros gestos, palavras e atitudes do Papa Francisco mostraram que era possível virar essa página: a da Igreja e a da sociedade. Não queria fazer nada sem Deus e sem os irmãos. Mas o Deus de que fala e vive não é o da tristeza e da ameaça. Os irmãos convocados não são, apenas, os praticantes dos rituais católicos.
É bem conhecido que, em muito pouco tempo, enviou ao episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos uma convocatória para levarem o Evangelho da Alegria ao mundo actual. Inscreveu-se, deste modo, no caminho aberto por Jesus de Nazaré, assumido por João XXIII e esboçado no Vaticano II. Entretanto, o mundo mudou e está a mudar com uma velocidade estonteante.
Para Klaus Schwab, entre os muitos e diversificados desafios fascinantes que enfrentamos, o mais intenso e importante é como compreender e definir a nova revolução tecnológica, que implica nada menos do que a transformação de toda a humanidade. Estamos no início de uma revolução que alterará radicalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Na sua escala, amplitude e complexidade, o que considera ser a Quarta Revolução Industrial é diferente de tudo o que a humanidade viveu antes [1].

domingo, 11 de fevereiro de 2018

VICIADO EM BOAS NOTÍCIAS

Crónica de Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues


1. Leio, todos os dias, textos dos Evangelhos. A palavra evangelho é a tradução do grego evangelion. Significa boa notícia. Não é o culto daquela atitude preguiçosa que espera que tudo há-de acabar por dar certo, sem mexer uma palha. Jesus interpretou a sua missão como resposta aos desafios que ia encontrando na sua intervenção pública: eram pedidos de socorro de pessoas afectadas por todo o género de doenças físicas, psíquicas, de exclusão religiosa e social. As mais insólitas e as mais correntes
Quando se proclama o Evangelho na Celebração da Eucaristia, não é para lembrar o que Jesus fez há mais de dois mil anos. É para dizer à comunidade cristã o que é preciso fazer hoje. Quando usamos as palavras de Jesus na chamada Última Ceia: fazei isto em memória de Mim, não é para cumprir um ritual, mas para intimar os cristãos a continuarem hoje o Evangelho. Uma missa que não dá notícias das transformações que a comunidade realizou na semana anterior e das que se compromete a realizar na semana seguinte, não celebra o Evangelho. As notícias cristãs de há dois mil anos, se não provocarem hoje transformações nas Igrejas ao serviço das alterações que a sociedade precisa, comem e bebem a sua própria condenação, segundo a expressão de S. Paulo [1].
A repetição dos textos, só por si, mata a novidade do movimento cristão. Quando não se entra no espírito que animava a vida de Cristo, a repetição não é caminho. Sem a ciência da interpretação estamos sempre a resvalar para o fundamentalismo ou para a banalidade. A letra mata, o espírito vivifica.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

BABEL, BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO?

Frei Bento Domingues 

Frei Bento Domingues

1. Para os meios de comunicação, a moda mais recente é a preocupação com as divisões na Igreja católica que me parecem coisa de pouca monta. Vencer a separação entre as igrejas do Oriente e do Ocidente e entre católicos e protestantes tem sido a beleza do horizonte do movimento ecuménico, nas suas diversas expressões. Quem conhecer o movimento cristão sabe que, desde o começo, esteve sempre exposto a divisões. Os apelos a que todos sejam um significam a dificuldade em conseguir uma unidade plural. O cristianismo continua a ser uma Sinfonia Adiada [1].
O que custa não é a comunhão, não é a diversidade, nem a liberdade. O que custa é manter estas três atitudes em simultâneo. Quem insiste apenas na comunhão tem problemas com a diversidade e com a liberdade. Quem, pelo contrário, exalta a diversidade e a liberdade é porque, em nome da comunhão, sente a ameaça da unicidade.
O mito da Torre de Babel [2] não é de fácil interpretação. Supõe-se que Deus se sentiu ameaçado por uma Torre que chegava aos céus, obra da unicidade linguística: “Em toda a Terra, havia somente uma língua e empregavam-se as mesmas palavras [...]. Vamos, pois descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros. E o Senhor dispersou-os dali por toda a Terra.”

