quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Visita aos avós — 26 de julho

Crónica de Maria Donzília Almeida


Lar do Comércio
Há muito tempo estava programada uma visita aos avós, os únicos sobreviventes que ainda teimam em viver, desafiando a voracidade do tempo. 
Por afazeres vários foi-se protelando a viagem dia após dia, até que numa manhã de calor estival, quase no início da semana, se tomou a decisão – ia ser naquele dia. 
As distâncias, substancialmente encurtadas pelo crescimento da rede rodoviária tão facilitadora, nem sequer são justificação para o esquecimento e abandono dos nossos entes queridos. 
Foi num quente dia de verão que visitámos a Dª Maria e o Sr. Manuel, agora na sua nova residência, em Catassol, na cidade da Maia. Recordo os velhos tempos em que lecionei aos maiatos, que durante sete anos preencheram a minha atividade profissional. Ocorre-me sempre à memória, o soneto de Camões, que reza : “Sete anos de pastor Jacob servia/Labão pai de Raquel, serrana bela;/Mas não servia ao pai, servia a ela/E a ela só por prémio pretendia…” Eu…só ambicionava o sucesso educativo dos meus alunos, não enganava ninguém! 
Foram tempos gloriosos da minha vida, pois me encontrava na pujança da idade, tendo daí partido para o regresso, às origens, na minha querida vila. 
Os avós, que já não via, há algum tempo, estavam num convívio de confraternização, em plena festa, pois se comemorava uma data importante, nesse dia 26 de julho. 
Houve cumprimentos efusivos, e o bolo repartido pelos comensais também foi partilhado com as visitas de última hora. 
Ficaram felizes os avós com este encontro inesperado, não só porque se comemorava o Dia dos Avós, ficámos a saber no momento, mas por tudo o resto que a nossa presença significava. Há coincidências na vida… 
O Sr Manuel, de quem herdei o gosto e a habilidade no arranjo/amanho da horta, foi imediatamente notificado, via telemóvel, para se apressar, a tempo de saudar os familiares. E onde estava ele? Nas suas sete quintas, no meio do mundo vegetal, onde se sente como peixe na água, na sua famigerada hortinha. Sobranceira à passagem de nível do metro de superfície, é o seu refúgio, o seu ginásio, o seu apego à vida, na provecta idade de 94 anos. 
Foi, noutros tempos, o fornecedor de legumes e hortaliças, da casa dos filhos, que saboreavam os produtos genuínos da sua agricultura biológica. 
Sobre os avós, queria referir aqui o papel importantíssimo que lhes cabe, no apoio e suporte, que dão aos filhos, quando estes andam assoberbados na angariação do pão nosso de cada dia. Os avós, neste caso a avó Maria fez do netos a sua prioridade, com sacrifício das suas próprias comodidades. 
Por isso, a minha prole sempre teve pela avó uma enorme admiração, quase raiando a idolatria. Estes avós constituíram, para a família, um banco de recursos em que o tempo não era o capital único! O afeto, a dedicação, a abnegação, o amor extremado sempre foram uma constante na sua ajuda incondicional. 
Recebi hoje, a triste notícia de que a avó Maria Havia sucumbido na luta contra o tempo. 
Perdeu-se uma grande mulher, mas cá na terra fica um legado de boas recordações e uma gratidão incomensurável. 
— Devemos visitar os nossos velhinhos enquanto são vivos, —  dizia-me o filho, hoje ao dar-me a notícia funesta. 
—  E mimá-los… enquanto veem e sentem o cheiro das flores, ouvem a nossa voz e saboreiam os docinhos que lhes levamos! —  ripostei, em tom de amargura. 
Paz à sua alma! 

03.08.2016

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