sexta-feira, 24 de abril de 2015

(In)tolerância

Crónica de Maria Donzília Almeida


“O sucesso torna as pessoas modestas, 
amigáveis e tolerantes; 
é o fracasso que as faz ásperas e ruins.“

William Maugham






Descia eu a artéria principal da nossa pitoresca vila, após a missa dominical do dia de Páscoa. O tráfego automóvel era já intenso e sucedia-se em movimento contínuo. 
Ia observando, à minha volta, o aspeto matinal de uma povoação que acorda para a vida, se espreguiça e dá sinais de vitalidade nesta primavera incipiente.
A certa altura, inopinadamente, sou surpreendida, nos meus pensamentos introspetivos, por um buzinar estridente e um derrapar de pneus, ali mesmo em frente, na via pública. Ato contínuo, observo uma picardia entre dois automobilistas que se mimoseavam com palavras e gestos, frequentemente usados na gíria da condução automóvel.
Era o primeiro espetáculo da manhã, desse dia que comemorava a ressurreição de Cristo, a libertação da escravatura do povo judeu, a época, por excelência da reconciliação, do perdão, do renascimento do homem novo.


Tinha ali na frente, a oposição a todos estes valores humanos e cristãos e duas pessoas bastante jovens davam sinais claros de uma grande intolerância. Quaisquer que fossem os motivos que tivessem levado àquela disputa, não justificam os gestos obscenos que foram visualizados por qualquer transeunte que por ali passava.
Perante a bizarria da cena, continuei a minha reflexão pessoal e interrogo-me aonde irão chegar, no seu percurso de vida, estes jovens que começam tão cedo a demonstrar impaciência, agressividade, até violência que são os condimentos da intolerância. Se numa situação tão banal, que ocorre no nosso quotidiano revelamos estes sinais de comportamento anti social, como estaremos preparados para enfrentar as grandes intempéries da vida?
Uma cena de picardia semelhante ocorreu bem perto de casa, ali no bosque, quando em vez do cordeiro pascal, ali entrou uma patinha branca, oferta de um amigo.
As galinhas residentes e detentoras da exclusividade do amplo espaço, reagiram com hostilidade a esta nova inquilina e sentiram-se ameaçadas na sua liberdade de galináceos. Ostracizaram a pobre criatura que se refugiava a um canto do aprisco, como se tivesse peçonha! Nos dias seguintes fizeram um complot para atacar a patinha e eriçando as penas do pescoço para tomar um aspeto feroz, deram em bicá-la, numa atitude de pura rejeição. Inadmissível esta intolerância em seres da mesma classe das aves, apenas pela intromissão de uma palmípede. Racismo puro, está mais que visto! As galinhas pretas e castanhas não aceitaram uma nova criatura, ainda que fosse tão inofensiva como uma pomba branca!
Será que herdaram dos humanos este sentimento de intolerância, apenas baseado na cor das penas?
Para grande desgosto meu, o alvoroço na capoeira foi notório: houve ovos partidos e a postura das galinhas ficou alterada. Se até à chegada da nova criatura, elas cumpriam religiosamente o seu dever de poedeiras e os ovos nasciam com regularidade, a partir daí fizeram greve e deixaram a sua postura cívica! Tornaram-se galinhas vadias que passam o dia a esgaravatar no bosque, a descansar e espojar-se à sombra dos pinheiros. Macaquinhos de imitação…com as greves que estão aí no país!
Antes que fosse morta à bicada pelas malvadas, a patinha regressou à procedência e deixou triste a dona que é pacifista e abomina a intolerância, o racismo e a xenofobia.

24.04.2015


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