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domingo, 28 de agosto de 2022

Monografia da Gafanha - 1.ª Edição

Ontem estive a ler excertos da Monografia da Gafanha, 1.ª edição, do Padre João Vieira Rezende, com data de 1936 e registo da Gráfica Ilhavense. Na capa diz 1938. Nem sei há quantos anos sonhei com esta edição. Os dias foram passando e nunca me decidira passar por um alfarrabista, numa tentativa de a comprar. Mas hoje lembrei-me de telefonar ao meu amigo Jorge Pires Ferreira, jornalista e alfarrabista, com um jeito raro de publicitar o que tem em armazém ou na sua livraria, Ror de Livros, e daí a uns minutos tinha à minha disposição a 1.ª edição da Monografia da Gafanha.
Há anos, quando ia ao Porto, em especial no dia do meu aniversário, costumava frequentar os alfarrabistas à cata de livros sobre a nossa região, mas não só. Agora, já não é preciso, porque a Ror de Livros serve bem, e quando não tem, procura.
Comprar livros em segunda mão compensa. Livros quase novos ou novos a preços módicos. E como todos andamos em maré de poupanças, vale a pena visitar os alfarrabistas.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Búzio

Este búzio nada tem a ver com o da estória que o Padre Resende conta.
 Mas que seria semelhante, lá isso seria

«Tão pobrezinha [a primeira capela] que estava desprovida de torre, ou simples campanário, e de sinos.
Sem campanário, sem sinos… Como remediar a falta? Como convocar os fiéis para a santa Missa, para o exercício do culto divino?
Tem o seu quê de regional e de poético a maneira como remediaram a falta e como convocavam os fiéis ao templo. No dealbar do dia, ou à tarde ao mergulhar suave e majestoso do sol nas águas do Oceano, conforme a convocação se fizesse para o Santo Sacrifício ou para as orações da manhã ou da noite, um repolhudo gafanhão, improvisado de sacrista, dirigia-se para o templozinho cheio de misticismo, descalço, de cuecas a cair sobre a rótula, cingidas pelo cós com um só botão às ancas espadaúdas. De barrete pendente sobre as orelhas, contas ao pescoço sobre a baeta da camisola, e de gabão velho, esburacado, deixava fustigar pelo vento da madrugada as canelas magras e nuas.
Este bom e anafado gafanhão, ia eu dizendo, assim descrito, tal qual era na primitiva Gafanha, soprava desesperadamente num enorme búzio, cujos sons cavos, profundos e compassados, iam quebrar-se de encontro às cordilheiras solitárias e silenciosas das dunas, ou espraiar-se pela argentínea superfície do oceano infindo.
E daquele rosto, congestionado e entumecido pelo esforço pulmonar, emergiam uns olhos a saltar das órbitas, a completar um quadro que bem lembrava Neptuno, na solidão das águas, a tirar da enroscada concha vozes cavernosas, a fazer sair dos abismos e das ondas toda a caterva de malignos tritões, a chamar os deuses marinhos para o diabólico conciliábulo de algumas desgraças, ou de alguma tragédia marítima.»

João Vieira Resende,
Na "Monografia da Gafanha"