quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O dinheiro tanto fecha os olhos ao pobre como ao orgulhoso



O gigante e o anão

António Marcelino


Parece que a esperança da salvação do país virá agora da China. De lá veio, já desde há anos, a ruína do pequeno comércio, porque ninguém pode competir com quem de lá veio e encheu cidades e vilas de novas lojas dos 300, com patrocínios dos nossos governos, que os de cá não têm, nem nunca tiveram. E ainda não sabemos tudo. Nem sei se alguma vez o saberemos. Até os governantes democráticos cultivam tabus de seu interesse e nem sempre dão contas de tudo.
O senhor da China passeia-se disponível pela Europa, no meio de manifestações a favor e contra, para comprar as dívidas dos países falidos ou à beira da falência, e propondo-se assinar acordos que lhe permitam acessos sempre crescentes e sem regresso. Quem só vê o dinheiro que precisa, nem se interroga sobre a fonte que o produz e como se acumulam biliões num país com milhões de pessoas forçados a viver como escravos. Para ajudar a Europa virá agora dinheiro de um país que tem o último Prémio Nobel da Paz na prisão, milhares de trabalhadores expropriados na sua terra, gente sem voz para reagir à injustiça, muitos que vivem sob o fio ameaçador da pena de morte, verdadeiros proletários obrigados a produzir sem direitos, milhões de cidadãos proibidos de sonhar com uma vida livre. Mas, como se diz que o dinheiro não tem cor…


A Europa dos Direitos Humanos, que não aceita a pena de morte e as restrições à liberdade individual, de modo farisaico só olha agora para o dinheiro que pode cair daquelas mãos generosas, sem se interrogar se ele vem ainda quente e tingido de sangue humano. Quando se fecham portas à transcendência e se destroem os valores morais e éticos universais que devem, em toda a parte, orientar a vida das pessoas, também dos governantes, já nada se pode estranhar.
Os países não são todos solidários. Mesmo quando o são, não é do mesmo modo e pelas mesmas razões. A história mostra que também não prestam favores gratuitos, e que os ricos grandes, quando fazem acordos com pobres e pequenos, procuram dar-lhes um cabrito em troca de um rebanho. Porque agora esta onda de generosidade amarela, cheia de promessas e de benesses, entre o gigante e o anão? Há acordos legítimos e necessários que ajudam e abrem perspectivas. Há outros que podem ser presentes envenenados.
De há muito tempo o mundo ocidental está ameaçado pelo dragão oriental. Mas faz que não percebe para não ter que o admitir. Na hora da mão estendida, abre avenidas ao ilustre visitante, desdobra-se em salamaleques grotescos, faz discursos que não sente. Os que vêem nesta nova invasão uma maneira de humilhar os Estados Unidos, rejubilam. Os perplexos ante o mundo dos problemas que enfrentam só olham para ver se das mãos escorre dinheiro que alivie a dor presente. Os que dissentem, por força de convicções enraizadas, tornam-se incómodos.
O dinheiro tanto fecha os olhos ao pobre como ao orgulhoso. É fácil continuar a pensar-se que pouco importa ficar mais dependente, se de grave dependência é a já a situação presente e futura de Portugal? Já só resta lugar para estratégias e arranjos, com as consequências previsíveis e inevitáveis.

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