sábado, 15 de novembro de 2014

RESPONSÁVEIS E ACTIVOS

Uma reflexão de Georgino Rocha




Juízo severo, sentença drástica. Quem o poderia imaginar? (Mt 25, 14-30) O desfecho da parábola dos talentos é surpreendente, desconcertante. O “chamado” servo mau não faz mais do que proceder de acordo com as regras do tempo e do modo de ser do seu patrão: aceita o encargo, guarda com cuidado o talento e apresenta-o, sem desfalque, no regresso do senhor, acompanhando a entrega com uma justificação plausível. O seu comportamento está motivado pelo modo de ser do patrão: ter medo de quem é severo, saber de antemão que não pode falhar, pois ele quer colher onde nada semeou. Por isso manteve a rotina e fez como era hábito: escolher um local seguro, enterrar cuidadosamente o objecto recebido, gravar na memória esse local e, tranquilo, descansar aguardando o momento da reposição.

A sentença aponta a novidade da mensagem a viver e transmitir: importa mais a atitude do que o resultado, o risco do que a segurança, o investimento do que a poupança, a abertura aos outros do que o encerrar-se sobre si mesmo, o uso responsável da liberdade do que a obediência servil e tacanha. Como se verifica nos servos bons.

Jesus narra a parábola, não para dar uma lição de economia de rentabilidade capitalista, mas de responsabilidade social, de reconhecimento e desenvolvimento de capacidades, de criatividade confiante, de vigilância atenta e cooperante, de intervenção pronta e generosa. Mateus situa esta narração nas “catequeses” que o Mestre faz no Monte das Oliveiras e dirige aos discípulos e, por eles, a todos nós. Diz-lhes sem rodeios: tende cuidado convosco, geri bem os talentos que recebestes, estai preparados para as eventualidades. A quem corresponder à missão recebida será reconhecido o êxito e feito o convite: Servo bom, vem tomar parte na alegria do teu senhor. Este é o futuro anunciado que, entretanto, “se joga” no presente, nas atitudes assumidas perante as situações vividas, nas decisões tomadas face a desafios concretos e urgentes.

Agora é o tempo da responsabilidade ética. Tanto a nível da economia “soberana”, como do envolvimento na Igreja e nas múltiplas valências das comunidades e dos movimentos que a configuram e realizam; tanto a nível pessoal, como das famílias e dos grupos apostólicos que são presença e fazem intervenção na sociedade. Ninguém que se preze de ser humano se pode isolar na sobrevivência, instalar no aburguesamento, acomodar-se no divã do sossego alcançado e na zona do conforto, aguardar o desfecho do processo em curso.

A ética da responsabilidade constitui um dos eixos imprescindíveis da ética civil e, por motivos novos, da ética cristã. Todos somos responsáveis por todos. O bem comum e a justiça social constituem a sua expressão mais qualificada. Nada do que é humano nos pode ser estranho. Os talentos/capacidades de cada um estão ao serviço da dignidade de todos. A sociedade tem uma elevada força educadora e constitui o espelho do bem-estar dos seus membros. Deus conta connosco em parceria de aliança.

Tal como na parábola, os discípulos de Jesus recebem o talento da confiança: os bens de Deus e de toda a humanidade, estão-nos entregues para serem bem geridos, promovendo as capacidades de cada pessoa e do conjunto social; o talento do tempo: o bem precioso do tempo comporta a medida exacta para ser realizada a missão e imprimir a nossa marca na história, fazendo das horas que passam horas de salvação, oportunidades de realização integral; o talento do amor que reforça as capacidades humanas e as impulsiona a voos de audácia em prol dos demais; o talento da vida humana, sempre a apreciar e a valorizar, da fé em Cristo Jesus e na boa nova que nos surpreende continuamente. E tantos outros, felizmente!

O ensinamento de Jesus vem mesmo “a calhar” na crise soberana que manieta as pessoas e as molda a seu jeito, fazendo-nos “mergulhar” nos talentos que Deus, fonte da alegria e da esperança, confia à nossa responsabilidade.

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