sexta-feira, 30 de novembro de 2007

CATÓLICOS E VIDA PÚBLICA



Teve lugar no passado fim-de-semana, em Madrid, a nona edição anual do Congresso 'Católicos e Vida Pública'. Com mais de 1500 participantes, o evento decorreu num ambiente de tensão crescente entre o Governo socialista e a Igreja católica. No centro das preocupações dos congressistas esteve a procura de um equilíbrio entre a presença pública da Igreja e o reconhecimento do pluralismo da sociedade espanhola.
George Weigel, o biógrafo norte-americano do Papa João Paulo II, apresentou uma das muitas contribuições interessantes para esta reflexão. Apresentando-se como teólogo católico e cidadão de uma das mais antigas democracias do mundo, Weigel perguntou o que pede a Igreja ao Estado. E respondeu basicamente duas coisas: espaço e abertura intelectual. Nada mais, porque a Igreja não tem uma proposta política, e nada menos, porque ela também não abdica do seu ministério independente da palavra, do sacramento e da caridade.
Exigir espaço - social, legal, político, até psicológico - implica reclamar que o Estado seja uma entidade limitada: pelo costume, ou pelo hábito moral e cultural, e pela lei. Esta limitação do Estado é a primeira condição de uma democracia pluralista. Ao recusar a absolutização da política, o princípio do Governo limitado abre espaço a uma interacção livre, vigorosa e civilizada entre várias propostas de ordenação da vida pública, nenhuma das quais é investida de autoridade última. A democracia é impossível quando a política é absolutizada, porque a política de absolutos é necessariamente a política da coerção.
A segunda coisa que a Igreja pede ao Estado, segundo George Weigel, é que mantenha uma atitude de abertura intelectual. Isto significa em termos gerais, que o Estado não pode adoptar uma filosofia particular, muito menos tentar impô-la aos cidadãos (ou aos seus filhos). Em particular, a Igreja reclama do Estado que ele mantenha uma abertura intelectual relativamente a um aspecto específico: a possibilidade de redenção.
Este é um aspecto curioso, que ilustra a interpretação não jacobina de laicidade. Por um lado, a Igreja recusa a teocracia e a existência de religiões oficiais. Por outro lado, a Igreja recusa que o Estado adopte como sua filosofia a hostilidade contra a religião. Por outras palavras, a Igreja reclama do Estado uma posição de abertura que contenha a possibilidade da verdade da religião.
Em termos práticos, isto significa que as duas principais reclamações dos católicos, segundo George Weigel, devem ser a liberdade religiosa e o respeito pelo pluralismo das instituições intermédias. O resto cabe aos católicos conquistar pela persuasão e pelo testemunho.

João Carlos Espada



Advento à porta




Hoje, na cidade, passei pelo Fórum, uma bela sala de visitas de Aveiro. Os sinais da festa que se avizinha aí estão, como desafio à nossa imaginação para a vivermos em plenitude, dentro do possível. O sector comercial, importante na vida, já está a mexer-se, acordando-nos para a realidade natalícia, revivida ano após ano. E que estaremos nós a fazer para, ao nível espiritual e social, não perdermos a ocasião de renascermos para mais um ano?

Dificuldades técnicas continuam

Continuo com limitações técnicas neste meu espaço da blogosfera. Há problemas, cujas soluções, não dependendo directamente de nós, nos incomodam bastante. Há que aceitar essa realidade. Há pouco tive a confirmação de que só na próxima semana tudo ficará resolvido. Até lá, tenho que ter paciência. Os meus amigos também. De qualquer forma, vou fazendo o que puder.
Fernando Martins

Na Linha Da Utopia


Adeus MadreDeus?

1. Tudo tem o seu tempo. Mas há tempos que são marcados por referências culturais de relevo. Foi precisamente há 21 anos que começou este projecto musical MadreDeus que viria a tornar-se emblemático da cultura portuguesa, percorrendo todos os mares da cultura internacional. O primeiro disco Os Dias da MadreDeus (1987), apresentava-se como um enigma musical que respirava dessa nostalgia e do horizonte oceânico do ser português.
2. Por trás deste simples e grandioso projecto está o génio Pedro Ayres de Magalhães, autor-compositor que tem criado maravilhas na música portuguesa do género. Agora, a voz que ele há duas décadas encontrou nos bares de Lisboa libertou-se noutros projectos mais individuais... Essa voz que, mediante as sensibilidades, repetitiva para uns, única para outros (como nós), levou por esse mundo fora, mais que o “nome”, a partilha da identidade portuguesa.
3. Se no estrangeiro o apreço e o mérito cedo foram reconhecidos, no Portugal pessimista da falta de autoconfiança a banda MadreDeus fora inicialmente vista com desconfiança. A sua chegada (regresso) a Portugal espelha também essa realidade tão típica nossa: foi necessário, primeiro, um reconhecimento mundial para depois apreciarmos e valorizarmos o que é nosso. Somos assim, felizmente já somos menos. Uma energia positiva de autoconfiança vai-nos abrindo as portas, dizendo que somos tão capazes como os outros, de que não podemos estar à espera das soluções mas teremos de ser parte delas.
4. Neste projecto musical, que talvez seja muito mais que simples música pois trata-se incomparavelmente da mais internacional banda portuguesa que do oriente ao ocidente recebeu a aclamação, a “hora” é de pergunta sobre o futuro. Estando o grupo a terminar este ano sabático de 2007, a voz da Teresa Salgueiro, por outros projectos pessoais, não tem disponibilidade para tanta solicitação... Para quem aprecia a guitarra do Pedro e a sua voz em conjunto, pena. Sobreviverá a banda MadreDeus, quando, afinal acabou por ser a voz de Teresa a dar a identidade ao projecto? Eis a questão!
5. Mas, acima de tudo, sem nostalgias, o tempo cultural português recente agradece os Dias e os anos de tão embaixador projecto cultural. Haja o que houver, MadreDeus são história viva!

Alexandre Cruz

Nova Encíclica do Papa


SALVOS NA ESPERANÇA

Spe salvi (Salvos na esperança) é o título da segunda encíclica de Bento XVI, dedicada ao tema da esperança cristã, num mundo dominado pela descrença e a desconfiança perante as questões relacionadas com o transcendente.
"O homem tem necessidade de Deus, de contrário fica privado de esperança", pode ler-se. O Deus em que os cristãos acreditam apresenta-se como verdadeira esperança para o mundo contemporâneo porque lhe abre uma perspectiva de salvação.
Bento XVI considera que só é possível viver e aceitar o presente se houver "uma esperança fidedigna" e destaca a importância da eternidade, não no mundo actual - "a eliminação da morte ou o seu adiamento quase ilimitado deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível", aponta - mas como "um instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade".
"Deus é o fundamento da esperança, não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto", observa.
A carta do Papa, hoje divulgada pelo Vaticano, defende que só Deus é a "verdadeira esperança" e aborda por diversas vezes a questão da "vida eterna", frisando que "ninguém se salva sozinho".
O documento começa por apresentar um enquadramento teológico da esperança cristã, a partir dos textos bíblicos e dos testemunhos das primeiras comunidades eclesiais. O Papa apresenta ainda os ensinamentos de vários Santos da Igreja a respeito do tema da encíclica e escreve que "conhecer Deus" significa "receber esperança".
Depois de negar que Jesus tenha trazido uma mensagem "sociorrevolucionária", Bento XVI aborda a questão da evolução para afirmar que "a vida não é um simples produto das leis e da casualidade da matéria, mas em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que em Jesus se revelou como amor".
O Papa cita, entre outros, Platão, Lutero, Kant, Bacon, Dostoievski, Engels e Marx para falar de esperança e de esperanças, de razão e liberdade, da construção de um mundo sem Deus que pretende responder aos anseios do ser humano. "Nenhuma estruturação positiva do mundo é possível nos lugares onde as almas se brutalizam", declara.
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Fonte: Ecclesia

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia


O 29º LUGAR
DO RELATÓRIO DH

1. Em termos de desenvolvimento humano, na recente lista de 70 países com desenvolvimento humano elevado, Portugal ocupa o 29º lugar, sendo a cauda da Europa ocidental. No geral, foram analisados pelas Nações Unidas um total de 177 países, na procura de cruzar os dados existentes e assim ficar com uma visão de conjunto que privilegia as pessoas na sua sociedade concreta. A listagem (dos 70) começa na Islândia e termina no Brasil. Como todos os rankings deste género, as abordagens não são lineares, o que, por exemplo, se prova quando o Japão surge no oitavo lugar, tendo este país uma média de esperança de vida à nascença de 82,3 anos, maior que a fria Islândia, país que é o topo da tabela.
2. Mesmo nos limites naturais de tão complexo (e essencial) estudo, existe um extraordinário potencial meritório neste género de estudos (a que também juntamos o Relatório Anual sobre a Liberdade Religiosa no Mundo) que colocam, na generalidade, a claro aquilo que são as virtudes e os limites das sociedades contemporâneas, sempre no sentido de colmatar, solucionar, melhorar a vida das pessoas. No Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), entre outros, entram factores essenciais como a esperança de vida à nascença, taxa de alfabetização de adultos, taxa de escolarização bruta combinada (dos ensinos básico, secundário e superior) e o PIB per capita. O presente relatório, sublinhando, dá, ainda, um especial destaque à mudança climática que elege (a par do combate à pobreza extrema, um dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) como o maior desafio que se coloca à humanidade neste início do séc. XXI.
3. Como em tudo, o primeiro passo para a cura é o diagnóstico. Estes diagnósticos anuais querem ser ponto de partida contínuo, num desejado progresso para a humanidade. Estes relatórios interessam a todos, pois, hoje mais que nunca em tempo global, não há solução que não passe pela parceria ampla que potencie soluções sustentáveis. Todos, desde os maiores actores sociais (políticas, educação, religiões, filosofias,…) até aos cidadãos que todos os dias trabalham e vivem (ou sobrevivem), estão incluídos como visão de projecto, neste desejado integral desenvolvimento humano das nações. O encontrar de soluções no tempo actual, que pressupõe um pensar global e acção local, obriga a ver como estamos para solidificar o (sempre mais e melhor) que queremos. Também para o 29º classificado, em que subimos a média esperança de vida à nascença para 77,7 anos. Relatório DH em:
http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2007-2008/

Alexandre Cruz

ARES DO OUTONO












MESMO NO OUTONO...