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Igreja “importa” padres para chegar a todas as paróquias

Reportagem de Natália Faria 
publicada no PÚBLICO de ontem

«Vêm da Ucrânia, Brasil, Angola, Itália, mas também Polónia, Espanha. À míngua de padres, a Igreja Católica entregou paróquias a dezenas de estrangeiros. Alguns, casados e com filhos. Trata-se — acusam os mais críticos — de mero remendo para um problema que reclama a ordenação de mulheres e homens casados.»

Vigário-geral da diocese de Aveiro


“Fujo à ideia do sermão”

«Na diocese de Aveiro, dividida em 101 paróquias, contam-se cinco padres estrangeiros, nas contas do vigário-geral, o padre Manuel Joaquim da Rocha. “Chegámos a ter uma irmã religiosa que fazia a celebração da palavra numa paróquia, mas agora não. O que temos agora são diáconos responsáveis pela celebração da palavra nalgumas paróquias.” Em tudo iguais a uma missa, as celebrações da palavra distinguem-se pelo facto de não serem evocadas as palavras de Jesus na última ceia nem serem consagrados o pão e o vinho (são-no previamente por um sacerdote). Os diáconos permanentes podem ser casados e ter filhos e podem baptizar, presidir a casamentos, baptizados ou funerais. Não podem é dar a santa unção, ouvir os fiéis em confissão nem chamar missa à missa que efectivamente celebram. Para serem reconhecidos enquanto tal pela Igreja, têm de ter mais de 35 anos, uma vida estável na comunidade em que se inserem e passar por uma formação que os habilita a exercer aquelas funções.»

NOTA: Texto transcrito do jornal Público. Foto do meu arquivo. 

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domingo, 21 de janeiro de 2018

As trapalhadas com as mulheres na Igreja (II)

Frei Bento Domingues 
no PÚBLICO



1. No passado domingo, o PÚBLICO apresentou uma deliciosa reportagem [1] sobre as celebrações dominicais promovidas e orientadas por leigos, mulheres e homens e um oportuno editorial de Lurdes Ferreira, sobre O tempo dos leigos.
As trapalhadas com os ministérios na Igreja afectam, sobretudo, a celebração da Eucaristia e são uma dificuldade para a hospitalidade eucarística entre as Igrejas cristãs [2]. 
Na reportagem sobre as pessoas que tomam a iniciativa de reunir e formar uma comunidade que não tem ministros ordenados para presidir à Eucaristia, por que razão não poderá o bispo ordenar alguém que é reconhecido como competente e zeloso na formação e no crescimento dessa mesma comunidade?
Edward Schillebeeckx [3] tentou, em 1980, uma solução para o serviço de presidência da Eucaristia, nas comunidades eclesiais. Aparentemente não correu bem, mas ele não desistiu. Esse caminho é, neste momento, aquele que nos pode abrir um presente e um futuro para a vida eucarística das comunidades católicas. Em nome de uma disciplina canónica inadequada, estamos a deixar as paróquias, os grupos e os movimentos católicos à deriva. Insiste-se na celebração da Eucaristia como o sacramento dos sacramentos. Com toda a razão. As comunidades de baptizados têm direito a participar na sua celebração. De facto, arranjam-se cenários para as impedirem. O pretexto é sempre o mesmo: não há padres. Se não há, façam-nos. Não faltam candidatos e candidatas preparados, ou que podem ser preparados, com desejo de receberem esse ministério. Mas não nos moldes actuais. O modelo presente já não pode ser o único. Sem imaginação, sem vontade de alimentar e dinamizar as comunidades católicas, as lideranças da Igreja só se podem queixar de si mesmas.
Importa entender o percurso e as razões deste dominicano holandês para perceber duas coisas: nunca se conformou com os obstáculos criados às reformas propostas pelo Vaticano II, nem se contentou com repetir os seus documentos. Procurou inovar e não se resignou perante os repetidos processos que Roma lhe moveu, sem nunca o conseguir condenar.

