sábado, 12 de dezembro de 2015

Conto de Natal

Gisela



Gisela entrara melancólica. Na entrada geral, ao lado do jardim da Escola, um presépio em madeira, com figuras em tamanho natural, anunciava a quadra que se avizinhava. De longe vinham uns acordes suaves, confirmando o clima que se vivia - o Natal.
No átrio da Escola, a decoração era exuberante. Vitrais multicores e duma grande subtileza de formas, ornamentavam a portada principal. Do lado esquerdo, erguendo-se por entre fitinhas douradas e plissados coloridos, surgia o primeiro pinheirinho de Natal, que servia de cenário aos bonecos de neve, gigantes e apelativos. Tão fofos, tão grandes e simultaneamente tão acolhedores.
Gisela teve o seu primeiro choque. Tanta luz, tanta cor, tanto empenho humano, a contrastar com o cinzento-escuro de que se vestia a sua alma. E veio-lhe, à memória, a família que ficara em casa. O Simão ficara ainda na cama, donde iria sair com a dificuldade de todos os dias, para ter a sua própria festa de Natal. Iria ter? Chegaria a integrar-se em alguma actividade? Teria algum entusiasmo pelo seu dia de festa?

Perdendo-se nestes devaneios, Gisela depressa volta à realidade, já que o dever se impõe e não se compadece com problemas familiares.
Muitos colegas, muita azáfama, muita correria e tudo porque iria decorrer, nesse dia, a festa de Natal da sua Escola.
Nas salas de aula, onde juntamente com os alunos, aguardava o Pai Natal, teve de fazer de mãe, dar o seu afeto e carinho a alguns desprotegidos da sorte. E houve olhos famintos e bocas vazias a devorar os pastéis, que a Escola ofereceu...
E Gisela, mais uma vez chorou no seu íntimo, por constatar que ali, na sua frente, havia crianças com carências materiais, com necessidade de tudo o que o dinheiro pode comprar. Mas eram crianças normais, apesar de tudo! Não fora a escassez de “abundância” que criara nelas, males irreversíveis; não era a falta de pão, que fazia delas seres “diferentes”. A Escola tinha uma resposta para isso. Nesse dia, abriu mão das suas reservas e saciou temporariamente, as bocas e os corações daquelas crianças.
No recinto adjacente à cantina, em palco improvisado, com aparelhagem sonora e iluminação intermitente, a festa começou. A Escola em peso e alguns pais, assistiram à representação de várias peças, umas musicais, outras coreográficas. Gisela assistia à atuação dos alunos, alguns deles seus alunos, que tão bem conhecia, a darem a sua participação, revelando as suas habilidades. Crianças ativas, cheias de energia, a desabrochar para a vida, cantaram e encantaram, sobretudo aquelas que sabiam contar com a presença dos pais, a fotografar, a aplaudir, a encorajar…
Uma lágrima teimosa nasceu, cresceu e juntou-se ao mar imenso da sua amargura. Do fundo do seu ser, uma voz indomável, em surdina, gritou: — Menino Jesus! Ainda vou ser feliz!

Dezembro de 1996

Mª Donzília Almeida

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