Mesmo no Outono, como noutra estação do ano qualquer, os nossos olhos podem sempre descobrir algo de novo, algo de belo.... Estas imagens da Figueira da Foz são disso uma prova concludente. O povo que gosta de praia já se foi há muito, deixando para trás belezas porventura ignoradas pelas grandes rotas turísticas. Se quiser confirmar o que digo, passe por lá. Vá à descoberta daquilo que muita gente não quer ver.


Novo esilo de organização: renovar ou reformar?


Numa palavra de ordem à Igreja em Portugal, o Papa assinalou a necessidade de mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros. Só assim, acrescenta, a Igreja poderá caminhar ao ritmo do Concílio Vaticano II.
Esta recomendação vem muito a propósito e com marcas de urgência. Teremos de nos interrogar se este objectivo se procura por reformas ou por um processo de renovação.
É um facto que a Igreja, em alguns campos e aspectos, não se desprendeu ainda de formas e de estruturas que hoje mais dificultam a circulação da vida que a favorecem. As estruturas são um serviço à vida das pessoas e das comunidades. Por isso mesmo, são, por sua natureza, avaliadas periodicamente e substituídas ou renovadas, quando deixam de servir os objectivos desejados.
A Igreja está, em nome do Deus em que acredita e da Mensagem que lhe foi confiada, ao serviço das pessoas, construindo comunidades, animadas pela graça de os seus membros se sentirem uma família nova de filhos e de irmãos. Quando a vida das pessoas muda ou as mudanças sociais dão origem a novas culturas, nas quais se alteram valores, critérios e modelos de vida, logo tem de surgir a interrogação sobre os novos caminhos a abrir e percorrer para melhor se poder servir. De outro modo, a Igreja fica fora do tempo e começa a funcionar e a gastar as suas melhores energias em função de si própria e não daqueles aos quais é enviada. Fica assim em causa a sua condição de servidora do Evangelho de Cristo, uma Boa Nova nunca esgotada, nem envelhecida, e sempre necessária, para que as pessoas vivam e comuniquem segundo a dignidade que lhes é própria e, pelas relações mútuas, exerçam o seu protagonismo de construtores responsáveis de uma sociedade humanizada e fraterna.
Séculos houve em que, no aspecto religioso, o campo invadiu a cidade e aí assentou arraiais com formas de vida e de acção eminentemente rurais. As paróquias são estruturas rurais na sua origem e medievais na sua óptica e concepção.
Numa sociedade estática, na qual a cidade não era senão um campo alargado onde vivia um maior número de gente rural, a estrutura territorial ajudava a coesão por via da delimitação de fronteiras e da concretização de tarefas religiosas. Os leigos em geral não eram mais que membros passivos da Igreja que dela recebiam a Palavra e os Sacramentos. A eles mais não se pedia que a ajuda material.
De depressa, por motivos ridículos, se foram gerando bairrismos e conflitos. Muitos destes ainda perduram sensíveis a formas novas que se pretendam implementar.
Pela explosão das ordens religiosas, ao tempo com clero mais abundante e preparado, foram surgindo no tecido religioso alguns quistos, que não favoreceram e ainda hoje nem sempre favorecem a renovação desejada.
O mundo das pessoas mudou nas suas expressões, objectivos e relacionamentos e as fronteiras territoriais amoleceram, no sentido da coesão e até da expressão comunitária. O urbanismo, como pensamento e expressão de vida, invadiu o que restava de mundo rural. A mobilidade cresceu pelas mais diversas razões e é hoje expressão normal da vida de muita gente.
Democratizaram-se a vida pública e os regimes políticos, a escola e as relações pessoais; alteraram-se os valores tradicionais e multiplicaram-se as fontes de informação, com manifesta influência nos ideais de vida e nos comportamentos pessoais e colectivos. De repente, tudo mudou. Porém, algumas estruturas eclesiásticas, nomeadamente as paróquias, mas não só, perduram neste século XXI, embora com algumas reformas, com o colorido de formas estruturais de séculos longínquos. A palavra de ordem passou, por isso mesmo, a ser outra: Tempos novos, novas formas de acção pastoral e de expressão apostólica.
Esta reflexão, que vai continuar, pretende ser uma ajuda operativa ao apelo do Papa.


António Marcelino
Foto: Padres conciliares

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia



SOCIEDADE CIVIL

1. A vivência da sociedade civil é o reflexo dos níveis de desenvolvimento que se atinge. Um corpo social dinâmico e todo responsável pelo que é de todos, eis o espelho claro de uma liberdade bem entendida e de uma correspondente democracia justamente amadurecida. Sempre a favor de tudo quanto é bom para o bem comum (das pessoas), sempre com todos os actores do tecido social que cooperam com essa presença e proposta de uma sociedade civil não adormecida mas construtiva.
2. Normalmente, na busca do equilíbrio referencial, falar-se de sociedade civil remete-nos para uma plataforma comum onde a vida da “classe média” representa essa dinâmica criativa ou a sua ausência indiferente. Assim sendo, tanto as revoluções históricas reflectem essa insatisfação da grande maioria de cidadãos (na sua negação da dignidade e direitos), como nas situações de pobreza extrema dificilmente se consegue vislumbrar uma réstia de expectativa transformadora.
3. Mas, que considerar quando os bens essenciais parecem garantidos e a indiferença generalizada substitui a energia interventiva? O facto de em alguns países europeus o voto eleitoral ser obrigatório (como na Holanda) reflecte essa passividade, que faz pensar (?), das terras da liberdade. Também para nós portugueses, como compreender e desenvolver mais as potencialidades (e que esperar mais) de uma sociedade civil que se reconheça (como centro da vida) em que a preocupação pelo “pão de cada dia” sobreocupa o tempo social?
4. O desenvolvimento (integral) dos povos e a consolidação dos valores fundamentais, hoje, reclama o aprofundamento desta ideia chave de uma sociedade que vive a civilidade como compromisso social. Numa visão sem antípodas (ou, ou), estes são sempre o reflexo de subdesenvolvimento reflexivo. Uma civilidade de pessoas livres, numa liberdade que integra as linhas referenciais (de ética comum) dos dignos estados.
5. Uma certeira perspectivada sociedade civil em que ninguém se põe no lugar dos outros, nas onde todos (pessoas livres e estados co-responsáveis) cooperam em ordem à plena realização pessoal e social. Quando se pede aos Estados para resolver todos os problemas da sociedade (de todos), ou quando as liberdades não conseguem integrar os referenciais pluralistas “qb” (dos poderes públicos) em ordem à realização da vida em sociedade, ou, ainda, quando os Estados se querem sobrepor forçadamente às pessoas optando por elas… será porque haverá muito que caminhar em termos de sociedade civil, de modelo civilizacional.
6. Esta sociedade civil, quando está morta ou é indiferente às questões do bem das pessoas, gera a anemia social (somos na letra, mas não somos na realidade!), normalmente permeável ao avanço do que menos interessa ou à fácil (im)posição. Precisamos de uma sociedade civil mais atenta e comprometida (que pense consequentemente as questões da família, do trabalho, da educação, escola, ambiente, …)? Sim, sempre!


Alexandre Cruz

ARES DO OUTONO





TORREIRA
Os sinais do Outono são bem visíveis na Torreira. Praia deserta, que o frio já incomoda, e há mais que fazer nesta altura do ano. Mas um passeiozinho por ali, mesmo de fugida, vale sempre a pena.

POR CAMINHOS JÁ ANDADOS


De todos é sabido que o Seminário dos Olivais nos seus 75 anos de existência, foi um marco para o país. Um marco e um sintoma. Vinte e seis antigos alunos e professores, distanciados das celebrações oficiais (e a maior parte fora do exercício sacerdotal) decidiram juntar fragmentos de memória e reunir descompassadamente histórias e reflexões que tiveram a ver com os itinerários pessoais e comunitários numa casa comum. Assim se construíram análises híbridas de afecto e crítica, muitas vezes na óptica dos caminhos percorridos por cada um. Mas reconheça-se a importância deste livro - será livro, na sua desarrumação despretensiosa e eloquente, reveladora talvez das turbulências do tempo a que se refere? É escrito a quente quarenta anos depois da maioria dos factos. É livre porque não enferma do mais pequeno pendor apologético. É útil porque recapitula factos que podem ajudar a ler um tempo rico e complexo. É grato, porque reconhece ao Seminário um lugar privilegiado no terreno da cultura, da fé, da espiritualidade, mesmo nas encruzilhadas da dúvida e da contestação. É útil porque recapitula gestos proféticos de mestres que fizeram a heróica travessia de Trento para o Vaticano II, em particular no campo da liturgia. É pedagógico porque ensinará aos mais novos que o projecto vocacional de Deus está para além de todos os formatos. É um sinal do Espírito porque transpõe todas as atrapalhações em que a mudança dos anos sessenta foi envolvida. É útil à Igreja e ao mundo porque grande parte dos fenómenos ultrapassam os muros do Seminário, se ligam a uma Igreja universal onde muito de semelhante acontecia. Mergulha no próprio mundo que, sem se aperceber, anda na barca onde navegam crentes e não crentes, leigos, consagrados e abúlicos.
Muito interessante seria se outros Seminários do país contassem a sua história e histórias para todos melhor entendermos os tempos que vivemos, as exigências do mundo, a vocação prioritária da Igreja, o confronto das laicidades e dos laicismos. Há caminhos já andados de que importa tirar lições. Com os vivos, enquanto é tempo, mesmo com as ópticas que cada um oferece à história a partir da sua história. Ver-se-á, ao fim e ao cabo, que os tecidos do Espírito vão juntando fios de aparente incompatibilidade e luz duvidosa no momento em que acontecem. Mas fazem, irmanados com todos, a história da salvação.


PS - O nome certo do livro é “POR CAMINHOS NÃO ANDADOS”.

