Mostrar mensagens com a etiqueta Arrais Ançã. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Arrais Ançã. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Gente da nossa terra: Arrais Ançã

AO QUEBRAR DA ONDA



Em homenagem ao Arrais Gabriel Ançã 

ASSIM a modos como onda que tivesse quebrado, desfazendo-se numa catedral de espuma de neve de encontro ao areal doiradinho da Costa-Nova do Prado em dia de sol de brasa, acaba de dar o último alento o peito valente do Arrais Gabriel Ançã. 
Hoje à tarde, quando o meu espírito se espreguiçava dolentemente embebido numa bruma cinzenta que cobria este céu lindo da Coimbra feiticeira, os meus olhos que se transportavam ao abandono por de cima das colunas de um diário de Lisboa, foram chamados a afixar-se sobre a notícia da morte do velho herói que a terra santinha dos Ílhavos — santinha por ser de bravos que têm um coração branquinho — viu nascer ao murmúrio do pater-noster das ondas. 
Como disse, uma bruma cinzenta cobria o céu — assim a modos como na Costa-Nova do Sonho em dia de serração, quando os telhados vermelhos da Gafanha se não enxergam da banda de lá — como se o céu tivesse posto carranca dura — luto pesado — pela morte do velhinho que foi Herói. 
E a esta hora juntinhas ao areal das praias de Portugal, as ondas verdes do mar, estão por certo a lacrimejar e a soluçar como velhinhos de olhos da cor das águas dos lagos em dia de céu azul, a morte do maior rival dos seus braços de bronze. 
O Mar fará dos seus rugidos uma outra Marcha Fúnebre de Chopin, para a sua voz cantar em apoteose ao Bravo, e o Vento há-de sibilar Odes de Silêncio, Orações de Dor por alminha do Lobo-do-Mar que a estas horas Jaz de semblante sereno debaixo da mão direita de Deus Omnipotente. 
O Arrais morreu assim como se uma onda se tivesse estilhaçado de encontro a uma penedia escarpada, como se uma estátua de bronze tivesse rolado pelo flanco de uma montanha, lascando a pedra e amolgando as feições, como um soluçar a dobre de finados — não no som enfermo de sinetazinha de aldeia em dia de Fiéis Defuntos — mas em avalanche de som no sino pesado de Catedral.

Frederico de Moura



NOTA: Quando passo pela Costa Nova, demoro sempre o meu olhar sobre a homenagem prestada ao Arrais Ançã, que a juventude de hoje e demais passantes em maré de veraneio talvez desconheçam. Terão mais em que pensar. Por isso esta referência ainda em tempo de férias. 

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Vultos da nossa terra: Arrais Ançã




Hoje evoquei no meu blogue o célebre arrais Gabriel Ançã, um herói do nosso mar e da Costa Nova. Faço-o para não ser esquecido e para perpetuar os seus feitos ujnto dos mais novos. É um texto de 12-01-2005. Pode ver aqui. 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Arrais Gabriel Ançã


Quem frequenta a Costa Nova, ou quem por ela passa para apreciar uma das salas de visita do concelho de Ílhavo e da Região, talvez nem costume parar junto ao busto do arrais Gabriel Ançã, ali colocado em 1933. E seria bom princípio que todos nos habituássemos a descobrir as figuras gradas da nossas terras, para com as suas histórias aprendermos atitudes de dedicação e de abnegação para com gentes e comunidades. 
Cunha e Costa, em "Paisagens, perfis e polémicas", escreveu sobre o arrais Ançã, conforme pude ler na "Geografia de Portugal" de Amorim Girão, que ele "salvou para cima de cento e vinte vidas. Ainda novo, perdida estaria a tripulação da barca francesa Nathalie se não fora ele. A mulher do capitão, desvairada pelo terror, atirou-se do convés para o mar: recebeu-a o Ançan (sic) nos braços. Pesava menos que um lenço de assoar, mas como vinha tocada do alto, ainda me fez arrear um bocado os cotovelos". "... 
Ainda garoto foi dos que foram buscar a Senhora D. Maria II a Ovar. O Senhor D. Luís qui-lo para seu arrais. 'Ainda estou novo, meu Senhor, e aqui não há quem me substitua'. Como intermináveis formalidades burocráticas lhe entravassem, durante três anos, a pensão requerida, tirou-se dos seus cuidados e partiu para Lisboa com dez tostões no bolso... Chegado às Necessidades, respondeu ao familiar de serviço: 'Diga a sua Majestade que é o Ançan, e verá como ele me recebe logo'...E da visita ao Rei  D. Carlos, só lhe ficou o remorso de ter saído de proa, isto é, de costas para o Rei. 'Foi atrapalhação na manobra!'". 
"Chegou a ver todos os filhos, três, arrais como ele; e era lindo, comovedor e exemplar, ver sair, ao mesmo tempo para o mar, quatro companhas, de quatro Ançans. E se deixou a faina não foi porque já não pudesse fazer-lhe frente. 'Ainda me não assusto, mas já não salto para bordo nem acudo às aflições com a prontidão de outros tempos' e, 'tendo levado a vida a salvar gente, não quero arriscar-me a que me salvem a mim'". 
O arrais Ançã, que nasceu em Ílhavo, em 8 de Janeiro de 1845, e morreu em 1930, merece ser mais lembrado. E a propósito, João Sarabando, aveirógrafo inesquecível, escreveu em 1962 que "numerosos escritores, oradores e artistas - Luís de Magalhães, Cunha e Costa, Rocha Martins, António de Cértima, Jaime de Magalhães Lima, João Carlos Celestino Gomes, Maia Alcoforado, Abel Salazar e outros, outros muitos - fixaram o perfil do invencível e cândido arrais. Vários desses retratos são maravilhosos, mereciam ser enfeixados delicada, terna, amorosamente, num volume bioiconográfico. Publicá-lo, equivaleria a levantar outro monumento, formoso monumento, ao 'herói do mar' da terra ilhavense, das terras da velha ibéria que o Oceano enlaça. A ideia já surgiu, mas é ainda sonho. Oxalá se corporize". Não sabemos se isso aconteceu, mas ainda estamos a tempo de homenagear o 'herói' ilhavense.

 F. M.