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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Escritores e a Ria de Aveiro — 11

palheiro de josé estêvão - Pesquisa Google:
Palheiro de José Estêvão

Destes ocasos d’oiro 
e deste cerúleo mar

Destes ocasos d’oiro e deste cerúleo mar,
Desta mesma risonha e plácida paisagem,
Quantas vezes, meu Pai, a luminosa imagem
Se reflectiu no teu embevecido olhar!

Era aqui, nesta paz, que vinhas descansar,
Refazer, para a luta, as forças e a coragem,
Vendo a planície verde ao fundo e, sob a aragem,
Brancas, no azul da Ria, as velas deslizar…

Por isso o coração aqui me prende assim!
E, da saudade, quando, ao remorder acerbo,
Tua figura evoco e ressuscito em mim,

Vejo-te errar na praia — emocionado engano! —
Buscando a inspiração do teu ardente verbo
No esplendor do Infinito e o tumultuar do Oceano!

Luís de Magalhães

 "José Estêvão — Estudos e Colectânea” 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro — 10

poõr do sol na ria de aveiro pela positiva - Pesquisa Google:
(…)
Em certas manhãs, doiradas pelo sol nascente, a Ria parece toda um espelho onde, apenas, um trémulo de evaporação – ténue e vibrátil – põe um vestígio de movimento ritmado.
E, então, os malhadais, os montes de sal, os palheiros exíguos e pintados a zarcão, duplicam-se, invertidos, nas águas quietas onde, de vez em quando, uma gaivota, maleabilíssima e ágil, raspa uma tangente quase imperceptível.
As pálpebras cerram-se sobre a pupila magoada por esta duplicação da luz que se remira no espelho da água e, no silêncio inundado de sol, o chap chap de uns remos, ou o golpe da ponta de uma vara que empurram o barco que desliza, põem uma nota fugidia de onomatopeia.
Um homem de músculos individualizados – como num quadro mural de anatomia – corre sobre a borda de uma bateira mercantel como se andasse sobre o asfalto de uma avenida. Visto de longe, recortado na luz diáfana da manhã que lhe aviva as linhas e delimita os contornos, não sabe a gente se tem na frente um ginasta, se um bailarino. Os pés parece que não pisam e os movimentos de vaivém, desembaraçados e leves, semelham passos coreográficos.»

Frederico de Moura
"Aveiro e o seu Distrito", n.º 5, junho de 1968

domingo, 6 de dezembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro — 8

A Ria de Aveiro

A velha ponte da Gafanha da Nazaré


Deixem-me ir hoje, no meu rico vagar, pela estrada que de Aveiro vai ter à Barra. 
A começar nas Pirâmides. 
Mas antes de lançar pés à suavíssima marcha, esperemos que avance e que passe uma vela que se mostrou ao longe, vinda certamente com pescaria miúda das costas de São Jacinto em demanda do nosso canal. 
Já se distinguem perfeitamente os clássicos e variados remendos do pano: um xadrez, meus amigos, um verdadeiro xadrez! 
À escota vem um marnoto de idade, de ceroilas curtas, nem chegam aos joelhos: de camisola azul ferrete, grossa como uma tábua, grossa como um cortiço, aberta à boca do peito; de carapuço de lã na cabeça, com a ponta derrubada para a nuca e terminada por uma bolinha. 
— Linda manobra, sim senhora, linda manobra. 
— Pois c’anté! — responde o velho, descobrindo a venerável cabeça. 
A estrada não é muito larga nem dá muitas voltas para chegar ao seu aprazível e benfazejo destino: mas de ambos os lados tem uma renda finíssima de tamargueiras que mergulham os troncos na água e que se vêem surgir na maré-baixa, de entre os calhaus arroxados e humedecidos da margem. 
Nestas alturas, não há remédio senão poisar a pena durante um momento e coçar a cabeça! 
(…)
A Olha-se para um lado: água, muita água, brisas, espumas, velas, barcos, moinhos, areia e sol! 
Olha-se para o outro lado: tabuleiros de cristal, montinhos brancos expostos ao tempo, marinhas, marnotos e salineiras, a planície, a imensidade, e no fundo, no extremo horizonte, a sombra quase imperceptível, a divina moldura dos pinheirais! 
Olha-se para trás: a cidade: Alto! Ali não se distingue, ali não se aponta para nada: é a cidade, é Aveiro! 
Nestas doces ocupações do espírito vai-se chegando, sem dar por ela, à ponte da Gafanha. Dizem que é uma ponte velha, feia, indigna dos nossos tempos; mas eu, se fosse milionário, comprava a peso de oiro a consolação de sentir neste momento debaixo dos pés as pranchas carcomidas do seu tabuleiro. 
Agora começam casinhas baixas à beira da rua e, na areia amoliçada, semeadura às mãos cheias: milho, feijão, batata, abóboras, pinheiros! 
Eram dez horas da manhã de 20 de Julho de 1909. Que estava eu a fazer em casa, taciturno, pasmado?! Fugi para aqui, vim passar a minha agonia para estas areias onde a Providência não me negaria com certeza o seu anjo de consolação! A Barra! O Forte! A Ronca! A Capela! 
Eu já disse Missa naquela ermida. A meio da Missa ateou-se um ramo seco que deitou uma chama enorme; e um doido manso que estava presente, o Julinho de Esgueira, exclamou aterrado no meio da assembleia: 
— Ai Portugal, que te vais à vela! 