António Rego

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Maria José Senos da Fonseca

FALECEU UMA LUTADORA PELA CAUSA DOS MAIS POBRES
Soube hoje do falecimento de D. Maria José Senos da Fonseca. O seu funeral, em Ílhavo, foi, decerto, uma manifestação de respeito e admiração por uma mulher determinada que, à causa dos mais desfavorecidos, deu uma vida cheia de lutas, de canseiras e de preocupações, nem sempre bem compreendidas e nem sempre bem apoiadas. Ao nível da solidariedade social, na sua expressão mais genuína de uma entrega total aos outros e sem vínculos religiosos, que não são fundamentais para fazer o bem, foi um exemplo de inconformismo perante a situação de pobreza de muitos dos seus e nossos conterrâneos. Teimosamente, com uma capacidade de trabalho capaz de mover montanhas, estava continuamente, no dia-a-dia, à procura das melhores respostas para os mais pobres dos pobres, carentes de toda a ordem, deficientes, vencidos da vida, marginalizados, sem nunca mostrar cansaço face aos desafios que teimava em ultrapassar, nem que para isso tivesse de gritar bem alto a sua indignação perante a passividade de muitos. A instituição que fundou e durante muitos anos dirigiu, o CASCI (Centro de Acção Social do Concelho de Ílhavo), procurou instalar-se, quantas vezes de forma inovadora, nas zonas mais frágeis da nossa sociedade, mexendo, com larga visão de futuro, nos mais diversos departamentos estatais, com quem estabeleceu parcerias que mostraram a rara intuição de quem estava atenta ao mundo em que se movimentava. Sempre nutri por esta senhora, de personalidade muito forte, uma admiração muito grande. Senti, por isso, a sua morte, como grande perda para o concelho de Ílhavo. No entanto, resta-me a certeza de que o seu exemplo, tenaz, abnegado e atento a quem mais sofria, deixou frutos que a hão-de continuar entre nós. Fernando Martins

NA LINHA DA UTOPIA

Afinal, que renovação da Igreja em Portugal?
1. Eis a questão! Depois da visita dos bispos à sede (da unidade) romana, após uma semana de “ecos”, uns mais entusiastas que outros, alguns (primários) demonstrativos do não entendimento destas “realidades”, outros (na reacção ou de “mãos atadas”) defensores de uma serenidade descomprometida, a pergunta sobre o futuro continua… A resposta será mais complexa que um “pedido” de renovação, como se esta significasse o retorno das multidões ou uma ordem de importância das coisas do mundo. Também seja dito, a fundamental aposta nas “razões da fé” de Bento XVI precisa da sua correspondência nas questões fundamentais da Igreja para o séc. XXI. Ou nestas (problemáticas) afastamos a razão? 2. Naturalmente, a renovação desejada passa pelo “fermento” na massa, pelo “sal” na comida, pelo sentido de dignidade divina a proporcionar à história humana, num horizonte de diálogo ecuménico, inter-religioso e intercultural… sendo certo que a ordem das realidades da comunidade Igreja não podem ser lidas com critérios meramente humanos. Se dos documentos desse encontro com o Santo Padre nos vem uma visão de Igreja (ainda) clerical e por isso de necessária renovação estrutural (de todos os que se dizem de “cristãos”) à luz do Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-65), o entender (a atender) deste “pedido”, só pode, pressuporá o seguir o exemplo renovado que vem de cima… Como vamos de renovação em Roma? Na evidente reciprocidade, a resposta a esta pergunta será (também) a resposta para a renovação das comunidades locais… 3. Felizmente já vão os tempos em que o “questionar” seria visto com olhos menos positivos. Hoje, o horizonte da liberdade cristã efectivamente comprometida levar-nos-á, em cada tempo histórico, a (re)definir o essencial das renovações em coerência evangélica… Neste ponto, seja dito, é um som difícil de captar, os apelos à renovação da voz de quem foi “fechando” o espírito da pluralidade do Concílio Vaticano II. Como compreender o apelo à renovação local diante da “limitação” por Roma do progresso das chamadas teologias locais (das Américas, da Ásia, de África), espelhada em múltiplos afastamentos de teólogos que por uma “parte” (de pensamento diferente) é-lhes fechado o “todo” do seu esforço de inculturação? 4. Enfim, nada de novo! Se a Igreja fosse uma “entidade” qualquer, podia-se compreender um apelo “dirigido” de renovação de quem (podendo) não renova a casa... Não é fácil, mas o primeiro passo será a abertura teológica às “questões”… Ao ser comunidade “discípula” toda ela, a Igreja, não consegue conciliar essa “falta”… Ou, será que, num pluralismo das comunidades locais, poderão os seus pastores avançar com renovações nos “ministérios”? Para já não falar nas urgentes renovações (aprofundamentos dogmáticos como renovação) de linguagem sobre a fé no mundo de hoje? Claro que se pode aplicar o refrão (conformista) de que a renovação começa pela base… Enfim! E quando esta, nas suas necessidades, colide com (ainda) uma ideia de unidade como uniformidade (em vez de pluralidade)? Ou será uma renovação para continuar (na mesma)? Já agora, na recente grande entrevista da Rádio Renascença sobre esta temática (só com três bispos), onde estavam os essenciais LEIGOS? 5. Vale a pena ler o livro do grande teólogo (na prateleira) Hans Kung, “Porque Sou Cristão?”. Deste(s), num espírito ecuménico e universalista nascerá o futuro. No encontro gratificante onde ninguém perde a identidade! (Ainda estamos aqui?…) Pelo contrário, aprofunda-se a essencialidade que nos une. O tempo o exige para ser possível a renovação em ordem ao FUTURO. (Enfim, tudo isto, nada de novo! Ou melhor, tudo sempre novo, na Pessoa divina que comanda este pesado Barco! Procurámos, numa forma de escrever, não dizer tudo o que tem sido dito, de que está tudo quase bem e que o mundo é que não entende… Temos mesmo de renovar! Mas, sem simplismos, não chega “remendo novo em pano velho”!)
Alexandre Cruz

domingo, 25 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia

UM MERCADO POLÍTICO?
1. A estratégia do líder da oposição, como resposta ao semelhante modelo de liderança governativo, tem dado azo ao catapultar do conceito de “empresa” para um universo social e político, quase universalizando a ideia de que tudo tem que dar lucro porque para tudo terá de haver um mercado. Já das últimas décadas, mesmo o fenómeno futebol, que lida com multidões, foi trazendo, de sobremaneira, à ribalta, essa obrigatória compensação de um popular investimento, a que se junta a conquista a todo o custo em palco de uma vitória sempre procurada, e onde, a certa altura, pouco importa o que acontece no meio, ou qualidade, do jogo. 2. No plano sociopolítico, o árbitro acabará por ser o critério. E este vai-se moldando ao jeito do melhor terreno para escolher o melhor ponto de partida rumo à vitória. Ver um partido político (que se julgava ser um espaço criativo e comprometido eticamente na visão de coerente proposta social) ao jeito da gestão de uma empresa (divinização da empresa?) significará centrar na lógica de mercado-lucro toda a visão de vida e da sociedade. No pressuposto da salvaguardada dignidade, nada temos a opor ao “mercado” quando ele representa o esforço da proposta concorrencial na base da qualidade… Mas, transferir tudo (e as ideias sociopolíticas especialmente) para a lógica de consumo não será o fim das ideias, ou fazer delas um negócio? 3. Neste cenário para que caminhamos (?) as ideias irão contar cada vez menos, e as lideranças provirão do laboratório fermentado da oportunidade estratégica, em vez de tudo brotar duma serena e profunda visão da vida experienciada e dos valores sociais que se buscam. São algumas, neste corredor da fama, as realidades que espelham a pequenez defraudada das ideias. Poderemos colocar neste escalão menos superior, por exemplo, muitas das linhas de pensamento-acção das juventudes partidárias? Serão estas, na essência, hoje, uma expectativa de potencialidades esfumadas? A liberdade, para uma igual dignidade humana (e de oportunidades), que nos trouxe ao presente, está a deixar-nos a meio do caminho, prisioneiros (agora pelo não andar das ideias) da quantidade (populista)? 4. Em Portugal, quando da expansão dos canais TV, esse “mercado” omnipotente trouxe-nos os maiores espectáculos da vulgaridade. Deu-se mais o que mais vendia! Na generalizada indiferença de uma possível sociedade democrática, democracia ao que parece estar a ser deixada só para o parlamento (que temos…), estaremos a caminhar para este beco mercadorista em termos sociopolíticos? Se de um lado do jogo são os números que reinam e do outro a resposta eleva a “empresa” como modelo de vida, que futuro social?! Antes do mercado, já havia (e há) pessoas. (E ainda - “Mercado”: Também como o regularmos “qb” se nos deixarmos comandar por ele?) Alexandre Cruz

DIA INTERNACIONAL PARA A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES



Vivemos, infelizmente, num mundo cheio de violência. Desde sempre, aliás, a violência foi uma triste realidade na humanidade, que se desejava fraterna e solidária. O tema da violência faz parte dos nossos quotidianos e não admira que haja, portanto, um dia consagrado à luta contra a que é exercida sobre a mulher. Normalmente por homens, maridos e outros, numa atitude covarde de quem, sabendo-se fisicamente mais forte, descarrega a sua ira contra a mulher. Gostaria de ver esses valentões a desafiarem um qualquer da sua igualha, mas mais possante…
Sabe-se que, infelizmente, há muitas mulheres espancadas que calam, temerosas ou por vergonha, a agressividade de que são alvos. Também, julgo eu, numa tentativa de evitar o desmembramento da família, com consequências gravíssimas para os filhos, eternas vítimas. Mas penso que estas mulheres, vítimas silenciosas, deviam merecer mais apoio da sociedade e das instituições a vários níveis. Não estamos em tempos de uma pessoa sofrer violências toda a vida, tanto de ordem física como psicológica. Há que estudar e implementar estruturas de apoio às vítimas de maus-tratos. Sei que existem algumas instituições para isso, mas também sei que tudo corre bem nas primeiras impressões, caindo as mulheres, depois, em situações de sobrevivência deprimentes.
Que este dia sirva, realmente, para todos nos debruçarmos sobre esta questão. A vida tem de ser vivida em ambientes de paz e de compreensão, de amor e ternura, mas nunca em climas de violência.

