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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Anselmo Borges — Trump, Merkel, Macron e Francisco. Sobre a Europa


1. Há uns versos famosos de Hölderlin que dizem assim: "Wo Gefahr ist, da/ Wächst das Retttende auch." Traduzidos: onde está o perigo, aí cresce também o que salva.
É verdade. A tomada de consciência do perigo leva a reunir vontades e forças para desviar e vencer as ameaças. A não ser que se seja completamente inconsciente, não se fica de braços atados, à espera de que o perigo tome conta da situação e tudo possa afundar-se.

2. Da primeira vez que o Presidente Trump chegou à Europa foi claro: que os europeus não contassem muito, para a sua defesa, com o guarda-chuva americano. Os europeus tinham de contar, antes de mais, com eles próprios e pagar a sua defesa. Aí, percebeu-se bem que das duas, uma: ou os europeus têm consciência da sua identidade, dos seus valores, do seu futuro, e estão decididos a defendê-los, porque vale a pena, ou acontece o pior: já não há essa consciência nem essa força, e o futuro deixa de existir.

3. Merkel viu claramente e foi dizendo que os europeus estão agora entregues a si mesmos e têm de defender-se a si próprios. E os mais lúcidos começaram a aprofundar a ideia de que não haverá autêntica União Europeia sem um exército europeu, com todos os custos e sacrifícios.

4. Macron chegou, com todo o seu vigor político e novos horizontes. Também ele pensa e quer que haja mais Europa, mais integração europeia, uma nova Europa. Seria uma perda irreparável para o mundo, num mundo globalizado, o desaparecimento da Europa, pois ela tem contributos essenciais a dar, como a consciência da dignidade da pessoas humana, a tolerância, o humanismo, a consciência dos direitos humanos nas suas várias gerações. O eixo Paris-Berlim tem de aprofundar-se e adquirir mais consistência, o que é fundamental para a própria Alemanha, pois esta pode ser grande na Europa, mas, sem união, torna-se pequena e insignificante num mundo globalizado.
Macron tem a seu favor ter sido também assistente universitário de um dos mais significativos filósofos do século XX, Paul Ricoeur. E certamente encontrarão eco no seu pensar as ideias do seu mestre, expressas numa entrevista de 1997, recentemente publicada pela Philosophie Magazine: "Estamos em guerra económica. É um problema muito perturbador, sobre o qual nunca tinha dito nada. É hoje o problema de toda a Europa ocidental. Onde, para sobrevivermos, devemos manter uma ética e uma política da solidariedade. O combate a travar tem duas frentes: por um lado, as nossas economias têm de permanecer competitivas; por outro, não podem perder a alma - o seu sentido da redistribuição e da justiça social. Um problema enorme, quase tão difícil de resolver como a quadratura do círculo...
Ainda não acabámos com a herança da violência e da última guerra. Nem com a dureza e a brutalidade do sistema capitalista, que deu KO ao comunismo, ficando sem rival. É hoje a única técnica de produção de riqueza, mas com um custo humano exorbitante. As desigualdades, as exclusões são insuportáveis.
Estou um pouco tentado por uma solução que se poderia dizer cínica. Pode causar-lhe espanto da minha parte, mas, enquanto este sistema não tiver produzido efeitos insuportáveis para um grande número, continuará o seu caminho, pois não tem rival... Penso que vamos conhecer na Europa Ocidental uma travessia no deserto extremamente dura. Porque já não somos capazes de pagar o preço que os mais pobres do que nós pagam. A ascensão das jovens economias asiáticas, concretamente a da China, supõe um custo que seremos incapazes de suportar. Não só não queremos isso, mas não devemos fazê-lo. Não vamos voltar aos tempos do trabalho infantil!... É por isso que eu sou tão fortemente pró-europeu; só uma economia de grande dimensão permitirá à Europa sair disto."