domingo, 14 de janeiro de 2018

AS TRAPALHADAS COM AS MULHERES NA IGREJA (I)

Frei Bento Domingues 

1. O Cardeal norte-americano Joseph William Tobin, arcebispo de Newark, nasceu em 1952. É o mais velho de 13 irmãos, entre os quais, oito são mulheres. Numa entrevista, revela a sensação generalizada de frustração e retrocesso produzida pela continuada proibição das mulheres receberem as ordens sagradas na Igreja Católica. Vive num país e numa cultura em que todas as áreas da vida se vão abrindo às mulheres, menos na Igreja. Este género de obstáculos acaba por as afastar. Está, no entanto, optimista. É desejo do Papa Francisco reconhecer-lhes um papel mais activo. Esse desejo não se pode realizar, apenas, com algumas nomeações isoladas para certas funções na Cúria Romana. Lembra, de forma astuta, que para alguém ser nomeado cardeal, isto é, para o próprio governo da Igreja, não é preciso ter o sacramento da Ordem, pois, no século XIX, houve cardeais leigos. Conclusão: não há nenhum obstáculo, de ordem teológica, que impeça a nomeação de mulheres para o cardinalato, para ajudar o Papa no governo da Igreja.
Parece-me uma posição habilidosa. Se as mulheres passarem a ter influência na orientação e no governo da Igreja, poderão ajudar a que os argumentos pseudo-teológicos, que as impedem de receber o sacramento da Ordem, sejam revistos e acabem com a ideia da chamada impossibilidade definitiva [1]. Este arcebispo propõe: já que não as deixam entrar pela porta, sugiro que entrem pelo telhado!

sábado, 13 de janeiro de 2018

LIVRARIA LELLO COM 400 CARAS




A livraria Lello do Porto é considerada uma das mais bonitas do mundo e orgulha-se disso, com os seus 112 anos de existência. Hoje,13 de janeiro, esteve em festa, como li no Público, e não terão faltado visitantes amantes da arte e da cultura. Se morasse por perto, também gostaria de lá estar para apreciar o Rosto do Porto - 400 caras moldadas pela escultora Ester Monteiro. Diz o Público que a artista homenageou personalidades diversas, entre as quais figuram Fernanda Ribeiro, Alexandre Quintanilha, João Botelho, Souto Moura e Siza Vieira.

O que escrevi sobre a última visita pode ler aqui

domingo, 7 de janeiro de 2018

LEMBRAR AS VÍTIMAS NÃO EVITA NOVAS VÍTIMAS

Frei Bento Domingues 
no PÚBLICO 



1. Com verdade ou maldade, ouvi repetir, desde há vários anos, que para os meios de comunicação, sobretudo para as televisões, os incêndios representam uma bênção. Fazem subir as audiências sem grandes custos, alimentam a morbidez pelos desastres, intoxicam o país de irremediáveis opiniões contraditórias e paralisantes. A visão dos nossos recursos, potencialidades e lacunas é substituída pelo espectáculo das chamas. Resta a conversa sobre as responsabilidades do Estado, cada vez mais diluídas e transnacionais, os interesses das empresas privadas, a desertificação do interior e os aproveitamentos partidários de circunstância. O reordenamento do território com a participação activa das populações é o tema nunca esquecido e sempre adiado. As suspeitas de fogo posto e as capacidades da lua incendiar a noite são enigmas recorrentes.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Bento Domingues — Quem desafia quem?



