domingo, 10 de julho de 2011

Reflexão para este domingo: A cesta de Deus está cheia de boas sementes




SENTADO À BEIRA-MAR

Georgino Rocha

Sentado à beira-mar, faz o balanço da missão. O programa vai a meio e parece comprometido. Expulso de Nazaré, onde é acusado de ter acessos de loucura, dirige-se a Cafarnaúm, terra de encruzilhada de povos que vivem do campo, do comércio e da pesca. Os discípulos questionam-se e fazem perguntas que denotam pouco aproveitamento das lições anteriores.
 Jesus, sentado à beira-mar, vira as costas à terra onde vive gente ingrata e endurecida, revê o filme da sua aventura, renova a sua adesão ao projecto de salvação que Deus Pai lhe confia e sonha novas ousadias. O ambiente favorece-o nesta viagem interior: mar sereno a desafiar novas rotas, brisa suave a despoluir preocupações sobrecarregadas, ondulação ritmada que, de vez em quando, chega à praia e desperta outros entusiasmos e encantos ao espreguiçar-se perante o seu olhar extasiado e sonhador, e junto aos seus pés de cansado viajante.


A atitude de Jesus nas margens do mar de Tiberíades tem um fundo histórico, mas é sobretudo simbólica. Tantos, ao longo dos anos, se sentam para fazer o ponto da situação da sua vida. Tantos escolhem a beira-mar para refazer forças em tempo de merecidas férias ou de outros lazeres. Tantos ganham o pão, correndo riscos de morte, nas fainas da pesca ou no trabalho ingrato dos que sulcam as águas intempestivas, transportando bens e pessoas. (Neste domingo celebra-se o Dia Mundial do Mar e, a propósito, o Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes publicou uma excelente mensagem). Tantos fazem do mundo marítimo o ganha-pão das suas famílias, o laboratório das suas pesquisas, o viveiro das suas esperanças, o “baú” do luto das suas memórias. Tantos se cruzam com o Infinito e se deixam “tocar” por Ele, abrindo-se a outras dimensões da vida, iniciando ou reforçando a experiência religiosa e a prática cristã.

A viagem interior de Jesus adquire uma nova e atraente expressão. Aproveita a chegada de numerosas pessoas para fazer uma radiografia ao coração humano, descrever as atitudes mais comuns perante a novidade da vida, lançar algumas interpelações aos ouvintes e dar um reforço à exígua compreensão dos discípulos.
Recorre a um estilo de comunicação acessível: a parábola do semeador e, nela, faz o relato da revisão do seu programa de missão, retrata a atitude dos ouvintes que recebem a semente da palavra e manifesta a preocupação pela preparação de quem vier a ser semeador do futuro.
Em linguagem simples e sugestiva, rica e clara, narra a cena de todos conhecida, traz à consciência realidades profundas, envolve os ouvintes, fazendo-os participantes do relato e da urgência da mensagem que comporta.
“A cesta de Deus está cheia de boas sementes para todos”, mas a sorte de cada uma fica pendente da atitude de quem a recebe. A narrativa realça a simbologia da parábola: a beira dos caminhos condensa as oportunidades perdidas; os sítios pedregosos apontam para os corações endurecidos pelo preconceito e ignorância, embora com emoções fáceis e alegres; os espinhos da vida realçam os conflitos gerados pela ânsia da posse e do prestígio, conflitos que sufocam as capacidade criadoras; a boa terra evoca o paraíso original e antecipa o desfecho final da missão de Jesus, constitui o símbolo do coração generoso e bom, totalmente disponível, capaz de gerar vida em abundância e qualidade.

Da beira-mar, Jesus passa a sentar-se na barca de cada um – a consciência – e da Igreja – povo em comunhão organizada – para sulcar as águas do mar do mundo onde as sementes do Reino vão germinando e crescendo.

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