5. Embora não veja claro sobre o como, há muito que penso não ver futuro para a Europa sem estruturas políticas federativas. Daí ter-me dado especial contentamento a entrevista que o Papa Francisco deu na semana passada ao jornal italiano La Repubblica, no contexto da cimeira do G20 em Hamburgo. Francisco disse a Eugenio Scalfari estar muito preocupado com a reunião do G20: "Temo que haja alianças muito perigosas entre potências que têm uma visão distorcida do mundo: América e Rússia, China e Coreia do Norte, Rússia e Assad na guerra da Síria." Qual é o perigo destas alianças? "O perigo diz respeito à imigração. O problema principal e crescente no mundo de hoje é o dos pobres, dos débeis, dos excluídos, dos quais os emigrantes fazem parte. Por outro lado, há países onde a maioria dos pobres não provém das correntes migratórias, mas das calamidades sociais daquele país; noutros países, porém, há poucos pobres locais, mas temem a invasão dos imigrantes. Eis a razão por que o G20 me preocupa."
À pergunta sobre se a mobilidade dos povos está em aumento, pobres ou não pobres, respondeu: "Não haja ilusões: os povos pobres são atraídos pelos continentes e países ricos. Sobretudo pela Europa." É também por esta razão que se deve concluir que "a Europa deve assumir o mais rapidamente possível uma estrutura federal, sendo as leis e os comportamentos políticos subsequentes decididos pelo governo federal e pelo Parlamento federal e não pelos países singulares confederados?", perguntou Scalfari. E Francisco, que já várias vezes levantou a questão, até quando falou no Parlamento europeu: "É verdade que sim." Foi muito aplaudido e recebeu mesmo ovações por essa afirmação no sentido do federalismo. "É verdade. Mas, infelizmente, isso significa bem pouco. Fá-lo-ão, se se derem conta de uma verdade: ou a Europa se torna uma comunidade federal ou não contará nada no mundo."

Anselmo Borges no Diário de Notícias

sexta-feira, 9 de junho de 2017

FRANCISCO E TRUMP

Crónica de Anselmo Borges no DN


1 Para ajuizar do encontro entre o Papa e Trump, não basta uma fotografia em que Francisco surge "de rosto fechado", não habitual nele. Esquece-se que uma fotografia fixa um instante, e lá andam os fotógrafos metralhando momentos, que depois põem a circular, para delícia dos comentadores a fazer o que sabem ou não fazer: comentários que outros comentarão para entretenimento difuso ou irritante... Aliás, quando duas pessoas se encontram frente a frente para dialogar e têm jornalistas a observar e fotógrafos a fixar os tais instantes, que ficam "congelados", em que estão verdadeiramente a pensar? Claro que a espontaneidade, que também depende do modo de ser de cada um, fica fragilizada. Mesmo sem jornalistas e fotógrafos, quando duas pessoas com imensas responsabilidades globais se colocam em frente uma da outra, o que se passará lá no mais íntimo? Isso acontece até quando não há essas responsabilidades nem jornalistas nem fotógrafos, mas, claro, tudo fica tremendamente aumentado nas ditas circunstâncias. Porque há o que realmente se pensa (e o que é que realmente se pensa?) e há a diplomacia, o que se pode e o que se não pode nem deve dizer. Por palavras e por gestos.
Francisco até procurou desanuviar a situação perguntando a Melania Trump se o marido lhe "dá a comer potizza". Com um sorriso, ela respondeu: "Sim, delicioso." A potizza é um bolo típico esloveno. A Eslovénia é o país de origem da primeira-dama norte-americana, que se diz que é católica e terá pedido ao Papa para lhe benzer um terço.