1. A guerra de insultos entre ciência e religião só pode ser alimentada e divulgada pelo persistente desconhecimento da natureza destas duas atitudes e práticas, igualmente humanas e diversas. Não são concorrentes, pois não brotam das mesmas perguntas, nem seguem os mesmos caminhos. Uns são os métodos da investigação científica, outros os percursos da experiência religiosa.
Certas formas de ateísmo contemporâneo, com ou sem invocações científicas, pretendem mostrar que a religião é um veneno. Para os adversários deste neoateísmo trata-se, apenas, “da última superstição”. São, de facto, duas apologéticas ideológicas. Deliciam-se a encontrar as formas mais sofisticadas ou mais grosseiras de se desqualificarem mutuamente. Distorcem um debate necessário, que não pode ser feito nesses termos, nem nesse clima crispado e de propaganda (1).
Muito diferente é o estilo de Francisco J. Ayala, um biólogo, membro da Academia Nacional das Ciências dos EUA, que também teve uma exímia preparação teológica. Ao terminar a sua obra sobre a evolução e a fé religiosa mostra que elas não são incompatíveis. Os crentes podem ver a presença de Deus no poder criativo do processo de selecção natural, descoberto por Darwin. Como este escreve no final da Origem das Espécies, “existe grandeza nesta concepção de que a vida, com as suas diferentes forças, foi alentada pelo Criador … e que, a partir de um princípio simples se desenvolveram uma infinidade de formas, as mais belas e poderosas” (2).
Hoje, existem bastantes pessoas com preparação científica e teológica para não se fazer de uma teoria científica e de uma convicção de fé religiosa um campo de batalha. Na religião não vale tudo. Jesus Cristo passou o tempo a denunciar a religião em que foi criado quando ela não servia a vida e alegria dos seres humanos.

2. O Papa Francisco (3), no passado dia 18 de Novembro, ao receber os Membros, Consultores e Colaboradores do Pontifício Conselho para a Cultura, assumiu, no seu discurso, uma posição descontraída, como se fosse absolutamente normal a Igreja ser desafiada e desafiar a questão das questões, a questão antropológica, e encontrar as linhas futuras de desenvolvimento da ciência e da técnica.
Bergoglio realçou que este Conselho para a Cultura tinha concentrado a sua atenção, de modo particular, em três tópicos.
O primeiro é sobre a medicina e a genética, que nos permitem olhar para dentro da estrutura mais íntima do ser humano e até intervir nela para a modificar. Tornam-nos capazes de debelar doenças que até há pouco tempo eram consideradas incuráveis; mas abrem, também, a possibilidade de determinar os seres humanos, “programando”, por assim dizer, algumas das suas qualidades.
Em segundo lugar, as neurociências que oferecem cada vez mais informações sobre o funcionamento do cérebro humano. Através delas, realidades fundamentais da antropologia cristã como a alma, a consciência de si e a liberdade aparecem, agora, sob uma luz inédita e até podem ser postas seriamente em discussão por parte de alguns.
Finalmente, os incríveis progressos das máquinas autónomas e pensantes, que em parte já se tornaram componentes da nossa vida quotidiana, que nos levam a meditar sobre aquilo que é especificamente humano e nos torna diferentes das máquinas.
Todos estes desenvolvimentos científicos e técnicos induzem algumas pessoas a pensar que nos encontramos num momento singular da história da humanidade, quase na alvorada de uma nova era e no surgimento de um novo ser humano, superior àquele que conhecemos até agora.
As interrogações e as questões que devemos enfrentar são graves. Por isso a Igreja, que acompanha, com atenção, as alegrias e as esperanças, as angústias e os medos do nosso tempo, deseja colocar a pessoa humana e as questões que lhe dizem respeito, no centro das suas próprias reflexões.
A antropologia é o horizonte de auto compreensão no qual todos nos movemos, diz o Papa, e determina a nossa noção do mundo e as escolhas existenciais e éticas. Hoje, apercebemo-nos de que os grandes princípios e os conceitos essenciais são constantemente postos em questão, inclusive com base num maior conhecimento da complexidade da condição humana. Exigem novos aprofundamentos. Por outro lado, as mudanças socioeconómicas, os deslocamentos de populações, os confrontos interculturais, a propagação de uma cultura global e, sobretudo, das incríveis descobertas da ciência e da técnica inscrevem-se num contexto mais fluido e mutável.

