segunda-feira, 13 de abril de 2015

À conversa com Manuel Amândio Soares dos Santos




A arte não escolhe idade 
nem condição social


A arte não escolhe idade nem condição social. Brota espontaneamente quando sente que é chegada a hora de se manifestar ou quando encontra ambiente para desabrochar. Foi precisamente isso que constatámos na visita que fizemos um dia destes ao nosso conterrâneo Manuel Amândio Soares dos Santos, 80 anos, reformado há 15, três filhas e três netas, com a esposa, Maria Aldina Nunes Estanqueiro, de 77 anos, acamada e cega, a exigir cuidados permanentes. 
Nas horas vagas, «quando a ideia ajuda», esculpe peças decorativas, usando cimento branco, rede de arame e ferro, que vai encontrando e às vezes, «com a pressa de acabar a obra», comprando.
Estranhou a nossa visita e curiosidade, pela pessoa humilde que é, sem nunca ter feito qualquer exame da instrução primária, por preferir trabalhar, apesar de ter por mestre o professor Carlos, que na altura lecionava numa escola no lugar onde hoje está o Lar Nossa Senhora da Nazaré.


Explicando com faz os seus trabalhos

Manuel Amândio não foi criança de brincar. Aos oito anos tratava do gado e ajudava os pais na lavoura. «O meu pai queria o gado bem alimentado para carrear estrume, moliço e produtos agrícolas para as nossas terras e para as de alguns familiares, que não tinham carro nem vacas». Ele bem via os miúdos da sua idade a brincar, «mas as ordens do pai eram mais importantes», disse.
Uns tempos depois surgiu a hipótese de aprender as artes de alfaiate e sapateiro, mas esses trabalhos davam-lhe sono e desistiu. Um dia, o António Gandarinho, seu amigo, convidou-o para trabalhar nas obras e desse ambiente já gostou. Muito mais tarde, mudou de profissão e nos estaleiros participou na construção da fragata D. Fernando II e Glória, de onde saiu reformado. Tinha 65 anos.
Quando sentiu no corpo e na alma a liberdade de viver sem as rotinas do operário que sempre foi, adoeceu. Não sabe explicar o que lhe aconteceu, mas um médico ajudou-o a sair do sufoco em que vivia. Foi aí que nasceu a ideia de voltar ao cimento. E acrescenta: «Comecei a fazer estas coisas e até parece que me nasceu uma alma nova; o trabalho ajudou na cura da doença que me incomodava.»
Sem qualquer apreciação crítica meticulosa, consideramos que as esculturas de Manuel Amândio se integram na arte Naïf, simples e espontânea, já que o nosso entrevistado não teve mestres nestas áreas, nem frequentou ateliês, nem visitou, por certo, exposições ligadas a este ramo artístico. Também não terá recebido lições nem conselhos de ninguém.

Marinha de Sal

Garante-nos que as ideias vêm ter com ele e que, a partir daí, vai imaginando o que poderá fazer. Sem traços, sem projetos, sem esquemas... «E depois começa e não mais descansa enquanto não terminar a peça.»
Manuel Amândio nem quer ouvir falar em vender. O que faz é para o acompanhar na vida, pois em tudo aquilo que ocupa bom espaço no cimentado lateral da sua habitação se revê, como se seus filhos fossem.
Não está sempre a criar, mas não deixa de reconhecer que não para de pensar. E esclarece que, «sem calma, não consegue fazer nada de jeito».

Fernando Martins

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