FM

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 48


PEDRO SEM

Caríssima/o:

O nosso primeiro neto nasceu no Porto, como aliás todos os outros, à excepção dos que vivem na Escócia.
Portanto, e se mo permitis, indo à descoberta das suas raízes, dedico a lenda do Pedro Sem ao Tomás, já que a esta cidade do Porto anda ligada, de uma forma especial, a sua Família paterna.
Aparece assim na versão de Viale Moutinho:

«Bem, mas uns escrevem com S outros com C, mas será com S. Pedro Sem e não Pedro Cem. O homem vivia naquela torre hoje adossada ao antigo paço episcopal. Era rico, usurário e tinha pena de não ser nobre. Mas um dia arranjou um expediente através de um nobre arruinado a quem saldaria a dívida se o outro lhe desse a filha em casamento. Deu, seja: vendeu-a assim. E em plena boda, num belo dia de sol, foi anunciada a chegada dos seus barcos vindos do Oriente, carregados de riquezas. Pedro levou os convidados à varanda para verem chegar as suas naus à foz do Douro.

E suspirou que Deus o poderia empobrecer. Naquele instante produziu-se uma tempestade tamanha que estragou a festa. Os barcos, um a um, afundaram-se. E toda a gente fugiu de ao pé dele, assustadíssima.

Reconheceram-no, tempos depois, mendigando pelas ruas da antiga baixa portuense, estendendo a mão à caridade pública:

-Uma esmolinha para o Pedro Sem que já teve muito e agora nada tem!»
[V. M. , 210]

Manuel
Foto: Torre de Pedro Sem, no Porto

sábado, 24 de novembro de 2007

Os anos passam


Os anos passam
Apressados
Como vento fugidio
Em tardes de inverno
Friorento

E agora sinto
Feliz
Que o correr dos anos
Deixou marcas
Bonitas
Na ternura do teu
Olhar


Fernando Martins
24-11-207

O DIÁLOGO CIÊNCIA-RELIGIÃO

A história das relações entre a religião e a ciência está cheia de conflitos. Por vezes, foi a guerra declarada. Falando desses conflitos, é inevitável que venham à ideia sobretudo os casos de Galileu e Darwin. Ora, na raiz do equívoco, esteve - e ainda está, quando se pensa nos criacionistas americanos, que defendem o ridículo de uma leitura literal da Bíblia - o facto de se não ter percebido que a Bíblia não é um livro de ciência, mas de carácter religioso. Nisso, Galileu foi mais avisado do que os seus censores: a Bíblia não diz "come va il cielo, ma come si va in cielo", pois não é um livro de astronomia, mas de religião. Percebeu-se, finalmente, a autonomia de cada uma das esferas e dos respectivos campos de intervenção. Esta compreensão também significa que a ciência, apesar da acumulação dos seus sucessos gigantescos, não pode reivindicar o monopólio da racionalidade, como se fosse a única via de conhecimento verdadeiro. A razão é multidimensional. O fim dos conflitos não significa que não possam e devam dialogar, com vantagens mútuas. É sabido, por exemplo, que o cristianismo, ao desdivinizar o mundo, pela fé bíblica na criação, abriu espaço à investigação científica livre. Por outro lado, também a partir da lição que ela própria teve de aprender, a teologia prevenirá para o perigo de imperialismo da ciência. A religião tem de colocar-se no seu domínio próprio e saber claramente que não pode contradizer a ciência. Também aprendeu que a experiência religiosa tem um carácter "verificável-plausível": a fé não pode ser cega nem irracional e tem de dar razões, que convencerão uns e não outros, mas são razões publicamente argumentáveis. A teologia está atenta aos avanços da ciência e respeita a sua autonomia, que a impede de utilizações apologéticas indevidas. Mas, como escreve o teólogo A. Torres Queiruga, "tendo em conta o enriquecimento do conhecimento do real trazido pela ciência, reelabora a partir de si mesma e na sua lógica específica os seus próprios conceitos". Assim, por exemplo, se, tradicionalmente, se pensou que, enquanto a realidade sublunar estava submetida à mudança e à corrupção, a supralunar era incorruptível, imutável e perfeita, desde Galileu sabemos que não há esta diferença e que a realidade empírica toda é contingente, impondo-se com mais intensidade a pergunta: porque existe algo e não nada? Precisamente a contingência radical leva a pensar o Absoluto, fundamento último da realidade contingente. Também os cientistas são humanos e, por isso, põem inevitavelmente perguntas que transcendem o domínio da ciência: qual a origem última do mundo, o seu fundamento e o seu sentido? Estas perguntas não têm resposta científica, pois, referindo-se ao todo, ultrapassam a capacidade do método científico da verificação empírica. Trata-se de questões de ordem metafísica e religiosa, para as quais, simplificando, há três respostas. Uma é a do agnosticismo quase místico. É assim que o filósofo Luc Ferry diz: "Como todos os crentes, tenho, sem dúvida, o sentimento de que há um mistério neste mundo. Mas não desejo ir além desta constatação." Outra, no limite, diviniza a Natureza como força criadora do novo. O filósofo M. Conche acaba de escrever que Deus é inútil, pois a própria Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Não se trata, porém, da "natureza oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade, mas da Natureza omni-englobante, a physis grega, que inclui o Homem nela. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito." Ao crente monoteísta parece mais razoável uma interpretação da realidade que co-implica a presença do Deus transcendente, amor pessoal e criador. Afirma-se desse modo a infinita transcendência de Deus e a sua mais íntima presença à criatura, tornando-se então claro o que parece paradoxal: precisamente porque Deus está sempre presente como criador, faz o mundo fazer-se autonomamente, seguindo as leis próprias da natureza e a liberdade.
Anselmo Borges,
In Diário de Notícias

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

COM LIMITAÇÕES TÉCNICAS

Com algumas limitações, impostas pela ausência do meu computador, em hora de reparação, que estas coisas não duram sempre em bom estado, sinto-me na obrigação de informar os meus leitores desta realidade. O nosso computador, aquele que utilizamos no dia-a-dia, é o grande baú onde guardamos, em diversas caixas, os nossos diários e aquilo de que mais precisamos nos momentos certos. Hoje, e durante uns dias, estarei sem esse baú. Mas por cá continuarei, como mandam os hábitos estabelecidos e por respeito, também, pelos meus muitos amigos.
Fernando Martins

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

NÃO FIQUE PARADO A VER PASSAR O MUNDO

Tenho para mim que se um leitor meu ali-nhar com as minhas sugestões já valeu a pena o que escrevi no meu blogue. É sinal de que há gente atenta ao que se diz e, mais do que isso, acredita na verdade com que falo e escrevo.
Há dias um leitor disse-me, com toda a naturalidade, que tinha aderido a uma oportunidade de voluntariado, seguindo o que eu tinha recomendado. E acrescentava que estava muito sa-tisfeito, porque, na aposentação, sentia necessidade de se envolver em qualquer coisa de útil. Congratulei-me, obvia-mente, com isso.
Vem isto a propósito de às vezes, nas minhas caminhadas por aí, deparar com os cafés cheios de gente, notoriamente na situação de aposentada. Dias e dias sem nada fazer de importante, quando a sociedade está tão carente de que a ajudemos a progredir. E não é verdade que há tantas hipóteses de o fazermos, nos mais variados campos da solidariedade e em tantas vertentes da vida?
Então, caro leitor, encha-se de coragem e dê uma volta para descobrir onde é que pode ser útil, pondo à prova as suas capacidades humanas e criativas. Não fique parado a ver passar o mundo…

FM
Foto do site Diário de Medicina Preventiva

Na Linha Da Utopia


AJUDAR É NO BANCO ALIMENTAR

1. Por vezes poderemos andar tão envolvidos em grandes projectos para o resto do mundo que esquecemos que o mundo mais próximo terá de ser esse início. Sublinhe-se que a renovação da humanidade longínqua passa, necessariamente, pela nova “chama” solidária para com a humanidade próxima e diária. Claro, uma e outra, perto como longe, esse ideal transformador quer agarrar, envolver, gerando aqueles novos sentimentos que nos despertam para o essencial da vida, esta que para ser plena obriga a reparar (n)as situações difíceis de cada outro como nós. Afinal, “somos” com o outro!
2. Nos últimos anos já nos fomos habituando, por estas alturas pré-natal, tanto a proclamar os números da pobreza e da fome (bem mais de duzentas mil pessoas em Portugal), como a destacar projectos, tanto diárias e semanais nas comunidades locais, como as grandes e exemplares campanhas como o Banco Alimentar. Mas falta algo de muito importante, parece que as potencialidades desta sensibilização nacional tardam em chegar a todos, mesmo aos que estão nos essenciais processos de formação, numa necessária reinterpretação “indutiva” de tudo, onde a realidade (hoje humanitária) obriga à renovação das teorias (da razão), para mais e melhor.
3. Vendo de dentro (pois de “fora” as ideias precipitadas, e logo redutoras, também podem abundar), no nosso tempo, o Voluntariado afirma-se como um valor essencial e de efeitos transversais sensibilizantes para a sociedade de todos. O viver o Voluntariado (e todos o seremos de algum modo…, também na verdade de que existem variados níveis de compromisso com o voluntariado) reveste-se de uma grandeza que vence as simples ideias teóricas tantas vezes simpáticas mas pouco realmente serviçais. O Voluntariado cria proximidade surpreendente entre os valores universais da dignidade humana e a sua realização nas situações mais variadas e tantas vezes tão difíceis.
4. É por isso que, insistimos volta e meia nesta tecla, falar de educação e formação obrigará à recepção em sistema educativo da experiência de inúmeras organizações (muitas delas transnacionais) que promovem a solidariedade sem fronteiras antecipando o futuro de unidade. Também estas organizações haverão de crescer cada vez mais para “partilharem” a sua visão calorosa que, muitas vezes, poderá iluminar de calor humano a partir da prática esperançosa a frieza por vezes de sistemas teóricos estruturalistas menos abertos.
5. Mesmo diante de todos os prós-e-contras que tudo quanto é humano pode ter, é imenso o potencial de valor educativo (muitas vezes ainda não devidamente abraçado por todos os quadrantes sociais e educativos) de acções e campanhas de Voluntariado como esta do Banco Alimentar. Afinal, numa cidadania humana e atenciosa, toda a sociedade está interessada, mesmo como sensibilização e co-responsabilidade social. (Os interessados em colaborar na Campanha podem contactar pelo 234 381 192 ou 962 814 355.) Nos dias 1 e 2 de Dezembro, AJUDAR É NO BANCO ALIMENTAR! (http://www.aveiro.bancoalimentar.pt/)


Alexandre Cruz

LIÇÃO DE PORTUGUÊS


Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:"Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres." Morreu antes de fazer a pontuação.
:
A quem deixava a fortuna?
Eram quatro concorrentes.

