sábado, 18 de abril de 2015

A barbárie e a indiferença

Crónica de Anselmo Borges 

Anselmo Borges



O direito à liberdade religiosa é um direito fundamental garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Mas acaba por ser um dos menos respeitados. De facto, o cristianismo já esteve do lado dos perseguidores, hoje é a religião mais perseguida. Os dados são verdadeiramente trágicos, a ponto de o Papa Francisco ter feito um apelo à comunidade internacional para que não permaneça "silenciosa e inerte". Na via-sacra de Sexta-Feira Santa foram lembrados todos os que presentemente são perseguidos, nomeadamente na Síria, no Iraque, no Egipto, na Nigéria, no Quénia, na Coreia do Norte: "Os nossos irmãos são perseguidos, decapitados, crucificados por causa da sua fé, sob o nosso silêncio cúmplice." O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros espanhol, Ignacio Ybáñez, também reconheceu nesta semana que "presentemente a situação é dramática", atingindo o seu auge com o Estado Islâmico: "Em cada hora que passa um cristão é morto."

Nos finais do ano passado, foi publicada uma obra importante: Le Livre Noir de la Condition des Chrétiens dans le Monde, com 811 páginas. Dirigida pelo francês J.-M. di Falco, o britânico T. Radcliffe e o italiano A. Riccardi, contém mais de 70 testemunhos, reportagens e análises de peritos de 17 nacionalidades. A religião cristã é hoje realmente a mais ameaçada e perseguida: entre 150 e 200 milhões de cristãos encontram-se na situação de discriminação ou perseguição. Concretamente no Médio Oriente, na África subsariana, na Ásia, são alvo de grupos armados e organizações terroristas ou sofrem pressão social e repressão do Estado.

A violência sobre a população cristã no Médio Oriente leva à sua redução constante, por causa do aumento dos deslocados e da emigração, que podem conduzir ao desaparecimento da presença cristã na região. Neste sentido, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros espanhol lembrou que, embora o cristianismo "mergulhe as suas raízes no mundo árabe e semita", os números atestam que os cristãos têm aí uma presença cada vez mais diminuta, representando na actualidade apenas 2% da população de Israel, Palestina e Jordânia, 4% no Iraque, 8% na Síria, 10% no Egipto.
Javier Elzo pergunta: Porquê precisamente os cristãos? E tenta responder.

Em primeiro lugar, representam a religião com maior número de fiéis e mais espalhada: 2300 milhões, dos quais 1200 milhões católicos. São um terço da humanidade, seguindo-se os muçulmanos, com 1700 milhões.
Depois, num século, entre 1910 e 2010, a distribuição dos cristãos no mundo transformou-se radicalmente. Assim, na Europa: passou-se de 66,3% para 25,9%, respectivamente; nas Américas: 22,1% e 36,8%; Médio Oriente e Norte de África: 0,7% e 0,6%; Ásia: 4,5% e 13,1%; África subsariana: 1,4% e 23,6%.

Este aumento de cristãos fora do Ocidente é visto em alguns países como constituindo uma ameaça. São considerados por vezes como pontas avançadas de interesses ocidentais. Por outro lado, há quem os considere também como adversários na ascensão social. E têm um modo diferente de viver e de interagir com os outros, considerado inaceitável nomeadamente para o fanatismo.

E como explicar o silêncio do Ocidente? O historiador Andrea Riccardi, fundador da comunidade de Santo Egídio e um dos directores do livro, nota que em grande medida poderá ser esta a explicação: "Na realidade, a cultura ocidental alimentou um autêntico sentimento de culpa por causa das responsabilidades dos cristãos pelas violências que cometeram ao longo da sua longa história", lembrando a conquista da América, o colonialismo, as cruzadas, a Inquisição...

O agnóstico Régis Debray aponta realisticamente para o politicamente correcto, interesses políticos e económicos e a indiferença religiosa do Ocidente. Afinal, as vítimas são "demasiado cristãs" para poderem interessar a esquerda e "demasiado estrangeiras" para poderem interessar a direita.

Mas o filósofo André Comte-Sponville, que professa um ateísmo com espiritualidade, chama justamente a atenção para o facto de ninguém poder ignorar as perseguições operadas pela Igreja, "mas isso não é razão para fazer recair sobre os cristãos de hoje as faltas e os crimes dos seus predecessores. Ninguém é culpável pelos pecados dos seus pais. Os direitos dos seres humanos transmitem-se pelo nascimento; a culpabilidade não. Os cristãos são, antes de mais, seres humanos. O que é suficiente para outorgar-lhes direitos e, por conseguinte, para obrigar--nos a deveres para com eles".

Neste sentido, voltarei, no próximo sábado, à saudação pascal do primeiro--ministro britânico, David Cameron, reivindicando as raízes cristãs do Reino Unido, que "é um país cristão", e assegurando aos cristãos perseguidos: "Estamos convosco." Ignacio Ybáñez também declarou ser um "imperativo moral" e uma "responsabilidade política" a implicação da Espanha face à perseguição dos cristãos no Próximo Oriente.

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