quarta-feira, 29 de setembro de 2010

REPÚBLICA: A força do poder redundou em fraqueza



Os bispos da República
e a fidelidade à sua missão

António Marcelino

Foram vários os bispos do início da República expulsos das suas dioceses pelo poder político. Por vezes, porque as dioceses não coincidiam com os distritos, sem que o advertissem os governantes, ficavam a viver dentro da mesma, mas noutro distrito, como aconteceu, por exemplo com o arcebispo de Évora, com residência forçada em Elvas, e o com bispo de Portalegre, exilado em Proença-a-Nova. Das expulsões havidas, o caso então mais falado, dada a sua importância, foi o do bispo de Porto, D. António Barroso. Exilado primeiro em Cernache do Bonjardim (Sertã), depois na Covilhã e, finalmente, na sua terra natal, Remelhe (Barcelos). Um dia, pelo facto de ter entrado na sua diocese para celebrar um baptismo, foi julgado em tribunal, por desobediência, mas logo absolvido por juiz sensato e corajoso.
O objectivo do poder ao ferir o pastor era separar os bispos do seu povo, obrigá-los ao silêncio, e fazer tudo para que o rebanho se tresmalhasse.


Afonso Costa disse no Parlamento, em 27 de Julho de 1911, que, tal como se havia feito em França, o propósito era, sem violências, impor aos bispos a completa obediência ao poder republicano. Acabou, porém, por reconhecer que “o castigo dado a um bispo, considerado herói pelo seu povo, foi uma infelicidade. A sua coragem e determinação só trazia custos políticos para o Governo”.
Os primeiros tempos da República legaram-nos o testemunho corajoso do Episcopado Português, agindo em concertada união e fazendo, a uma só voz, uma leitura, crítica e objectiva, sobre o novo regime republicano. Assim foi com a Pastoral Colectiva (24 Dezembro de 1910), o Protesto Colectivo sobre o decreto de 20 de Abril de 1911, conhecido por Lei da Separação (5 de Maio de 1911) e, por fim, a Instrução Colectiva (22 de Janeiro de 1917), com orientações necessárias e oportunas para o povo cristão.
É muito clara a atitude dos bispos neste contexto, convidando todos à reflexão serena.
Sendo, embora, diferente o contexto actual, com problemas graves de vária ordem, é este também um apelo aos responsáveis da Igreja no Portugal de 2010, com não menor exigência, que a de 1910. Destaco, então, a união dos bispos falando a uma só voz, a coragem de enfrentarem, sem medo, situações concretas difíceis, a clarividência na exposição atempada da doutrina, o apelo claro à fidelidade cristã e à defesa de valores fundamentais das pessoas e das comunidades.
Vale a pena transcrever palavras iniciais de cada documento episcopal. “E tempestuoso, em verdade, é o período histórico e anormal que a nossa pátria vai atravessando. Melindrosa, cheia de perigos era e é a situação… Mas poderão estas apreensões dispensar-nos de falar? Não, que o temor atingiria a meta da cobardia e o silêncio podia ser havido por traição. E nós bispos, acusados por vezes de demasiada prudência e longanimidade temos, mercê de Deus, a consciência de não sermos traidores à nossa missão…” (Dezembro de 1910).
“Foi vibrado o golpe! Realizou-se a previsão… Realizou-se? Não: foi excedida. O facto foi além da expectativa. A calamidade superou o receio. Receava-se a dureza, veio a atrocidade; receava-se a sujeição, veio a tirania; receava-se o cercear das garantias e direitos, veio a humilhação vilipendiosa; receava-se a grave e penosa redução dos necessários recursos materiais, veio a confiscação; receava-se, enfim, a injustiça, veio com ela o sarcasmo. E podemos nós calar-nos?” (Maio de 1911).
“Falar em nome de Deus, recordar através dos séculos as verdades divinamente reveladas e os preceitos divinamente intimados ao género humano; instruir, admoestar, exortar na sã doutrina; clamar, incessantemente, erguendo a voz como tuba sonora, para advertir dos perigos e chamar às fileiras os soldados da fé; vigiar e fortalecer na crença e na virtude os seus irmãos; instruir oportuna e importunamente na doutrinação, é a alta missão que o Homem Deus, instruindo a Igreja e transmitindo-lhe a sua própria autoridade, conferiu e confiou aos Apóstolos e seus sucessores” (Janeiro de 1917).
Os documentos foram lidos em todas as paróquias. O Governo proibia a sua leitura, mas nem os bispos, nem os padres obedeceram. Por isso, prenderam-se bispos e padres, e muitos deles foram julgados, castigados e expulsos. O povo permaneceu unido aos seus pastores. A força do poder redundou em fraqueza.

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