3. Bergoglio pergunta: Como reagir a estes desafios?
Antes de tudo, diz, devemos expressar a nossa gratidão aos homens e às mulheres de ciência pelos seus esforços e pelo seu compromisso a favor da humanidade.
Este apreço pelas ciências, que nem sempre soubemos manifestar, continua o Papa, encontra o seu fundamento último no desígnio de Deus, que nos escolheu antes da criação do mundo como seus filhos adoptivos (4), confiando-nos o cuidado da criação: cultivar e salvaguardar a terra (5).
Precisamente porque o ser humano é imagem e semelhança de um Deus que criou o mundo por amor, o cuidado de toda a criação deve seguir a lógica da gratuidade e do amor, do serviço e não do domínio nem da prepotência.
A ciência e a tecnologia ajudaram-nos a aprofundar os confins do conhecimento da natureza e, em particular, do ser humano. Elas sozinhas não são suficientes para todas as respostas. O ser humano tem outras dimensões. É necessário recorrer aos tesouros da sabedoria conservados nas tradições religiosas do saber popular, à literatura, às artes e a tudo o que toca o mistério da existência humana, sem esquecer a filosofia e a teologia.
Não estamos no pior nem no melhor dos mundos. Os progressos científicos e tecnológicos são incontestáveis, mas a quem aproveitam? Quem são os seus beneficiários? Servem para o bem da humanidade inteira ou criam novas desigualdades? As grandes decisões sobre a orientação da pesquisa científica e sobre os investimentos que exigem devem ser tomadas pelo conjunto da sociedade ou ditadas apenas pelas regras do mercado ou pelo interesse de poucos?
Com o Papa Francisco entramos numa Igreja que aceita ser desafiada, mas que desafia, não como quem manda, mas como quem serve a casa comum.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO


(1) Edward Feser, A última superstição. Uma refutação do neoateísmo, Ed. Cristo Rei, Belo Horizonte, 2017
(2) Cf. Darwin y el Diseño Intekigente. Creacionismo, Cristianismo Y Evolución, Alianza Editorial, Madrid, 2008, pp 206-207
(3) Discurso do Papa Francisco ao Pontifício Conselho para a Cultura
(4) Ef 1, 3-5
(5) Cf. Gn 2, 15

domingo, 3 de dezembro de 2017

Bento Domingues - Entre o fim e o começo



1. Foi há 60 anos que li, pela primeira vez, na Summa Theologiae, de S. Tomás de Aquino, uma advertência que não se destinava apenas a principiantes: em teologia, é preciso evitar argumentações pretensiosas, sem fundamento rigoroso. Quem as usa oferece aos infiéis matéria para se rirem da fé, pois ficarão com a ideia de que as afirmações dos crentes são todas igualmente estúpidas [1].
Existem instituições eclesiásticas que se tornaram um obstáculo evidente ao desenvolvimento da vida cristã da Igreja e à realização da sua missão essencial na sociedade. Seria normal que fossem submetidas a uma avaliação rigorosa e se procedesse à sua reorientação e reconfiguração. Não é assim que acontece. Não é pelos frutos que se conhece a árvore? Insiste-se, pelo contrário, na sua sacralização para não se poder mexer nelas e arranjam-se razões que servem apenas para afastar os crentes e fazer rir os agnósticos e ateus.
O regime actual dos ministérios ordenados está a secar as comunidades católicas e a privá-las da Eucaristia a que todos os baptizados têm direito. E. Schillebeeckx mostrou que era possível encontrar respostas criativas que não precisavam de passar pelos seminários. O Cardeal Ratzinger bem se esforçou, mas não encontrou razões para invalidar as propostas finais do teólogo dominicano. Yves Congar, a figura maior da eclesiologia católica no séc. XX, declarou que as assinava, sem reticências. Nada feito. A situação continua a agravar-se. O caso tão badalado do “padre da Madeira” encontrou na hierarquia declarações que não deixam ninguém indiferente: uns sofrem com elas e outros riem-se. A retórica eclesiástica, mal argumentada, acaba por deixar mal as crianças, a família, os padres e o celibato. S. Tomás de Aquino tinha razão [2]. 