2 De qualquer modo, percebe-se que este não foi dos encontros mais exaltantes para Francisco. São bem conhecidos os diferendos existentes entre os dois líderes, que vêm de há muito. Francisco tinha dito que "não é cristão" construir muros, referindo-se à promessa de Trump de levantar um ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México, tendo Trump respondido que não fica bem a um Papa julgar a fé dos outros, acrescentando, ainda durante a campanha eleitoral: "Se o Vaticano fosse atacado pelo Daesh, que toda a gente sabe ser o derradeiro troféu dos terroristas, garanto-vos que o Papa rezaria para que Donald Trump fosse presidente."
Os pontos de divergência referem-se concretamente à política migratória, à pobreza global e à defesa do meio ambiente. Sobre a imigração, por exemplo, Francisco é claro: "Creio que, em teoria, se não pode fechar o coração a um refugiado", embora acrescentando com realismo: "Também há a prudência dos governantes, que devem ser muito abertos para recebê-los, mas também devem fazer o cálculo de como poder alojá-los, porque não basta receber um refugiado, é preciso integrá-lo." Sobre o meio ambiente e a "ecologia integral" escreveu uma encíclica que fará história, Laudato Sí, e disse recentemente numa conferência de imprensa: "Posso dizer-vos que é agora ou nunca. Os problemas agravam-se a cada ano que passa. Estamos no limite. Se me é permitida uma palavra forte, diria que estamos à beira do suicídio." Sobre a "economia que mata": aí está o "ídolo dinheiro que reina em vez de servir e que tiraniza e aterroriza a humanidade."

3 No fim do encontro no Vaticano, Trump e Francisco desejaram-se "boa sorte". O Papa pediu-lhe que fosse "um instrumento da paz" e Trump escreveu que tinha sido "uma honra ter conhecido Sua Santidade" e que deixava o Vaticano "mais decidido do que nunca a procurar a paz no nosso mundo". Segundo um comunicado da Santa Sé, o encontro foi "cordial" e ambos abordaram "a promoção da paz no mundo" e temas relacionados com a actualidade internacional, concordando em lutar "através da negociação política e do diálogo inter-religioso, referindo especialmente a situação no Médio Oriente e a protecção das comunidades cristãs". Depois, já com o primeiro-ministro italiano, Trump referiu-se ao Papa como "uma grande pessoa", alguém "especial", e ao encontro como "fantástico".
Entretanto, para combater os efeitos da seca, Trump, aparentemente "convertido", prometeu mais 300 milhões de dólares para a luta contra a fome em África. Mas a seguir anunciou a saída dos Estados Unidos dos acordos de Paris sobre o clima.

4 Quando se pensa em Trump, não se pode ficar por uma condenação rasa, pois é necessário perguntar pelas razões que levaram à sua eleição e que se ligam também às ameaças crescentes de nacionalismos e fundamentalismos. De qualquer modo, sobre Trump e Francisco, repito as reflexões de Harvey Cox, pastor baptista, professor em Harvard e um dos mais conceituados especialistas na análise do fenómeno religioso no mundo moderno e contemporâneo. Numa entrevista recente a José Manuel Vidal, Harvey Cox falou de modo entusiasta e elogioso: "Sim, sou um grande admirador de Francisco. Penso que até agora fez coisas maravilhosas. É um dom para a Igreja Católica, para todas as Igrejas..., um dom para todo o mundo. Sei que tem oposição - uma oposição forte e séria - e julgo que precisa que o apoiemos." À pergunta: "O Papa pode ser o único líder global que pode fazer frente a Donald Trump?", respondeu: "Bom... Como alguém disse muito recentemente, o Papa Francisco é o único adulto que resta, o único com maturidade. Penso que um dos problemas com Trump é que é muito infantil. É impetuoso, destemperado, age a partir da ira e não modera os sentimentos. Essa é uma forma perigosa de actuar, e isso é característico das crianças. Há outras coisas. As suas políticas são muito frequentemente más - não todas, mas muitas -, mas preocupa-me a sua falta de temperamento equilibrado. Há uma coisa que o Papa Francisco tem: um sentido maravilhoso de maturidade. Maturidade, equilíbrio e justiça. Estando assim as coisas, julgo que Francisco é um dos poucos muros de contenção -talvez o único - ao que Trump gostaria de fazer."