1) O sobrinho fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

2) A irmã chegou em seguida. Pontuou assim o escrito:
Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

3) O padeiro pediu cópia do original. Puxou a brasa prá sardinha dele:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

4) Aí, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.
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Moral da história: Assim é a vida. Pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Nós é que colocamos os pontos.
E isso faz toda a diferença.
:
NOTA: O Acácio Rodrigues, da UA, teve a amabilidade de me enviar este texto, que me recorda, com que saudades!, os tempos de uma aula de Português, em que o mesmo texto era dado a cada aluno para que fizesse a pontuação. Era assim que se aprendia, noutros tempos e penso que ainda hoje, a partir de casos concretos.
FM

Ainda as Novenas

É LINDO RECORDAR COISAS PITORESCAS DO PASSADO É lindo recordar coisas pitorescas do passado. Também participei em novenas: uma à Sra das Dores em Verdemilho, outra à Sra da Boa Viagem na Gafanha de Aquém e outra naquela capelinha que fica frente ao Largo de St. Johns na Gafanha da Nazaré. No final havia a tremoçada, às vezes com uns amendoins à mistura, e pelo menos uma vez houve vinho a acompanhar. O encomendador da novena era um homem. O termo novena pode ter sido adaptado a estes eventos em que participavam nove meninos e nove meninas pois verdadeiramente designa um período de oração de nove dias seguidos.Creio que hoje as crianças ainda gostariam desta prática se lhes fosse solicitada. Esse papel pertence aos adultos que deixaram cair bons usos e costumes que faziam parte da nossa identidade.Era bom que se ocupassem as mentes juvenis com algo simples e saudável que lembrariam sobretudo numa etapa mais calma da sua vida.Á S.ta Maria Manuela de Tabueira ainda devo vinte e cinco tostões por me ter limpo os cravos das mãos, isso já na área das promessas. Tenciono cumpri-la só que agora pagarei em euros. Ela sabe que gosto de recordar a promessa e a dívida.
João Marçal
NOTA: Obrigado, João, pela tua achega. É assim que se constrói a história da nossa terra e da nossa gente. Manda sempre, que eu acolho tudo o que vem pela positiva. Mas o convite vai para toda a gente.
FM

Bispo de Aveiro em entrevista ao Correio do Vouga



"NO ENCONTRO COM O SANTO PADRE,
SENTI A PRESENÇA
DE TODA A DIOCESE COMIGO"


Correio do Vouga - A Imprensa transmitiu a ideia de que Bento XVI se manifestou desagradado com a realidade da Igreja portuguesa. Foi essa a impressão com que ficou?
D. ANTÓNIO FRANCISCO DOS SANTOS - Compreendo que a comunicação social, numa leitura marcada pelo imediatismo, tenha entendido a mensagem do Santo Padre como se fosse uma nota de desagrado face à Igreja em Portugal.
Mas a realidade vivida em Roma e a mensagem recebida do Santo Padre revelam-nos outros sentimentos, apontam-nos outros caminhos, relançam-nos noutros desafios e exigem-nos sobretudo respostas noutros horizontes.
A visita Ad Limina proporcionou aos bispos portugueses tempo de oração, de partilha fraterna entre todos, de diálogo com as Congregações Romanas e sobretudo esses momentos únicos que são o encontro pessoal de cada bispo e o encontro de todos os bispos com o Santo Padre.
No diálogo pessoal que tive com o Santo Padre e nas orientações dele recebidas, senti o acolhimento afável, a solicitude fraterna e o estímulo confiante de Bento XVI. É de esperança esta hora que vivemos em Igreja.
O Santo Padre dialoga connosco, escuta o que lhe dizemos e perscruta atentamente os caminhos percorridos e os projectos pastorais acalentados. Deste encontro, brota uma imensa alegria e emerge um incontido ânimo de viver e trabalhar em comunhão com o sucessor de Pedro.
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Toda a entrevista no Correio do Vouga

Discurso do Papa, um só sentido, muitas interpelações


Ainda bem que o discurso do Papa aos bispos portugueses não passou despercebido e deu ocasião a muitas interpretações e reflexões, não faltando quem julgasse e pensasse que o Papa os censurou duramente e os humilhou perante os seus diocesanos, a Igreja e a sociedade. O discurso está publicado desde a primeira hora. Cristãos e agnósticos reagiram, mais estes que os outros, e pronunciaram-se, nem sempre com critérios correctos de leitura e apreciação, tanto sobre o Papa como sobre o seu discurso.
Ouvido Bento XVI, achei as suas palavras oportunas e interpeladoras para o momento que vivemos. Falou-se, por lá e por cá, na deficiente tradução. Mas isso em nada impede a compreensão e muito menos uma tradução viva e coerente, feita por via de zelo, reflexão e acção. Ora esta depende dos bispos em conjunto, de cada bispo com os seus colaboradores, dos cristãos acordados e dispostos a andar e a colaborar, para que a Igreja tenha sentido no presente e seja orientação para o futuro dos crentes.
Aos atentos não lhes passa despercebida a preocupação dos bispos para que, num mundo em mudança cultural e ante os ataques frequentes à Igreja e à sua acção pastoral, bem como às instituições fundamentais da sociedade, como a família e seus membros, se encontrem caminhos novos capazes de traduzir hoje para todos, de modo compreensivo e motivador, o Evangelho de sempre. No campo que é próprio de cada um, com preocupação idêntica e iguais dificuldades se debatem muitos outros responsáveis sociais, em relação aos seus objectivos. O relativismo, a preocupação de nivelar por baixo, o individualismo exacerbado, a anarquia mental e moral põem ao sabor do vento corações e cabeças, muitas casas onde vive gente séria, que quer acertar.
A dificuldade de renovar a comunicação e de construir com seriedade e estabilidade é da Igreja, mas também dos pais, dos educadores, dos governantes, dos comunicadores, de todos quantos servem, com ideal e sentido, as pessoas e a comunidade. Os bispos, no seu conjunto, sentem o desafio, não desistem, não enterram a cabeça, não derivam para margens de maior facilidade. Podem não ver claro, mas não fecham os olhos, nem cedem ao mais badalado. Também não estão apavorados com a diminuição dos que frequentam os templos.
No discurso há advertências e certezas para reflectir. O Papa não inventou, não ralhou, não se deparou com um caso raro e singular. As suas preocupações são as da Igreja numa Europa que deixou inquinar as raízes e perdeu o rumo. Não são muitos os crentes preparados para enfrentar os desencontrados vendavais que a fustigam. O Vaticano II não está cumprido. A Igreja que dele recebeu uma luz singular, centrada em Jesus Cristo e na sua mensagem, é a Igreja Comunhão e Missão, com suas riquezas e consequências, que isto comporta. Dar consciência aos leigos da sua dignidade, dar lugar aos seus direitos e deveres, não tem tido caminho fácil. A ferrugem do tempo, que dá pelo nome de clericalismo e tradicionalismo vazio, bem como o desequilíbrio que entrou nas tarefas sacerdotais e a dispersão de vida de muita gente, não têm favorecido mudanças pastorais inadiáveis. A isso se refere muito justamente o Papa, quando fala de “construir caminhos de comunhão, encontrar novas formas de integração na comunidade, mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros, em ordem a uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado”. Assim se realizará na Igreja a unidade co-responsável. A exigência da iniciação cristã, que o Papa sublinha e sobre a qual os bispos portugueses vêm reflectindo, é convicção comum de que se trata do caminho certo para evitar mais baptizados pagãos, termos mais convertidos ao Evangelho de Cristo e mais cristãos adultos que sejam rosto sereno e corajoso de uma Igreja viva e comprometida. Há já caminhos andados neste rumo, mas ainda muitos a exigir potentes máquinas de surriba, antes que se tornem viáveis.
Acalmadas as críticas, os bispos, movidos por dever e convicção, mais que por emoções, irão, com outros cristãos, “ver, julgar e agir”. Há campo vasto em aberto.
A viagem vem sendo longa e penosa, mas a missão urge e desistir não é da Igreja.