D. João Evangelista de Lima Vidal, 
em “Aveiro: Suas Gentes, Terras e Costumes”, pág.125

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro — 6


RIA DE AVEIRO

Na ria de Aveiro
Quero um pequenino
Barco moliceiro.
Também sou menino.

Na ria de Aveiro
Podeis vir comigo,
Barco moliceiro
Nunca tem perigo.


Nunca se naufraga
Na ria inocente:
Da crista da vaga
Vêm braços à gente.

Quer vão ao moliço,
Quer soltem as redes,
O mar é submisso
Aos barcos que vedes.

Brancas, amarelas,
Na ria de Aveiro
Se espalham as velas:
Brinquedo ligeiro.

Também sou menino,
Ó moças de Aveiro!
Dai-me um pequenino
Barco moliceiro.


RIBEIRO COUTO
1944

Ribeiro Couto (1898-1963) terá passado por Aveiro em 1944 – pelo menos é essa a data do seu poema –, onde se deixou cativar pela graça quase alada dos barcos moliceiros. Caso Curioso, na mesma época estabeleceria relações de Índole literária com Mário Sacramento.
“Aveiro e o seu Distrito”, n.º 20, Dezembro de 1975

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro — 5



«Eu nunca tinha visto a ria de Aveiro. Daí — dirão — este meu entusiasmo. Ora a laguna, com os seus múltiplos canais, seus campos encharcados, seus horizontes abertos, sua exuberância de luz e seu sonho de distância — é bela sempre e cada vez mais, afirmam os que todos os dias se banham no mistério da sua extensão panorâmica.
A ria de Aveiro — é uma maravilha. Fujo a descrevê-la, porque isso não está agora no meu programa.
Faltam aos meus olhos os palácios de mármore, as colunas de oiro, as igrejas erguidas em renda, as margens coalhadas de sonho e arte: S. Maria degli Scalzi, S. Marcuola, a casa de Contarini, e a distância de oiro sobre gaze de azul de S. Giorgio Maggiore. Mas — lembro-me de Veneza… Uma Veneza despida, no seu estado imaculado, em plena exuberância primitiva, onde se adivinha a vontade de Deus, de tudo ficar como ele a criou. Maravilha contemplativa!
O canal segue até o mar, lá pr’a baixo, nem eu sei pr’a onde. E as margens respiram humildade e humildade; evolam-se dos pisos encharcados emanações salinas, vêem-se fumos de casas que há um quarto de século abrigam heróis que refazem as areias em seiva, até darem rosas e pão, frutos e sombra — e, ao longe, com riscos de asas brancas de patos ou de gaivotas, esplendem as cidades: cidades agachadas que se fizeram a esforços que nenhum homem da Cidade é capaz de entender: cidades a que se chamam vilas, aldeias, lugares, praias de doce título e dulcíssima vida laboriosa: a Gafanha, mais Gafanha, S. Jacinto, a Murtosa, o Bunheiro, a Torreira. Os fundos cenográficos são recortados em bruma que não cabe nas paletas dos pintores: a Gralheira, o Caramulo, e adivinha-se o Buçaco na má vontade da manhã, que acordou sombria.
É uma maravilha a ria de Aveiro!»

