sábado, 3 de outubro de 2015

Ilumina-o ou elimina-o

Crónica de Anselmo Borges 

"Deus quer que todos os seus filhos 
participem na festa do Evangelho"

Papa Francisco


1. O Papa Francisco terminou no domingo passado uma visita triunfal a Cuba, aos Estados Unidos e à ONU. E qualquer pessoa atenta pergunta que magnetismo tem este homem para arrastar multidões, os jovens o escutarem, os políticos prestarem atenção, também os não crentes ficarem atentos. O que move este homem de 78 anos, com pulmão e meio, sofrendo de ciática e problemas num joelho, e que em oito dias correu cidades, presidiu a um sem-número de celebrações, encontrou grupos tão diferentes, pronunciou 24 discursos, para todos teve uma palavra encantatória, sem procurar honra e glória para si, até porque sabe, como disse à rádio Renascença, que "Jesus também era muito popular e acabou como acabou"? Tornou-se o principal líder moral planetário. Porquê? Obama viu bem, quando o chamou "imperador da paz" e observou: "O senhor é o exemplo vivo dos ensinamentos de Jesus."

2. Dos ensinamentos e dos gestos: foi ao encontro daquele menino com paralisia cerebral e beijou-o; quis que viesse até ele aquela menina com uma carta a pedir intercessão pelos imigrantes sem-papéis; visitou 200 sem--abrigo: "Deus entrou neste mundo como alguém que não tem casa"; na Zona Zero de Nova Iorque: "Lutemos por ser profetas de construção, de reconciliação, de paz"; em Cuba e aos jovens imigrantes de Harlem: "É belo ter sonhos e poder lutar por eles. Não se esqueçam"; na Casa Branca: "Como filho de imigrantes, alegra-me estar neste país construído por imigrantes"; recebeu algumas vítimas de abusos sexuais do clero, assegurando que terminou a era do silêncio e do encobrimento e que chora como "Deus chora" e que os responsáveis pagarão pelos seus delitos; abraçou um preso na cadeia de Filadélfia e pediu o direito à reinserção: "É penoso constatar sistemas penitenciários que não procuram sarar chagas e gerar novas oportunidades"; quer mais participação dos leigos, nomeadamente das mulheres, na vida da Igreja; depois de anos de mal-estar com a Igreja oficial, encontrou-se com religiosas americanas: "Que seria da Igreja sem vós, mulheres fortes na primeira linha do Evangelho? Gosto tanto de vós!" No encerramento do Encontro Mundial das Família: "Deus quer que todos os seus filhos participem na festa do Evangelho." Fez questão de viajar num pequeno Fiat. Na base, está a sua convicção da igual dignidade de todos e da fraternidade universal.

3. E falou aos poderosos. Pediu a Cuba e aos Estados Unidos que sejam "exemplo de reconciliação" nesta "atmosfera de III Guerra Mundial que estamos a viver". Na Missa da Praça da Revolução, em Havana: "Nunca o serviço é ideológico, pois não se serve ideias, mas pessoas." "Quem não vive para servir não serve para viver." A Raúl Castro pediu "liberdade na dignidade".
No Capitólio, a 500 congressistas, muitas vezes aplaudido: "Uma nação é considerada grande quando defende a liberdade." E o seu discurso histórico acentuou os ideais de quatro americanos ilustres, "quatro pessoas, quatro sonhos: A. Lincoln, a liberdade; M. Luther King, uma liberdade que se vive na pluralidade e na não exclusão; Dorothy Day, a justiça social e os direitos das pessoas; Thomas Merton, a capacidade de diálogo e a abertura a Deus". É nosso dever defender a vida em todas as etapas do seu desenvolvimento. E isto também significa abolir a pena de morte, colocar esta pergunta: "Porque são vendidas as armas letais aos que pretendem infligir um sofrimento indizível aos indivíduos e à sociedade?" "Se é verdade que a política deve servir a pessoa humana, segue-se que não pode ser escrava da economia e das finanças." "Tratemos os outros com a mesma paixão e compaixão com que queremos ser tratados."
Nas Nações Unidas: "A sede egoísta e sem limites de poder e prosperidade material levam à má utilização dos recursos naturais e à exclusão dos fracos e desfavorecidos." Os "pilares do desenvolvimento integral": direito a tecto, trabalho, terra, liberdade religiosa, liberdade de educação. Insiste na defesa da vida, com todas as consequências: necessidade de "total proibição" das armas nucleares, luta contra o narcotráfico, também contra o comércio de órgãos, a exploração sexual, trabalho escravo, terrorismo e crime internacional organizado. Pede a reforma do Conselho de Segurança e dos organismos financeiros internacionais, que "devem velar pelo desenvolvimento sustentável dos países".

4. Francisco também tem adversários e até inimigos. Porque grandes interesses se sentem abalados. Políticos há que o consideram "o homem mais perigoso do planeta". Os mais refractários, porém, talvez estejam na Igreja. E aí está o confronto explícito, mas o pior é a luta sub-reptícia, mesquinha e odienta, escondida cobardemente no anonimato. Não faltarão os que vão dizendo lá no íntimo: "Senhor, ilumina-o ou elimina-o." As próximas três semanas do Sínodo, que amanhã começa em Roma, serão das mais difíceis para Francisco. Ele sempre pede: "Por favor, rezem por mim." Ele sabe porquê.

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