quarta-feira, 14 de julho de 2010

Uma criança cresce com outras

Mais escola ou apenas menos escolas?

António Marcelino

Tenho acompanhado, com atenção, o problema levantado à volta do encerramento de escolas, sobretudo em meios rurais, dando-se como razão o diminuto número de alunos. As razões do povo e das autarquias têm o seu peso e as do Governo também o têm, misturando razões pedagógicas com exigências de poupança nas despesas.


O problema é real. Recordo uma visita feita há anos a uma escola na serra. O automóvel ficou longe porque não era possível chegar lá acima. Uma escola modesta e pobre, sem condições de qualquer ordem. Encontrei apenas a professora com dois alunos, um dos quais seu filho. Havia outro, ao todo eram três, que nesse dia ficara doente. Fiquei desolado. Já sabia que era assim, mas vendo, o quadro era mais realista e preocupante. A professora estava já com os nervos esfrangalhados. O seu filho e o companheiro pareciam crianças de outro planeta. Falámos muito e cada frase dela era fonte de novas preocupações. Mais abaixo, aí uns três quilómetros, havia outra escola com mais gente. Visitei-a ao descer e conversei com o professor sobre a colega e a escola dela. Ficaram projectos de, semanalmente, se juntarem professores e alunos das duas escolas.
Estas situações multiplicaram-se. A natalidade desceu, as pessoas deixaram de se fixar nas aldeias, que aí não viram futuro. Alguns ficaram e também são cidadãos.
Uma criança cresce com outras, joga com outras, aprende com as outras. Onde não há grupo, a educação ou não se faz ou tem deficiências e enormes dificuldades. O direito de cada criança é que se lhe proporcionem meios normais para se preparar para a vida.
Como acontece em tantas outras coisas, saber fazer é a maneira de fazer bem. As pessoas devem ser respeitadas e não o são quando se lhes fala de cima para baixo. Não se legisla à margem da sua vida concreta, sem lhes dar razões e sem ouvir as suas razões. As leis feitas em Lisboa, antes de promulgadas, necessitam de uma aceitação material, ou seja, de as pessoas atingidas sentirem a sua necessidade. Se estas não perceberem que a lei se faz para seu bem, são inevitáveis as tensões e os conflitos. Assim com a saúde, a educação, as auto-estradas, os impostos em geral. Os arranjos partidários não se podem sobrepor aos interesses comuns dos cidadãos.
Toda a gente compreende que na educação há coisas que têm de mudar. Mas não compreende que uns tenham tudo à mão e outros não tenham nada que se possa apalpar, a não ser dificuldades e problemas. Menos se compreende uma escola massificada.
Parece claro que menos escolas, só se aceita se houver mais escola, mais educação. O ambiente também é educativo, por isso, a paz entre as pessoas, o respeito que lhes é devido, a igualdade de direitos, o diálogo com critérios claros, entre os interessados sobre o melhor caminho, já faz parte de uma melhor escola. Não falta quem pense que a escola melhora com muitos computadores, muitas salas e salões, actividades em barda, que se sufocam umas às outras sufocando também os alunos. Não parece ser esse o principal caminho de solução e de inovação educativa. O segredo é outro.
Trago da infância a grata experiência de uma boa escola, apesar das deficiências, que eram realmente muitas. Meia centena de alunos, as quatro classes, uma só sala desaconchegada, um só professor… Escola de rapazes. Com as meninas acontecia o mesmo. Mas o meu professor foi sempre o mesmo, vivia no meio de nós, conhecia bem os alunos e as suas famílias, ensinava além do mais e de modo prático regras de higiene e de respeito mútuo, prestava atenção às capacidades de cada um, falava com os pais sobre o futuro dos alunos, trabalhava e fazia trabalhar, punha os mais velhos a ajudar os mais novos, transmitia o gosto por aprender e pela escola. Faltavam muitíssimas coisas, é certo, que hoje não podem faltar. Mas era uma escola que educava ensinando. Deu-me ferramenta para a vida. Respeitando, hoje, a exigência do normal e do razoável para um bom ensino, as coisas, como é óbvio, têm de ser de outra maneira. Porém, fica de pé que é o professor que faz a escola. Só com este bem motivado, a escola será um lugar de educação e de permanente e múltipla aprendizagem para a vida. O resto, ainda que muito importante, acabará por vir, mas será sempre um acréscimo.



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