2. O Papa, neste caso e semelhantes, não pode fazer nada? Não se esqueça que o Papa é bispo de Roma, não é bispo da Madeira ou de Lisboa. Terá um dia de alterar o modelo de escolha e nomeação dos bispos. Mas a nível central, não lhe tem faltado trabalho com a reforma da Cúria. Foi João XXIII, nos tempos modernos, o primeiro a defender que seria um bem geral “sacudir a poeira imperial, que foi caindo, desde Constantino, sobre o trono de Pedro”. O Papa Francisco continua às voltas com essa herança pesada e paralisante [3].
Bergoglio tem um programa envolvente de que não abdica, apesar de todas as resistências. Propõe: “Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe, tendo as portas abertas, procuramos mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem a não frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente. Quem a abandonou fê-lo, por vezes, por razões que, se forem bem compreendidas e avaliadas, podem levar a um regresso. Mas é necessário audácia, coragem.” [4]
As dificuldades de Jesus Cristo, ao propor uma mudança de mentalidade aos seus contemporâneos e aos membros do povo a que pertencia, encontrou uma grande adesão no mundo dos excluídos, mulheres e homens, e uma resistência implacável entre os privilegiados e, sobretudo, entre os fariseus, os que não entravam no novo projecto de vida nem deixavam entrar. O Papa Francisco não hesita em lembrar estas passagens dos Evangelhos para comparar com o que está a acontecer com as reformas que propõe. Certos cardeais, bispos, padres, seminaristas — e outros grupos organizados — são os que mais resistem às reformas que ele propôs e que são inadiáveis. As resistências, activas e passivas, são cada vez mais declaradas e ridículas. Assim como aconteceu com Cristo, nenhuma ameaça o tem paralisado.

3. Muito se discutiu se a História tem ou não sentido. Não vou reabrir esse dossier [5], mas fiquei, mais uma vez, fascinado com o desenlace do Capítulo 25 do Evangelho de S. Mateus. É uma parábola. É a coroa de duas anteriores. Parece ser o julgamento final.
Como parábola está sujeita a várias interpretações. É muito estranha. A divindade não está separada do devir do mundo. Mais ainda, está identificada com todas as pessoas, que não têm todas o mesmo comportamento. O que as divide? O modo como olham para o vizinho, para o socorrer ou para o ignorar. É um golpe fatal na religião que está apenas preocupada com Deus. Quem se preocupa só com Deus, nem com Deus se preocupa.
Cristo não surgiu com uma nova organização religiosa concorrente no mundo das religiões. O seu embate constante foi com as instituições do Povo de Deus, que esqueciam e maltratavam quem mais precisava de acolhimento e ajuda. O culto religioso tornara-se o adversário da alegria humana. Isto era absolutamente inaceitável para Jesus. O aforismo “o sábado é para o ser humano e não o ser humano para o sábado” é o símbolo da alteração mais radical no campo religioso, seja qual for a época.
O que, de facto, festejámos no Domingo passado foi, por um lado, a vitória contra a indiferença. Não podemos andar no mundo e dizer não vi, não sei, não é comigo. Por outro, o que faz a diferença e julga a vida de cada um é o estilo da sua própria vida. Quando o Senhor da história se identifica com os socorridos ou abandonados, não deixa nada para o fim. É hoje que cada um diz a última palavra.
Celebramos, neste Domingo, o começo do Advento. Que não estamos no melhor dos mundos possíveis, é evidente. Se julgamos que é impossível alterá-lo, somos suicidas, niilistas. Não seríamos verdadeiramente humanos e muito menos cristãos. Que fazer?