António Marcelino

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

ARES DO OUTONO


VEIO A CHUVA

Veio a chuva
Serenamente
Para aquecer
O ambiente

Veio a chuva
Mansamente
Para nos lavar
A mente

Veio a chuva
Tranquilamente
Para nos fazer sonhar
Longamente

Veio a chuva
Ternamente
Para dar vida
A toda a gente

Veio a chuva
Num repente
Para nos saudar
Levemente

A chuva veio
Sem vento
Sem pressas
Sem sinais frios
E brutos
Para nos dizer
Educadamente
Que a vida
Sem ela
É seca
É escuridão
É sede
É fome
É luta
É morte
Fernando Martins
Foto do "sapo"

Na Linha Da Utopia

Um muro que se levanta

1. Se alguém ousasse escrever a história dos muros escreveria das páginas decisivas da história humana. O erguer de muros con-tém em si uma busca de separação, no mí-nimo desconfiada, no máximo…mortífera. Na história dos muros (se as pedras falassem!) está inscrito muito do sofrimento humano. Os muros da separação, quer de origem ide-ológico-política, quer do simples estremar a fronteira da propriedade, espelham a dis-tância entre o ideal sonhado de convivência humana e as realidades tão cruéis e longínquas da sua não realização.
2. Se poderíamos, simbolicamente, pensar que com a queda do famoso Muro de Berlim (9 de Novembro de 1989), aberta a era da globalização, já não veríamos mais o betão dos grandes muros divisórios, então, estávamos bem enganados. Na Europa de hoje, quase que parece que o Muro que dividia Berlim pertenceu a outra história de outra humanidade: no centro da Europa pós-guerra, foi concluído na madrugada de 13 de Agosto de 1961, tinha 66 km de gradeamento metálico, 127 redes metálicas com alarme, trezentas torres de observação e 255 pistas de corrida para os cães de guarda… Muro que terá provocado a morte a 80 pessoas, sendo muitos milhares os que foram presos na tentativa de fuga.
3. Esses muros “da vergonha” humana, noutros locais e porventura com outras fundamentações, continuam a ser erguidos. Um dos quais, gigante muro em construção, procura vedar as fronteiras entre os EUA e o México. Imponente investimento que em géneros alimentares daria para mundos e fundos! Esse muro procura ter pelos 5 metros de altura, passando cuidadosamente por diversos terrenos, entre areias desérticas e possíveis inundações. Tudo previsto, numa construção que procura a todo o custo evitar e entrada de emigração ilegal, e ainda com a preocupação de uma estética (?!) que seja agradável a olhar. Grotesca ironia humana que percorre já os 112 km erguidos este ano e acompanhará mais 360 km planeados para o ano 2008.
4. Enquanto algum debate norte-americano se vai divertindo sobre as possibilidades estéticas do muro separador, vão-se usando painéis da guerra do Vietname, “chaminés” de ferro e cimento no deserto do Arizona como pilares para as placas separadoras, tudo para não caber o dedo de um pé. Será esta “fuga ao mundo” dos pobres e desprotegidos (emigrantes) a solução? Afinal, de que vale a proclamada diplomacia política ou estaremos no seu fim decretado na construção de novos muros na chamada era global? Um “contraditório” da “arquitectura” relacional dos seres humanos bloqueia a ideia de que as construções essenciais deste século, à partida, seriam pontes. Que distância e ao mesmo tempo que proximidade com o séc. XX. Não vá a Europa clonar a ideia de levantar um muro (físico), porque nas ideias persiste num certo mundo faustoso o “lava as mãos” diante das crescentes concentrações de poderes e desigualdades. Também aqui, democraticamente, não seria Ano da Igualdade de Oportunidades?!

Alexandre Cruz



Foto: Muro de Berlim em construção

A força dos Blogues



O mundo da blogosfera é mesmo interessante. Quem tem um blogue pode sentir isso, com toda a naturalidade e realismo. Escrevemos sobre variadíssimas facetas da vida, desde a mais simples à mais complicada, divulgamos aquilo de que gostamos, tornamos público o nosso diário por vezes mais intimista, alertamos para o que, a nosso ver, está mal, aplaudimos, com calor, o que está bem. Isto tudo sem pressões, sem balizas que não sejam a nossa consciência, os nossos valores e as nossas regras de vida.
Com muita frequência recebo notícias de pessoas que não via há anos, estabeleço contactos com gentes que nunca vi, recebo informações de todo o mundo. E perguntas, muitas perguntas, a que procuro responder com toda a prontidão, tendo de recorrer, frequentemente, a amigos e conhecedores dos temas que me põem.
Um dia destes, do Funchal, puseram-me questões relacionadas com S. Gonçalinho; ontem, pediram-me ajuda para localizar o editor de um poema de Fernando Pessoa, que há muito tempo publiquei no meu blogue; hoje, de Itália, alguém que quer entrar em contacto com o Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré. A lista dos contactos seria muito grande para a divulgar aqui. Mas estes três exemplos, de três dias seguidos, dão uma ideia da verdadeira importância da blogosfera.

FM

Homenagem a um professor de matemática de Aveiro

Prémio Nacional de Professores para Arsélio Martins


Será enfado? "Com esta coisa quase deixei de ter tempo para o que gosto..." Modéstia? "Isto é circo", diz, referindo-se aos autocolantes que espalharam a sua cara por tudo o que é parede da escola - "Estamos muito contentes!". Ironia? "Se calhar ganhei porque o júri reconheceu a minha tralha consolidada."
Talvez uma soma disto tudo ou nada disto. Há uma verdade e é esta: a vida de Arsélio Martins, 59 anos, quase deixou de lhe pertencer desde que foi anunciado como vencedor da primeira edição do Prémio Nacional de Professores. Não é que ter jornalistas à perna durante uma semana o aborreça; só que ele tem cada vez menos tempo. "E o que eu mais preciso enquanto professor é de tempo", explica, depois de uma aula de 90 minutos do 10.º B da Escola Secundária José Estêvão, em Aveiro.
A escola está "muito contente", já percebemos. Ele, professor de Matemática há 35 anos, está sobretudo "honrado" por ter sido distinguido no seio da escola de José Pereira Tavares (1887-1983), professor e reitor do então Liceu de Aveiro. "Ao pé deste tipo sinto-me um nabo." Não há quem confirme esta informação. Funcionária de olhos verdes escondidos atrás de uns óculos: "O professor Arsélio é espectacular. É um homem pequeno mas uma grande pessoa." Ana Santos, aluna do 10.º B: "É diferente de todos os professores que já tive. Consegue tornar a Matemática mais simples e explica que ela está em tudo o que fazemos." Maria da Luz, professora de Matemática: "Não desiste enquanto não faz os alunos perceber o que ele está a explicar." Alcino Carvalho, presidente do conselho executivo: "Não se esgota na faceta de professor."
E agora, professor Arsélio? "Eu sou basicamente um produto da educação. Sou filho de camponeses de Santo André, Vagos, fui criado por uma irmã, quis ser padre mas a minha família não deixou, tentei ser marinheiro porque achava que era a melhor maneira de ser poeta." Não sabe se foi por acaso que foi parar a um curso de Matemática Pura. "Não era bom nem mau aluno, mas não houve nenhuma paixão assolapada."
Com verdadeira paixão fala da sua intervenção cívica. Foi dirigente associativo, envolveu-se na política (é deputado municipal pelo Bloco de Esquerda), tem um blogue (aveiro.blogspot.com/). No campo da educação, foi presidente do conselho executivo da José Estêvão, orientou estágios, dirigiu o Centro de Formação de Escolas de Aveiro, foi co-autor dos programas da disciplina, fundou o Sindicato dos Professores do Norte.
Na sala de aula - "a parte mais difícil, a relação directa com os alunos, mas também a que mais me realiza" - o que mais lhe interessa é "não perder nenhum aluno". "Quando perco um é uma desgraça completa", diz. E o segredo, se é que é segredo, é "arranjar estratégias que possam ir ao encontro das necessidades de cada um".
Defende que a melhor forma de potenciar o sucesso numa disciplina como a Matemática é permitir que os alunos tenham o mesmo professor ao longo de um ciclo de estudos - "eu tenho de ter persistência, respiração e tempo". Não dá "nada em papel aos alunos, para eles se habituarem a tirar notas", constrói com as próprias mãos sólidos geométricos para mostrar aos estudantes, maneja com destreza o quadro interactivo - "uma óptima ferramenta". "Sou um professor clássico que foi incorporando tudo o que há de moderno."
Mas não é um professor modelo. "Ninguém deve imitar-me. Meti muita água. Mas faço o que gosto e melhor do que isso não há no mercado."

Sandra Silva Costa

In PÚBLICO de hoje

NO RODOPIO DA VIDA


E assim vamos no ciclo do tempo. Lento, veloz, sereno, revolto. O tempo que se recicla e nos recicla. Lança-nos no retorno das coisas, nas repetições da paisagem, do sol, da chuva, da terra, da semente, do sono outonal, do renascimento, numa teimosia de renovar e reviver dentro do mesmo espaço e duma duração que se sente mas se não vê. O tempo, afinal, não existe. Existimos nós que passamos, morremos continuamente para a etapa anterior e nos refrescamos no presente e no advir. Sentindo sempre que tudo é volátil, passageiro, aparentemente insignificante. Experiências, descobertas, emoções, com o rodar do tempo esvaem-se, envelhecem, parecem sem sentido.
E, todavia, a esperança que sempre emerge mesmo das mortes, dos outonos, das sementeiras profundas, das árvores desnudadas e tristes, reaviva-nos irresistivelmente. De tal modo que a morte continua a ser visceralmente repugnante. Temos sempre preparado o alerta máximo para qualquer ameaça próxima ou distante. Mesmo com a fé pronta para entender a ressurreição e a eternidade sempre extraímos de cada breve momento a seiva plena como se fora um composto de eternidade. Foi Deus quem nos plantou na alma este instinto de eterno que ultrapassa o nosso raciocínio e mesmo as formulações da nossa fé. Está no âmago do homem. Com a vinda de Jesus cada pequeno gesto em torno da árvore da vida ganhou um significado novo. Não se trata duma armação lógica, mas da certeza íntima de que Ele remiu todos os segundos do tempo e da eternidade e por isso tudo ganha uma interpretação transcendente. Olhamos, assim, de outro modo para as Estações, a natureza, o próximo e o longínquo, a tempestade e o tom primaveril que sempre irrompe das tardes mais cinzentas. O fim do ano litúrgico, a coroa de todos gestos de redenção, a esperança do renascimento no esboçar dum advento intemporal mas prenhe da história redentora de Jesus. Assim nos apercebemos que o Natal é muito mais que uma soma de objectos trocados. É o grande jogo do afecto pela vida nos seus diferentes tons. É uma liturgia, uma parábola, uma história mais que mágica. Real. Com a estrela, os magos, o canto dos anjos, o Menino reclinado, a humanidade em festa porque redimida. Seja em que tom for, este hino de Deus no meio dos homens nunca pode deixar de ser repetido. Mesmo que o Natal pareça mais um ciclo com menos imaginação.

António Rego

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia


Os interesses. E os princípios?

