sábado, 24 de dezembro de 2016

ALEGRAI-VOS. HOJE NASCEU O SALVADOR

Reflexão de Georgino Rocha



O convite à alegria ecoa no descampado de Belém onde pastores vivem e guardam os rebanhos. (Lc 2, 1-14). É noite que envolve também o seu coração. O povoado fica a uns três km, agravando o desconforto emocional. Apenas o apoio mútuo lhes serve de amparo e consolação. São marginais `que sobrevivem em precárias condições. São trabalhadores por conta de outrem sem qualquer protecção legal. São “nómadas” considerados violentos e ladrões, socialmente perigosos e ameaçadores. Gente a evitar e a manter à-distância.

No céu de Belém, faz-se ouvir uma voz estranha que se vai aproximando. Sentem muito medo. Ficam pasmados com o convite que lhes é dirigido: “Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor”. E para os demover, o Anjo indica-lhes um sinal de reconhecimento: o Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura. O grande medo cede lugar a uma enorme paz, o pasmo é vencido pela vontade curiosa de ir verificar a verdade do anúncio, a solidão da noite é desfeita pela agradável companhia de vozes celestes que louvam a Deus pela sua glória e felicitam os homens pela paz, fruto divino do amor incondicional e do esforçado trabalho humano.

Lucas faz o relato do nascimento de Jesus com algum suporte histórico, mas sobretudo com grande convicção evangélica, e pretende deixar escrito o que diligentemente investigou. A sobriedade do estilo faz brilhar a grandeza do acontecimento. A simplicidade das pessoas envolvidas e a pobreza de recursos utilizáveis apontam um “espaço” novo onde Deus se faz humano e nos fala, dando-se assim a conhecer (Paul Claudel). E surge a paz entre os homens de boa vontade, aquela que brota de uma consciência iluminada pela glória do Senhor.
O Papa Francisco narra que “às vezes alguém me pergunta: ‘Mas padre, o senhor fala sempre dos pobres e da misericórdia’. Sim – digo -, mas não é uma doença. É simplesmente o modo com o qual Deus se revelou.” A resposta encontra apoio em toda a vida de Jesus: do nascimento e aconchego no “curral” de animais em Belém, do crescimento relacional e trabalho artesão em Nazaré ao “vai-vem” da paixão e à agonia no Calvário. “Pai nas tuas mãos me entrego!” Oração confiante que culmina a decisão inicial “ eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade”. (cf. Sal 39,9; Heb 10,7). 
Amensagem recebida pelos pastores deixa bem claro o significado do nascimento de Jesus que Lucas resume a três títulos expressivos: O Salvador, o Messias, o Senhor. São títulos que destacam a dimensão salvífica da intervenção de Deus na história, a sua proximidade peregrina. Como salvador, a sua função principal é a libertação de toda a opressão. Como messias prometido, confirma a esperança do povo; como senhor da história, irradia uma nova luz para toda a humanidade, uma nova seiva para toda a criação. (Homilética, 2016/6, 827).
O Padre Américo que fundou o «Gaiato, Obra da Rua» lê com grande sabedoria as situações de vida das pessoas e narra com estilo original cada facto com que se depara na busca incansável de restituir a dignidade perdida a tantas crianças e pessoas doentes. Conta ele que “um pequenino que hoje é meu, vadiou largos tempos, sem família nem beira, em uma comarca de Portugal. Dormia nas manjedoiras, aquecia-se ao bafo dos animais. – A Policia que tome conta! Eis o triste remédio que aquele povo encontrava, para tamanho mal. Chamas a polícia para te livrares do perigo das crianças abandonadas? Pois não te livras de outros muito maiores!” Os perigos denunciados pelo Pai Américo são tristes realidades que pululam um pouco por toda a parte.
“Alegrai-vos. Hoje nasceu o Salvador”. Surpreende-nos pela sua proximidade. Entusiasma-nos com a sua companhia. Rasga-nos horizontes de serviço com a sua entrega incondicional. Identifica-se com os voluntários de todas as causas humanizantes, sobretudo os que como Ele são “indesejados” por muitos e têm de buscar refúgio em qualquer parte do mundo, ainda que degradada. O Natal de Jesus constitui a prova mais decisiva de que é, a partir destes, que Deus nos salva de tudo o que oprime, nos confirma na esperança de que outro mundo é possível, nos ilumina nos caminhos de Belém onde aprendemos a “nascer de novo”. A estrela da gruta da Natividade indica-nos o caminho. Aí nasceu Jesus Cristo Senhor.

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