quinta-feira, 7 de junho de 2012

Solenidade do Corpus Christi



A instituição da festa do Corpo do Senhor situa-se no movimento desejoso de ver a hóstia e a adorar, que valorizou o momento da celebração em que se faz a narração da Ceia, assinalado pelo toque de campainha e com solenização ritual. 
A festa do Corpus Christi, mal traduzida por «Corpo de Deus», mas chamada «Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo», foi instituída na Bélgica em 1246 e aprovada para toda a Igreja latina em 1264, na quinta-feira após a oitava do Pentecostes. Constitui uma resposta de fé e de culto a doutrinas heréticas sobre a presença real de Cristo na Eucaristia, ao mesmo tempo que coroou um movimento de devoção ardente ao Santíssimo Sacramento do altar. Em 1318 já o papa João XXII lhe acrescentava a procissão solene, que a caracteriza por levar em triunfo o «Santíssimo Sacramento».
Portugal não esperou a determinação papal e acolheu a festa pouco depois da sua criação belga. Já há referências para o Porto (em 1294) e para Coimbra ainda no século XIII. O título de «Corpus Christi» aparece em livros da Colegiada de Guimarães (1302), foi dado ao convento dominicano de Gaia (entre 1348 e 1352) e para reparar um ultraje (1361 e 1362) à eucaristia acontecido em Coimbra foi erguida a Capela do Corpo de Deus, cerca de 1367. Em Évora dá o nome a uma travessa (1385). A Confraria do Corpo de Deus da Igreja de São João Bartolomeu (Guadalupe), em Braga, em 1403 já tinha uma centena de irmãos. Todas as cidades e vilas do reino realizavam com brilho a mais espantosa das procissões.
A procissão dava lugar a representações, como se conhece no tempo de D. Manuel. As manifestações teatrais e os jogos de danças que se juntaram aos cortejos solenes davam lugar a abusos, que foram controlados por determinações diocesanas. 
A partir do final do século XV assistiu-se a uma vaga de fundo de ordenação e moralização das procissões católicas que atingiu acima de todas a do Corpus Christi, que na apresentação das diferentes corporações de mesteres ou determinados ofícios acabava por denotar a vida do concelhomas provocava crescimentos espetaculares de representatividade que procuravam fazer chamadas de atenção sobre o poder, económico em primeiro lugar, de alguns dos participantes. 
As proibições desta procissão concelhio-religiosa foram muitas e atingiram sobretudo os seus elementos festivaleiros, como o São Jorge, o seu alferes, cavalo e sela, o Dragão, Serpe ou Conca, as danças e folias variadas. 
Além da particular exaltação eucarística na Quinta-feira Santa, os acontecimentos mais atribulados da vida social e política e ocasiões de profanações sacrílegas proporcionavam solenes e emotivos atos de desagravo. João Marques sublinha o momento da Restauração como particularmente propício ao recurso do imaginário eucarístico nos sermões e nas narrações de atos litúrgicos. Unia-se a defesa da pátria à comunhão eucarística. 
Esta sensibilidade foi contrariada pela separação da Igreja do Estado e pelas orientações do concílio plenário (1926), que conseguiram reduzir a procissão ao meramente religioso e nalguns lugares levaram mesmo à sua suspensão. 

Confrarias do Santíssimo Sacramento 

Conhecem-se entre nós, desde meados do século XV, as confrarias do Santíssimo Sacramento. O compromisso da existente na freguesia de Castro (Ponte da Barca) data de 1457. 
Para reagir ao abandono a que se viam destinados tantos sacrários sem veneração, alguns devotos decidiram criar, no convento dominicano de Santa Maria Sopra Minerva (Roma) uma confraria destinada ao culto do Santíssimo Sacramento, com diversos gestos e ações. O papa Paulo III aprovaria esta piedade para toda a Igreja em 30.11.1539. Vários opúsculos espalharam pelo mundo a mesma devoção. 
Os testemunhos portugueses são também precoces. Faculdades para criar congéneres são concedidas pelo papado ao cardeal D. Henrique, para Braga (1540) e para Évora, pouco depois. 

O alastrar da instituição é rápido durante o século XVI e sofre incremento tridentino (Concílio de Trento). Aos poucos todas as igrejas erigiram estas associações. Foram fundamentais para preservar muito património e zelar pela beleza dos espaços. O ímpeto lançado no povo católico à volta do culto eucarístico é fulgurante de realizações piedosas. 

D. Carlos A. Moreira Azevedo, António Camões Gouveia (Dicionário de História Religiosa de Portugal); Diretório sobre a piedade popular e a Liturgia

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