1. O debate era sobre a globalização e ainda sobre o “choque” do rei de Espanha com Hugo Chávez. Não em Fórmula 1, mas quase! Vimos só a parte final. O suficiente para ouvir de gente diplomata e especialista a confirmação de uma ideia (inferior) que cada vez mais tem feito caminho: a noção de que, quando há grandes “interesses”, os “princípios” ficam de parte. Aplicavam esta teoria sem qualquer dificuldade à vinda de Chávez a Portugal como ao escravo império económico asiático. Mas mais interessante ainda, comprovavam que o Ocidente tem grave carência de líderes políticos.
2. Não deixa de ser interessante como a relativização dos princípios e a supremacia dos interesses (no caso energético-petrolíferos) convivem facilmente com a denúncia da ausência de lideranças. Ou seja, afirma-se o que se critica! Será por estas contradições cabais que alguns afirmam que estamos no fim da razão (política)?! A velocidade dos acontecimentos, propiciadora da lógica da quantidade e do esbatimento da clarividência das ideias vai, assim, fazendo o seu lastro percurso, onde bem e mal, verdade e mentira, caminham serenamente a par…
3. Por vezes parece que diante da “desordem” falta claramente deixar que uma “razão profunda” venha oferecer o tempero, o equilíbrio, a lucidez capaz de criar a ponte entre os interesses (legítimos, porventura) mas sem abdicar dos “princípios” em que queremos alicerçar toda a construção. Será que não reparamos que desprestigiando os “princípios” valorativos estaremos no princípio da desregulação cabal dos próprios interesses, o mesmo será dizer, no princípio do fim (a prazo). A ordem da racionalidade (razoável), para o ser, precisa de princípios inalienáveis que ofereçam uma luz de dignidade à própria vontade. Quando não, com facilidade, quereremos (como interesse) aquilo que humanamente não devemos.
4. Se dos lados asiáticos, da América latina ou de África, a busca democrática vai fazendo o seu sofrido caminho numa clara dificuldade em coexistir com a diferença, verdade se diga que esta denunciada carência de líderes também tem tido a confirmação da chamada potência (em queda) norte americana. Os candidatos democratas em ordem às eleições presidenciais, Hillary Clinton e Obama, têm andado (vergonhosamente com ameaças e ofensivas pessoais) “à turra e à massa”! Quanto ao modelo político de Bush, já nada a dizer! Pelo ritmo de descredibilidade democrática a que os povos se vão habituando, não admira que quem prometer um espectáculo diferente comece a ser rei e senhor. Pobreza de ideias. Talvez tenham(os, os líderes) de regressar à escola (com) os Diálogos de Platão, onde o entendimento, as virtudes e os princípios (re)começam a ser a “base” do Ocidente!

Alexandre Cruz

FÁTIMA: Igreja da Santíssima Trindade


Celebrações oficiais

Dezembro

No 1º Domingo do Advento, 2 de Dezembro de 2007, iniciar-se-ão as celebrações oficiais na Igreja da Santíssima Trindade.
Assim, durante o período de Inverno, terão lugar na nova igreja do Santuário de Fátima, as seguintes celebrações, do programa oficial do Santuário de Fátima:
- Sábados: Missa das 11h;
- Domingos e dias santos: Missas das 11h, 15h e 16.30 h, e Vésperas cantadas, às 17.30 h;
Para o mês de Dezembro de 2007 estão ainda agendadas as seguintes celebrações na nova igreja:
- 7 de Dezembro: Vigília da Imaculada Conceição (início às 21 h na Capelinha das Aparições);
- 24 de Dezembro: Vigília Natalícia – início às 22.15 h; celebração da Santa Missa às 23 h;
- 31 de Dezembro: Celebração de Acção de Graças pelo ano findo – 22 h;
Diariamente, o horário para visitas à Igreja da Santíssima Trindade mantém-se, das 11 h às 18 h, fora do tempo de celebração.


NOTA: Há dias recebi alguns protestos sobre as dificuldades em entrar na igreja da Santíssima Trindade, em Fátima. Aqui ficam os esclarecimentos que prometi.

Bonito

Vejam, que vale a pena http://uk.youtube.com/watch?v=LnLVRQCjh8c

Árvores de Natal do tamanho da nossa generosidade


Com a chegada de Dezembro, o mês de preparação do Natal, nas ruas, nas casas e nos nossos corações, parece que anda no ar já uma competição engraçada: há muitos a quererem montar a maior e a mais vistosa Árvore de Natal do País. Não vejo nenhum mal nisso, mas gostaria de reflectir um pouco com os meus leitores sobre esta realidade.
Conforme reza a tradição, o Natal é, para muitos, para além da celebração do nascimento do Menino Deus, a vivência da generosidade. Multiplicam-se os gestos de solidariedade, preparam-se os cabazes de natal, organizam-se ceias para os sem-abrigo e para os mais pobres e idosos, marcam-se nos restaurantes encontros festivos para dirigentes e empregados de instituições e empresas, montam-se, em todas as casas, os presépios e planeiam-se as consoadas nas famílias. É muito bonito sentir este espírito natalício um pouco por todo o lado. Mas… Há sempre um mas…
É já um lugar-comum proclamar-se que o Natal devia ser todo o ano, que Natal é quando o homem quiser. E é verdade. Este espírito festivo e solidário não devia ter dia e época marcados. Mas tem…
E porque tem dia e época marcados, acho que devemos aproveitá-lo, com todas as forças das nossas almas. Com presentes, com gestos de ternura, com caridade a rodos, com a solidariedade a atingir pontos altos, com a bondade e a tolerância a mudarem os nossos comportamentos, com a alegria a iluminar a tristeza de muitos, com as melodias musicais a marcarem ritmos novos de vida, com a neve a aquecer a nossa forma de amar quem sofre…
Então, que as Árvores de Natal, altas, muito altas, aquecidas por luzes rutilantes, sejam, de verdade, do tamanho do nosso amor pelos mais pobres e pelos mais infelizes. No Natal e sempre!

Fernando Martins

AS NOVENAS DA MINHA INFÂNCIA


Não é novidade para ninguém se dissermos que os nossos avós eram gente crente, de uma fé inquebrantável bebida no seio da família, onde as orações quotidianas tinham hora marcada. Ao levantar e ao deitar ficavam por conta de cada um, mas às refeições, em especial antes ou depois da ceia, havia habitualmente momentos de oração colectiva, com o terço a marcar presença na grande maioria dos lares gafanhões. O pai ou a mãe, se aquele andavam embarcados, ou um dos filhos, orientava a reza do terço, onde no final eram recordados todos os familiares falecidos, com, por vezes, intermináveis orações pelas suas almas, não ficando esquecidos os vizinhos e amigos.
Mas hoje vamos lembrar as novenas que, como o nome indica, eram promessas em que participavam nove pessoas, normalmente gente muito nova, para além da pessoa em dívida para com qualquer santo ou santa, ou mesmo Nossa Senhora. Também participámos em algumas delas, motivo por que hoje as queremos recordar, sabendo de antemão que alguma coisa passará, tantos são os anos que já se foram.
A “dona” ou o “dono” da promessa fazia os inevitáveis convites a nove meninos e meninas, ou só meninos ou só meninas, rapazes ou raparigas, conforme o prometido, e no dia aprazado, por norma ao domingo ou em qualquer dia santo de guarda, lá íamos em grupo, a pé, ora à Senhora da Saúde, na Costa Nova, ora à Senhora dos Navegantes, no Forte, ora ao S. João, na Barra, ora à Senhora de Vagos, onde rezávamos o terço e uma ou outra oração da devoção da organizadora da novena, para depois se regressar.
Se a novena era a um lugar perto da Gafanha da Nazaré, regressávamos a casa onde nos era servido um pequeno lanche à base de tremoços, pevides e um ou outro bolito. Para regar o que se comia, bebia-se água do poço e em casos especiais lembro-me bem de ter bebido um pirolito (gasosa em garrafinha com uma bola de vidro a servir de rolha, fixa no gargalo pela pressão do gás do próprio líquido). Se era longe, a merenda era mesmo ali, no largo da capela ou da igreja, a uma sombra qualquer, que naquelas idades nem se dava por ela. Contavam-se umas histórias, cantavam-se umas cantigas, algumas religiosas e ao gosto da “dona” da novena, olhávamos uns para as outras e brincávamos, corríamos e saltávamos. A um sinal da chefe lá regressávamos a casa, com uma tarde vivida de forma bem diferente, que naqueles tempos não havia televisões nem rádios com que passar o tempo.
Quantas vezes, a organizadora da novena, talvez pelo gosto de se ver rodeada de gente nova, até marcava uma nova novena para o próximo ano. É que, naqueles tempos, os “médicos” do corpo e da alma, para além dos curandeiros, eram muitas vezes os santos e Nossa Senhora, a quem se recorria em horas de aflição. Nunca nos lembramos de ter participado em qualquer novena em honra de Jesus Cristo, do Espírito Santo ou de Deus-Pai.
Diz o padre Resende, na sua já famosa Monografia da Gafanha, que “o povo da Gafanha, desde épocas remotas, vai em novena à Senhora de Vagos, a Santa Maria Madalena da Tabueira e do Rio Tinto e a outras igrejas e capelas circunvizinhas”. E refere que “nas suas aflições recorrem sempre a Deus ou aos Santos, e por vezes o cumprimento das suas promessas era bastante penoso”.
Claro que os tempos são outros e hoje as novenas caíram em desuso, tão certo estamos disso por não as vermos organizadas por esta Gafanha da Nazaré. Nas outras Gafanhas, não sabemos se ainda se mantêm, ou se também já foram trocadas por outras formas mais modernas de pagar promessas feitas em hora de aflições.
Não sabemos o porquê de essas promessas se apoiarem em nove meninos e meninas, rapazes ou raparigas, mas julgamos que o número nove terá algum valor simbólico ou mágico, a que os antigos estavam muito agarrados. Lembremos as orações e as comunhões nos nove primeiros sábados, por exemplo.
As novenas, como outras promessas feitas pelos católicos, estão também ligadas ao hábito de alguns quererem associar outras pessoas ou familiares às suas devoções. Nós próprios cumprimos algumas promessas feitas por outras pessoas. Minha mãe fez várias promessas que eu achei por bem cumprir para a não desgostar. E não só por isso. Se me diziam directamente respeito, por que não haveria de colaborar com quem teve a bondade e a devoção de interceder junto de Nossa Senhora por mim?