Norberto de Araújo (Lisboa, 1889; Lisboa, 1952), jornalista,
In “Aveiro e o seu Distrito”, n.º 12, 1971

domingo, 8 de novembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro - 4

Bestida
«No velho pontão da Bestida, que as invernias todos os anos despedaçam, dir-se-ia que Portugal acaba. Portugal e a terra na sua solidez física, nos seus costumes mais vulgares, e até nalguns dos elementos mais primordiais da sua vida. É outro mundo, líquido, brumoso, feito de distância azul, isolado do continente por uma ria maravilhosa, paleta de mil cores, tão larga que cabe nela o Tejo, nos seus dois quilómetros de água tranquila e adormecida. Fecham-se atrás de nós, como sob o pano de uma ribalta, as terras ribeirinhas da Murtosa, e de Bunheiro, entre pâmpanos virentes, muito tufados, milheirais extensos que ondeiam as suas bandeiras doiradas, pomares cerrados, onde os ramos já nos estendem os frutos maduros, corados de sol, que fendem a casca, pejados de sumo.»

Artur Portela

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro - 3

S. Jacinto à vista


«A região de Aveiro é uma pequena Holanda em clima e luz ocidentais. Provavelmente pela extensa superfície de evaporação de centos de hectares de água salgada, toda esta região se distingue no norte do país pela luz irisada que a banha e de momento a momento muda de tom. Por vezes julgamo-nos aí transportados a uma região ideal.»

António Arroio, engenheiro e crítico, Porto, 1856; Lisboa, 1934
"Origens da Ria de Aveiro”, de Orlando de Oliveira

domingo, 1 de novembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro - 2

E voltando-se então,
verá as águas mansas da extensíssima ria..
.

Ria na Torreira 

«E voltando-se então, verá as águas mansas da extensíssima ria fulgurando de todos os lados: e, entre elas, as salinas, reticuladas pelos tabuleiros em evaporação, com os seus montes cónicos de sal novo dando a impressão de um largo acampamento de tendas imaculadamente brancas espalhadas a perder de vista pela vastidão dos polders. Para o sul, terá o braço da ria que segue para Ílhavo e Vagos e que margina os pinhais e campos arenosos da Gafanha; a seguir, em sentido inverso, outro braço que se alonga para as Duas Águas e vai dar à Barra, e donde emergem as mastreações das chalupas e iates ancorados; ao poente, a linha fulva das dunas da costa, vaporizadas pela tremulina; e para o norte a imensa ria da Torreira, onde o arquipélago das ilhas baixas, formadas pelas aluviões, a Testada, o Amoroso, a dos Ovos, a das Gaivotas, Monte Farinha, verdejam nas suas extensas praias de junco. E nessa vastidão de águas tranquilas, nesse gigantesco pólipo fluvial que por todos os lados estende os seus fluídos tentáculos, entre a rede confusa dos esteiros e canais, bordados de tamargueiras e de caniços, velas sem conta, velas às dezenas, às centenas, vão, vêm, bolinando em todos os sentidos, e pondo no verde das terras ou no azul das águas a doçura do seu deslizar silencioso e a graça da silhueta branca.»

Luís de Magalhães

“A arte e a natureza em Portugal”, citado por Orlando de Oliveira
 no seu livro "Origens da Ria de Aveiro”.



quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro - 1



«A ria é um enorme pólipo com braços estendidos pelo interior desde Ovar até Mira. Todas as águas do Vouga, do Águeda e dos veios que nestes sítios correm para o mar encharcam nas terras baixas, retidas pelas dunas de quarenta e tantos quilómetros de comprido, formando uma série de poças, de canais, de lagos e uma vasta bacia salgada. De um lado o mar bate e levanta constantemente a duna, impedindo a água de escoar; do outro é o homem que junta a terra movediça e a regulariza. Vem depois a raiz e ajuda-o a fixar o movimento incessante das areias, transformando o charco numa magnífica estrada que lhe dá o estrume e o pão, o peixe e a água de rega. Abre canais e valas. Semeia o milho na ria. Povoa a terra alagadiça, e à custa de esforços persistentes, obriga a areia inútil a renovar constantemente a vida. Edifica sobre a água, conquistando-a, como na Gafanha, onde alastra pela ria, aduba-a com o fundo que lhe dá o junco, a alga e o escasso, detritos de pequenos peixes…»

Raul Brandão 

“Os Pescadores”