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quinta-feira, 13 de julho de 2017

Eduardo Almeida: Quando tenho obra em mãos nem sinto dores

O artista com João Alberto Roque
Recentemente, num domingo à tarde, recebi João Alberto Roque, docente do Agrupamento de Escolas da Gafanha da Nazaré e premiado contista e poeta da nossa terra. Lançou-me um convite irrecusável: «Tem de vir comigo para apreciar uma exposição aberta a amigos.» Tinha de ser naquele dia e hora, porque depois da limpeza dos móveis que acolhiam, há muito, esculturas de madeira de um artista popular, Eduardo Almeida, as peças voltariam ao silêncio habitual e assim ficariam fechadas aos visitantes interessados em as conhecer com minúcia. E lá fomos, que destas paixões eu gosto. É que, quando muitos nada fazem no patamar da reforma, alegando que «já trabalharam muito na vida», outros há que continuam ativos e criativos, utilizando sadiamente os tempos livres.
Eduardo Almeida, 78 anos, 31 como funcionário civil da Base de S. Jacinto, é um dos que apostam em valorizar o tempo livre, em especial o que surge com a reforma. Dedica-se com paixão à escultura de estatuetas e grupos escultóricos, com destaque para temas de profissões que caíram com o tempo. Usa, preferencialmente, a madeira de plátano. Escolhe um ramo ou parte do tronco que lhe permitam cultivar a arte de desbastar a madeira com formões, limas, grosas e lixa, até atingir o que pretende, no âmbito das esculturas de motivos populares, mas não só. «Com muito cuidado — sublinhou —, porque a madeira que tirou já não pode voltar atrás». 
Ao olhar a bancada cheia de peças acabadas de limpar, Eduardo Almeida abriu as portas a amigos para todos saborearem com gosto os seus trabalhos meticulosos, que «não estão à venda», embora um ou outro tenha por destino os seus familiares. 
João Alberto Roque, que conhece o artista, corrobora as afirmações de mestre Eduardo: «Tudo começa pelas esculturas a fazer; depois vem a procura da madeira (plátano) que se adapte à obra; e daí sai uma peça única e sem colagens.» E adiantou, em consonância com o mestre: «As peças têm de ter em conta o veio da madeira para não partirem com facilidade, nas partes mais finas e sensíveis.»
João Roque chama a nossa atenção para a variedade de temas tratados. «Está aqui um trabalho muito meritório» com a curiosidade de Eduardo Almeida oferecer a quem vê as suas esculturas as «diferentes profissões antigas, como o oleiro, o carpinteiro o tanoeiro, o ferreiro com a sua forja, os padeiros a porem o pão no forno, brinquedos, a cozinha da sua sogra e ainda fez um cavaquinho que ofereceu à neta». 
Cultiva este prazer desde muito novo «para se entreter» e não tem coragem de desistir. E no dia a dia, quando tem obra em mãos, até lhe custa parar para tratar doutros assuntos. 
Eduardo Almeida especificou que a madeira tem de estar bem seca para posteriormente as peças não sofrerem deformações, e as estatuetas não são pintadas, mas numa ou noutra aplica-lhes «uns sombreados para destacar certos pormenores».
Durante a conversa que mantivemos, percebemos bem o gosto com que o nosso entrevistado vive a sua arte, assumindo-se como autodidata. Este prazer, que nasceu enquanto menino, foi crescendo com ele, de tal modo que até se esquece de comer. Muitas vezes acorda cedo a pensar no que tem de fazer. Deixa a cama e corre para o seu espaço de trabalho, ali ficando alheio a tudo o que o cerca. Não sente dores nem incómodos de saúde. Só não se esquece que tem de ajudar a esposa, presentemente algo debilitada pela idade. «Eu gosto disto… e pronto», disse.
Num concurso de artes e ofícios, aberto aos civis, promovido pelo comandante da Base de São Jacinto, em 1990, obteve o primeiro prémio, orgulhando-se do diploma que exibiu. Mas também recebeu um prémio da Junta de Freguesia de S. Jacinto pelos seus trabalhos. «No concurso havia de tudo e eu fiz uns velhotes e um crucifixo que se usava nas cómodas na Sala do Senhor», afirmou. 
Olhando para a bancada cheia de estatuetas, não conseguiu distinguir nenhuma. «Gosto de todas», afiançou. E não insistimos. Seria como pedir a um pai que nos dissesse de que filho gosta mais. 

Fernando Martins

Nota: Entrevista publicada no Timoneiro