sábado, 16 de março de 2013

O Papa é um bispo que tem o primado pastoral

O maior afrodisíaco
Anselmo Borges

Anselmo Borges



Ainda Papa, J. Ratzinger disse o que é decisivo: "Nós somos a Igreja; a Igreja não é uma estrutura; nós, os próprios cristãos juntos, todos nós somos o Corpo vivo da Igreja. Naturalmente, isto é válido no sentido de que o 'nós', o verdadeiro 'nós' dos crentes, juntamente com o 'Eu' de Cristo, é a Igreja."

Mas, de facto e desgraçadamente, quando se pensa e fala e escreve sobre a Igreja, no que se pensa e fala e sobre que se escreve é, em primeiro lugar, a Igreja enquanto instituição e concretamente a organização central - em que se pensa, quando se diz o Vaticano? -, com o Papa, o cortejo de cardeais, arcebispos, bispos, monsenhores da Cúria e o Banco do Vaticano e regras e normas e escândalos e intrigas que se diz aninharem-se por lá e, evidentemente, também o espectáculo nem sempre edificante, e o folclore. Aliás, quem se não quiser enganar, mesmo dentro da Igreja, que se pergunte: o que juntou os mais de 5000 jornalistas estrangeiros em Roma para a eleição do novo Papa? Foi verdadeiramente a Igreja viva, constituída pelos discípulos de Jesus, que procuram real e verdadeiramente segui-lo no amor de Deus e do próximo?


Seja como for, acima de tudo e em primeiro lugar, é preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. Realmente, em síntese, como escreveu o teólogo Hans Küng, a Igreja é a comunidade dos que acreditam em Jesus Cristo: "A comunidade dos que se entregaram e entregam a Jesus e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo. A Igreja torna-se crível se disser a mensagem cristã, não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma, e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus."

A Igreja não pode entender-se como uma gigantesca empresa multinacional religiosa ou um aparelho de poder. Ela é povo de Deus espalhado pelos diferentes lugares do mundo. O Papa não pode ser visto como um "autocrata espiritual", mas como bispo que tem o primado pastoral, vinculado ao colégio dos bispos. E as funções nucleares da Igreja são oferecer aos homens e às mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem arcaísmos nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos, sem esquecer o dever de assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando à sociedade, sem partidarismos, opções fundamentais, orientações para um futuro melhor para a Humanidade, na paz, no respeito pelos direitos humanos, na preservação da natureza.

O novo Papa tem pela frente missões gigantescas. A credibilidade da Igreja-instituição bateu no fundo. Impõe-se, pois, uma conversão de fundo. A pedofilia tem de acabar definitivamente. Tolerância zero igualmente para os escândalos intoleráveis do Banco do Vaticano. Os direitos humanos têm de valer também no seio da Igreja: liberdade de investigação, de opinião, de expressão. A quem tem medo da democracia e da participação lembra-se o que diz o Vaticano II: "É perfeitamente conforme com a natureza humana que se constituam estruturas jurídico-políticas que ofereçam a todos os cidadãos, sem discriminação alguma e com perfeição crescente, possibilidades de tomar parte livre e conscientemente na eleição dos governantes." As mulheres não podem ser discriminadas. A moral sexual pede revisão, bem como a lei obrigatória do celibato, que deve ser opcional. Decisiva é a reforma da Cúria, verdadeiro cancro da Igreja: "Impõe-se reformar a Cúria Romana", exige o cardeal W. Kasper. A Cúria só se compreende enquanto serviço da autoridade eclesiástica, que não reside na Cúria, mas no colégio dos bispos com o Papa à cabeça, como lembra o teólogo J. I. González Faus, que quer também que desapareçam do círculo do Papa "todos os símbolos de poder e de dignidade mundana": "príncipes da Igreja" é "título quase blasfemo".

Mas não haverá reforma sem conversão no que se refere àquela que foi a única tentação com que Jesus também foi confrontado: a tentação do poder, disso que é - disse-o quem sabe (Henry Kissinger) - o maior afrodisíaco. Jesus deixou a palavra decisiva: "Não vim para ser servido, mas para servir."
No próximo sábado escreverei sobre o Papa Francisco, que, estou convicto, veio para servir.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

No DN

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