Mostrar mensagens com a etiqueta George Steiner. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta George Steiner. Mostrar todas as mensagens

sábado, 4 de abril de 2015

É em Sábado que vivemos

Crónica de Anselmo Borges 

Anselmo Borges


Foi condenado pela religião oficial como blasfemo e pelo poder imperial como subversivo social e político. Não por Deus. Porque Deus não quer a dor e o sofrimento, mas a alegria. Deus não precisa de sacrifícios nem de vítimas. Jesus foi vítima, porque Deus não quer vítimas. Entregou a sua vida por amor e foi crucificado, porque Deus não quer crucificados. "Deus é amor incondicional": este é o verdadeiro letreiro que encima a Cruz de Cristo.
Aparentemente, no horror daquela Sexta-Feira Santa, foi o fim. Mas, lentamente, reflectindo sobre a experiência que Jesus fez de Deus, sobre o modo como viveu, como agiu, como morreu, os discípulos fizeram a experiência avassaladora de que o Deus-amor, a quem Jesus se dirigia como Abbá, Pai-Mãe querido, não o abandonou nem sequer na morte. Jesus não morreu para o nada, mas para Deus. Na morte, não encontrou o nada, mas a plenitude da vida de Deus.
Esta é a mensagem de Páscoa, que os discípulos, outra vez reunidos, foram anunciar pelo mundo, e por ela deram a vida. E chegou até nós, cuja vida se passa em Sábado, entre a dor de Sexta-Feira Santa e a esperança do Domingo de Páscoa.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Revista LER publica n.º 100, com entrevista a George Steiner



A religião mundial é actualmente o futebol

A revista LER publicou este mês o n.º 100, com uma edição cheia de recordações, muito interessante para quem tem acompanhado a sua vida. Gostei, como tenho gostado de todas as edições que mês após mês saboreio.
Este n.º 100 oferece-nos uma excelente entrevista, o que se verifica todos os meses, aliás. Desta vez com George Steiner, ensaísta, crítico literário e professor em Cambridge. Foi uma conversa com Beata Cieszynska e José Eduardo Franco.
Na abertura, é sublinhado que se trata de «uma lição que deve ser digerida com atenção», porque nela se cruzam temas como o ensino, as redes sociais e as exigências de leitura, fazendo George Steiner «revelações sobre literatura portuguesa». «Lobo Antunes é um gigante, o maior escritor português da actualidade.»


George Steiner


Algumas afirmações de George Steiner, das muitas que podem ser lidas na LER:

«Para ler seriamente é preciso silêncio. Não ponha música, tire a rádio e a televisão do quarto. Tem de saber viver, e conviver, com o silêncio. (Cada vez menos jovens querem viver com o silêncio. Na realidade, têm-lhe medo. O silêncio tornou-se, de resto, muito caro. Uma casa como esta, com um jardim sossegado, é uma exorbitância para um casal jovem, que vai possivelmente viver para um prédio, com paredes tão finas, que é possível ouvir tudo! Vivemos num inferno de ruído constante.)»

«Aquilo que amamos, devemo-lo saber de cor. Não é por acaso que “coração” em latim é “cor”. Ninguém nos pode tirar nunca o que sabemos de cor. Deixem-me frisar: saber, saborear de cor, com o coração, não com a cabeça. Queremos sempre levar connosco o que amamos. Eu sou muito velho, mas tento, todos os dias, ou quase todos, aprender um poema, ou fragmentos de poema, de cor, porque é assim, que se agradece uma bela obra.»

«Tenho sempre um dicionário aberto na minha secretária. Os mais novos não usam dicionário. Empregam um vocabulário mínimo nas sms que enviam. Shakespear usava 24 mil palavras. Num estudo mais recente, (…) o total de palavras usadas por 90 por cento dos americanos ao telefone é de 150 palavras.»

«E o problema mais premente da educação e do ensino é que, sem um pouco de Matemática, é impossível fazer parte da grande aventura que é a mente humana. O facto de haver péssimos professores de Matemática é terrível. São matemáticos que não sabem de Matemática, eles próprios, e matam à nascença esse gosto, essa inclinação, de muitas crianças. É uma espécie de miséria que se autopropaga.»

«Platão, o melhor dos filósofos, o poeta da Filosofia, terá dito à porta da Academia: “não entre quem não gosta de Matemática.” Por isso me perturba tanto o talento infantil que se perde, as possibilidades que se coarctam, por meio de alguma ineficiência docente.»

«No ano passado, foram publicados 300 mil novos livros. Destes, 90 por cento não serão lidos, ou sê-lo-ão apenas por um círculo restrito de pessoas. E é aí, estou em crer, que a internet e as redes sociais vão mudar tudo, inclusivamente as Humanidades. As nossas dissertações, os nossos trabalhos já estão disponíveis online. Estamos num período histórico incrivelmente complicado, mas fantástico.»

«Agora, para os jovens, Deus não existe em absoluto. A religião mundial é actualmente o futebol. É a única coisa capaz de congregar milhões de pessoas. (…) Vive-se para o futebol, morre-se pelo futebol. É a única religião do mundo.»

«Já a música é-me absolutamente indispensável. Sem música poria termo à vida de imediato. A música é para mim, agora, o mysterium tremendum. O que é a música afinal? Por que razão causa determinada reacção numa pessoa, e noutra algo completamente diferente? Não fazemos ideia de como funciona a música dentro de nós. Se passar por uma janela aberta, e lá dentro estiver alguém a tocar piano, a melodia que ouviu não o abandonará jamais.»

Etc.

Seleção de Fernando Martins