Frei Bento Domingues no PÚBLICO


[1] I q.46.a.2.
[2] Cf. Ricardo Araújo Pereira, Discriminar como Jesus discriminou, Visão, 23.11.2017; Teresa Martinho Toldy, A Igreja fechada no seu Olimpo, PÚBLICO, 25.11.2017
[3] Yves Congar, Igreja serva e pobre, Ed. Logos, Lisboa 1964, p152
[4] Entrevista do Papa Francisco, Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora, Paulus, 2013, pp 36-37
[5] Francisco J. Ayala, Darwin Y el Diseño Inteligente. Creacionismo, Cristianismo Y Evolución, Aliança Editorial, Madrid, 2008

domingo, 26 de novembro de 2017

Bento Domingues — Teologia da libertação ou libertação da teologia? (3)



1. Depois das duas crónicas anteriores, importa responder à pergunta que as motivou e que elas tentaram introduzir: qual foi o impacto da Teologia da Libertação (TdL) em Portugal?
O peruano Gustavo Gutiérrez, considerado o pai da TdL, explicou, muitas vezes, como ela nasceu e se desenvolveu. Para ele, os anos que vão de 1965 a 1968 foram os mais decisivos na experiência dos movimentos populares da América Latina (AL) e na participação dos cristãos nesses movimentos. A TdL tem aí as suas raízes. A célebre Conferência de Medellin (Colômbia, 1968) assumiu uma das tarefas que João XXIII tinha proposto ao Vaticano II: a causa dos pobres. O tema central da conferência acabou por ser reformulado nos seguintes termos: a Igreja do Vaticano II à luz da realidade latino-americana.
Na TdL existem duas intuições centrais e que foram, mesmo cronologicamente, as primeiras: o método teológico e a perspectiva do pobre. O acto primeiro é o compromisso com o processo de libertação; a teologia brota daí como acto segundo, servida pelas ciências humanas e sociais. É a reflexão crítica a partir e sobre a praxis histórica em confronto com a Palavra de Deus. Esta é acolhida na Fé que nos chega através de múltiplas e, por vezes, ambíguas mediações históricas, que importa refazer no dia-a-dia [1].
As lideranças da Igreja da AL fizeram o que deveria ter sido feito em todos os continentes. O Vat. II trabalhou na viragem do papel da Igreja no mundo contemporâneo. Pertencia às Igrejas locais confrontarem-se com a significação dessa viragem. Esta tarefa exigia a realização de mini-Vaticanos II de acordo com a diversidade de povos e culturas, tornando o concílio efectivamente ecuménico.

2. Em Portugal, como mostrou mais tarde o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel de Almeida Trindade, o Vaticano II não foi preparado, não foi acompanhado e, por isso, ficou sem pessoas ou grupos que tivessem incorporado esta revolução. Como dizia o cardeal Cerejeira, nós já estávamos muito mais adiantados do que aquilo que era dito, discutido e decidido nessa assembleia conciliar. A tradução dos livros litúrgicos e, na celebração da Eucaristia, o padre ter abandonado a posição de costas para o povo foram ganhos evidentes.
O importante era impedir quaisquer interrogações, discussões, debates. Por outro lado, o regime de censura política era suficiente para preservar o país desse contágio. A inércia dos dirigentes da Igreja portuguesa só podia agradecer.
Não se pode esquecer que a situação do país, a nível interno e internacional, era complicada e agravou-se durante a época conciliar: três frentes de guerra [2], imigração galopante e uma juventude sem perspectivas. São temas já saturados de análises diversas e também não faltam estudos sobre as relações entre a Igreja e o Estado Novo.
O catolicismo tradicional entrou em crise um pouco por toda a parte. Não por causa do concílio, como muitas vezes se diz, mas porque, mesmo a nível do Vaticano, não houve resposta para concretizar as orientações conciliares. Algumas medidas autoritárias, entre elas as referentes à ética matrimonial, aos ministérios ordenados e às mulheres, impediram que o Vat. II realizasse a sua Primavera. O Inverno que se seguiu foi muito longo.
Portugal, além de sofrer o que outras Igrejas sofreram, não estava preparado nem tinha recursos para enfrentar a originalidade das nossas dificuldades. A Acção Católica entrou em crise irreversível e os movimentos que entretanto surgiram não era com o futuro do Vat. II que estavam preocupados.
Com o 25 de Abril, os militantes católicos, cada um com as suas preferências, interessaram-se, sobretudo, pelas dimensões sociais e políticas do país. Não houve, no interior da Igreja, espaços e meios para alimentar a Fé em novo contexto. Os chamados “Vencidos do Catolicismo” e os católicos não praticantes (do culto) passaram a ser uma designação corrente.

