sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A força da oração confiante e persistente

Reflexão de Georgino Rocha
Papa Francisco em Bangui
Uma viúva teimosa e um juiz sem escrúpulos, iníquo, são os protagonistas da parábola que Jesus narra para mostrar aos discípulos a necessidade da oração confiante e persistente. A queixosa não deixa em paz quem lhe pode valer, fazendo justiça. Via-se acossada por um perseguidor que não a largava. Não tinha qualquer outra defesa: familiares ou vizinhos, amigos, crentes praticantes ou indiferentes religiosos. Sentia-se amargurada e só. Certamente lhe ocorrem várias saídas. Escolhe uma, a mais coerente e honesta. Cheia de determinação, dirige-se ao juiz, o encarregado de velar pelo cumprimento do direito. Pede-lhe justiça. Nada mais. Que o adversário deixe de a atormentar. Que possa viver em paz. Que a liberte da amargura e do medo.

No rosto da viúva só, estão espelhados tantos homens e mulheres que desfilam no curso da história: injustiçados de toda a espécie, vítimas de verdugos despiedados, explorados e amesquinhados por abusadores insolentes da dignidade humana, fugitivos de guerras e de calamidades naturais, eliminados violentamente, proibidos de viver com normalidade. São “janelas” entreabertas de uma sociedade desigual, de uma ordem “legal” injusta imposta, de um mundo “cão” selvagem. A realidade ultrapassa a mais fantasiosa imaginação. Infelizmente!
Eco desta situação tremenda e da resistência heroica de tantas pessoas “enviuvadas”, chega-nos de Tirana, Albânia, enviado pelo padre Ernesto Simoni. O seu país esteve sujeito a um regime comunista perseguidor e tirano. O padre Simoni viveu encarcerado durante 27 anos, foi torturado, obrigado a trabalhos forçados, reiteradas vezes condenado à morte. “Mas Deus salvou-me, afirma humildemente. E como um pobre missionário – um pequeno missionário de Jesus –, todos os dias peço o amor de Jesus no coração de todos os homens”. O Papa Francisco conhece-o na sua visita à capital deste país, em 2014, ouve o seu testemunho que o impressiona profundamente. E, na sequência dos gestos simbólicos a que nos habituou, escolhe este venerável ancião para cardeal da Igreja. Notícia difundida no dia 10 de Outubro, domingo passado. Inclui o seu nome na lista dos conselheiros pontifícios que o ajudam de modo especial na missão de pastor universal, e manifesta o seu apreço pelo valor da oração perseverante e da atenção aos desprotegidos e humildes.

A esperança da viúva está depositada no agir do juiz. Mas este tem mais em que se ocupar. Não lhe dispensa qualquer atenção. Seja pelo que for: por comodidade ou corrupção, por menosprezo classista ou medo de retaliação, por preconceito étnico e sexista ou provocação sádica. Talvez outras razões secretas. Talvez um símbolo de atitudes semelhantes ao longo dos tempos.
O narrador da parábola limita-se ao essencial para realçar o contraste. Ele indolente, ela persistente; ele na descontração folgada, ela tensa e amargurada; ele indiferente a Deus e aos preceitos religiosos ou pautas sociais, ela confiante na força da compaixão, na vibração do coração humano perante insistências justas e oportunas, no “amolecimento” da rigidez da vontade perante a razão e a verdade. E acerta. O juiz acaba por atender a sua causa para evitar mais incómodos. Motivo pouco nobre, mas suficiente para reconhecer o direito e fazer justiça. Que alegria terá sentido a pobre viúva. Também aqui brilha o símbolo de uma felicidade que brota do reconhecimento do direito humano à justiça, à segurança em liberdade. E faz-nos sonhar como seria diferente a nossa sociedade.

O Papa Francisco quis iniciar a celebração do Ano da Misericórdia, em Bangui, capital da República Centro-Africana, país destroçado pela guerra e pela miséria. Na catedral desta cidade abre a Porta do Jubileu acompanhado pelo arcebispo Dom Dieudonné Nzapalainga que tem uma dedicação carinhosa efectiva aos mais pobres e excluídos, “às periferias” de todas as etnias e religiões, especialmente católicos e muçulmanos. A sua voz profética vai ouvir-se como neocardeal entre os seus pares e ecoar em toda a Igreja, a partir do domingo 20 de Novembro, dia do encerramento do Ano Jubilar. Também para ele os pobres são a porta de que Deus se serve para nos visitar e interpelar.

A parábola termina com a justiça reposta. Nada diz sobre o que se seguiu. O desfecho deixa em aberto o horizonte e fecha o contraste para concentrar a atenção do discípulo fiel na força da oração, alicerçada na fé confiante e na esperança activa. “E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo?” – pergunta Jesus dando sentido pleno à parábola escolhida para evidenciar a necessidade de orar sem desanimar. Pergunta que tem resposta afirmativa e indicativa. Como a viúva persistente que não desarmou enquanto não foi atendida.

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