3. Falta a resposta à pergunta principal: qual foi o impacto da Teologia da Libertação em Portugal? Uma resposta documentada e exaustiva não cabe nas dimensões desta crónica [3]. É importante esclarecer que a situação que se vivia em Portugal, quando nasceu a TdL na América Latina, era de opressão política e eclesial, como foi referido. Aconteceu, no entanto, um pequeno milagre na teologia não académica. As congregações religiosas (depois também alguns seminários) uniram-se para criar o Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISET), no seguimento do que já tinha sido iniciado em Fátima (Sedes Sapientae e ISTA). Teve realizações muito diferentes em diversas cidades do país, mas só trabalhei no de Lisboa. Era uma escola teológica profundamente democrática no seu funcionamento interno, num país de ditadura político-religiosa.
O seu programa foi elaborado para realizar as orientações do Vaticano II. Não era, sobretudo, para explicar os seus documentos. O objectivo era muito mais ambicioso: integrar, na reflexão teológica, não apenas as ciências humanas, mas o pulsar da vida do país em todo o seu devir e complexidade. Assumia as questões da guerra e da paz, as transformações aceleradas no mundo do trabalho e na desertificação rural. Construía uma nova teologia marcada pelos acontecimentos e pelos “sinais dos tempos”, numa tentativa de preparar alunos e professores para discernir o que é que se exigia da Igreja no nosso país em transformação.
Clodovis Boff, ao examinar o que se estava a fazer no ISET, testemunhado no seu boletim, concluiu que, sem o nome, a problemática e o método seguidos eram os praticados na América Latina com o nome de Teologia da Libertação.
O ISET de Lisboa durou de 1967 a 1975. Começou na ditadura e foi encerrado quando a liberdade chegou a Portugal. Uma campanha eclesiástica, acusando esse centro teológico de falta de ortodoxia, serviu para obrigar os seus estudantes a frequentarem a Faculdade de Teologia da Universidade Católica, ainda muito incipiente.
Lembrei esse passado, mas o que me interessa é o futuro reaberto pelo papa Francisco, sonhado e trabalhado por muitos que já não puderam ver esta nova esperança.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Gustavo Gutiérrez, La fuerza histórica de los pobres, CEP, Lima, 1980
[2] Cf. António Lobo Antunes, Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Que A Água, D. Quixote, 2017; Isto não é uma crónica, é um vómito de indignação, in Visão (08.06.2017)
[3] Cf. Frei Bento Domingues, O.P., Alguns estilos de prática extra-universitária em Portugal. Breves notas de leitura, in Didaskalia XLVI (2016) II, pp. 91-97; Catarina Silva Nunes, Compromissos incontestados. A auto-representação dos intelectuais católicos portugueses, Paulinas, 2005; Moisés Lemos Martins, Os dominicanos e o ensino da Teologia em Portugal, in A restauração da Província Dominicana em Portugal, Tenacitas 2012, pp. 105-120; Cf. Tb. Teologia da Libertação e prática da Teologia, número especial de Igreja e Missão, n.º 127 (1985)