Fernando Martins

Foto: Igreja de Santa Maria de Vagos, restaurada

NB: Aceitam-se achegas e experiências análogas

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Ortodoxos e católicos reconhecem primado do Papa

Um acordo histórico foi obtido na comissão teológica mista entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas. No documento reconhece-se pela primeira vez o "primado" do Papa, uma questão que divide católicos e ortodoxos desde 1054, quando se consumou a ruptura entre o cristianismo ocidental e oriental. O documento foi aprovado pela comissão numa reunião em Ravena (cidade italiana que foi sede do Império Romano do Ocidente), entre 8 e 14 de Outubro, e divulgado quinta-feira. Ao falar sobre o "primado" do bispo de Roma (o Papa), o texto diz que acontece no quadro da "conciliaridade" ou "sinodalidade", noções que remetem para a noção de colegialidade de todos os bispos, católicos ou ortodoxos. "O papel do bispo de Roma na comunhão de todas as igrejas deve ser estudado de modo mais aprofundado", diz o documento. O próprio Papa João Paulo II tinha já escrito, na encíclica Ut Unum Sint (Que todos sejam um), sobre o ecumenismo, que o tema devia ser discutido entre as igrejas cristãs. Apesar da dimensão de colegialidade ter sido assumida pelo Concílio Vaticano II, a Igreja Católica continua a ter um governo hierárquico.
Com o título Consequências eclesiológicas e canónicas da natureza sacramental da Igreja - Conciliaridade e sinodalidade na Igreja, o texto não foi assinado pelo Patriarcado (ortodoxo) de Moscovo, que saiu do encontro em conflito com o patriarcado de Constantinopla (primaz espiritual para os ortodoxos). Os russos, metade dos 250 milhões de cristãos ortodoxos, vão pronunciar-se em breve. Walter Kasper, o cardeal que preside ao Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, comentou que o documento não fica posto em causa pela ausência russa. Mas acrescentou à Reuters que, sendo um "modesto primeiro passo para a unidade", o caminho "será longo e difícil". Também entre o Vaticano e o patriarcado russo as relações são mais próximas. A possibilidade de um encontro entre o Papa e o patriarca de Moscovo, sempre adiada com João Paulo II, é evocada com frequência. Publicado ao mesmo tempo em Roma, Atenas, Chipre e Istambul, o texto diz que as "prerrogativas" do bispo de Roma devem ser agora discutidas, tendo em conta as "diferenças na compreensão" sobre o tema. A próxima reunião da comissão está prevista para daqui a dois anos. [O documento está disponível em vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/ch_orthodox_docs/rc_pc_chrstuni_doc_20071013_documento-ravenna_en.html]
Um artigo de António Marujo no PÚBLICO de Domingo

OS LIVROS DAS NOSSAS ESTANTES MERECEM MESMO O LUGAR QUE OCUPAM?

Vasco Pulido Valente, conhecido escritor e cronista do PÚBLICO, disse, numa entrevista à revista PÚBLICA, que todos os anos, para ganhar espaço, dá e vende aos alfarrabistas uns 200 a 300 livros, sem interesse para ele. Embora não tenha assim tantos livros, como gostaria de ter, há anos queimei no meu quintal uns tantos, nem sei quantos, por em meu entender não terem qualquer valor literário ou outro. Uns familiares, quando tal souberam, protestaram, alegando que, qualquer livro, por esta ou por aquela razão, tem sempre lugar numa estante. Se não serve para mim, pode vir a servir para outros.
A partir daí, nunca mais destruí livros, embora os vá atirando para o sótão. Curiosamente, algumas vezes, já tive de recorrer a esses livros velhos ou considerados sem valor, o que me leva a pensar que, afinal, o que hoje não presta pode amanhã ser útil.
É verdade que semana a semana deito para o lixo jornais e revistas com reportagens oportunas e interessantes, por não ter hipóteses de os guardar. Há anos cheguei a coleccionar revistas e até alguns jornais, mas em dada altura não tinha espaço para tais colecções. Nem no sótão. Foram para o lixo. Guardava-os pelos temas que continham, mas quando precisava deles, para um ou outro trabalho, nunca conseguia localizar o que queria no momento.
Com os livros, porque permitem um enquadramento mais ou menos (des)ordenado nas prateleiras, ainda se vai tornando fácil arrumá-los. Mas revistas e jornais, isso não consigo.
Acontece que esta entrevista me fez reflectir sobre o que temos nas estantes. Tanta coisa que compramos sem nexo; tanto livro que, no fim da leitura, nada nos deixam; tanto livro que só nos empobrece, pelo nada que nos oferecem; tanto livro marcado pelo negativo da vida dos seus autores; tanto livro sem pés nem cabeça que compramos sob influência da publicidade que se faz à sua volta. E para ali estão à espera que um dia lhes achemos graça ou lhes reconheçamos um mínimo de valor. Até que um dia… os atire para o lixo. E a pergunta, que faço a mim próprio, é esta: Será que os livros das nossas estantes merecem mesmo o lugar que ocupam?

Fernando Martins

Na Linha Da Utopia




O LABORATÓRIO

1. Esta semana decorre, na Universidade de Aveiro, a 8ª edição da Semana Aberta da Ciência e Tecnologia, em que são esperados mais de 10 mil participantes e que, em múltiplas iniciativas, contactarão directamente com as potencialidades das ciências e tecnologias. A meritória aposta despertadora da curiosidade científica a partir das mais tenras idades manifesta-se, assim, como um elemento decisivo rumo a um sentido dinâmico e criativo do desejado progresso. Numa visão de ciências e tecnologias que nunca serão um fim em si mesmas mas um “meio” (de labor, trabalho) para o desenvolvimento humano mais eficiente, este, afinal, a meta de todo o conhecimento que mais se procura.
2. Ocorre esta semana de cultura científica na mesma altura em que pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) são apresentadas as previsões da taxa de desemprego estimada num valor superior em relação ao período homólogo do ano passado. Muito acima da problemática dos números políticos de desemprego apresentados há dias (se são virtuais ou reais, se de emprego mais longo ou temporário de dias ou semanas…), num contexto do muito confirmado desemprego de jovens licenciados, como hábito nestas alturas, erguem-se algumas vozes questionadoras sobre a utilidade dessa formação superior. Em contrapartida, e numa fundamental mentalidade renovada, muito se tem sensibilizado sobre esta necessidade premente de formação qualificada dos portugueses, a formação das pessoas e dos profissionais. Formação, sempre mais!...
3. Vivemos na fronteira da decisão transformadora do “tecido” português, mas onde nos quadros da essencial formação não chega só um pragmático quantitativo do “como” ou do “para quê”. O imperativo da qualidade, e esta implica todos os quadrantes da experiência humana da pessoa, do cidadão e profissional, será hoje a chave de um triunfo que se abre ao bem comum. Quanto mais PESSOA HUMANA, melhor profissional, mais inspiração! Talvez possa ser esta uma máxima que vença muitos mitos e slogans do “homem-fazedor não pensante” que vão proliferando mesmo em termos globais, alguns dos quais (por exemplo) exaltam muita da economia asiática quando esta provém da grotesca e escrava indignidade. Os fins não podem justificar os meios desumanos…
4. Se é certo que, hoje, Portugal pode ser um “laboratório gigante”, há algo que em termos de co-responsabilidade social é inadiável. É necessário olhar para o lado. Não chega agruparem-se os de sucesso em cima do seu sucesso que multiplica os milhões e as desigualdades… Como aperfeiçoar um “laboratório social” gerador de equilíbrios onde a par do mérito reconhecido dos génios também vença a inclusão estimulante dos menos hábeis?

Alexandre Cruz

domingo, 18 de novembro de 2007

DUNAS NA PRAIA DA BARRA


As dunas, na Praia da Barra ou por outras bandas, são sempre um convite a um passeio, só ou acompanhado, para descontrair. Aqui fica a sugestão de quem já fez a experiência.

Na Linha Da Utopia




A REACTUALIZAÇÃO DA TOLERÂNCIA

1. Há palavras que têm um sentido bem mais profundo que aquele que comummente é atribuído. Muitos outros conceitos também existem que, de tanto falar, vão perdendo a “validade”, de tão banalizados e vazios que vão parecendo. A ideia de “tolerância” é uma dessas palavras-chave sobre a qual talvez recaia mais um sentido negativo do que positivo. Lembramo-nos quando do “Ano das Nações Unidas para a Tolerância” (1995) de que se falava no sentido comum: “já que não nos amamos ao mesmos toleremo-nos”. Tal era (será ainda hoje?) o sentido menos saudável desta ideia chave da tolerância.
2. De raiz antiquíssima nos códigos humanos que foram abrindo janelas no (difícil) entendimento das formas diferentes de pensar e viver, levado ao limite da experiência humana há 2000 anos (na origem do Cristianismo), todavia, ao longo dos séculos (europeus) a história regista páginas sangrentas de intolerância, cruelmente esta agravada com as chamadas guerras religiosas que “quebraram” a Europa da inaugurada época moderna. Nesse salto qualitativo de descobertas e conhecimentos científicos (como sempre), aguardando-se o progresso e o entendimento, eis que, pelas raízes não iluminadas, a intolerância multiplica-se.
3. Será já no século XVII, diante do cenário europeu destroçado pelas guerras dos dois grandes blocos político-religiosos (Reforma e contra-Reforma) que o filósofo inglês John Locke (1632-1704), no esforço reflexivo propõe (como base para uma concepção plural de Estado moderno) a sua magistral “Carta sobre a Tolerância” (na primavera de 1689). Um documento de separação das muitas águas turbas na confusão dos planos, mas uma carta de fundamental cooperação das diversidades para o bem comum. Estava, assim, o terreno preparado para a coabitação das diferenças de pensamento (mas, posteriormente, como infeliz hábito, as más interpretações conduzem aos extremos…).
4. Nos 50 anos da criação da UNESCO, a 16 de Novembro de 1995, numa visão contemporânea, os Estados-membro adoptaram uma “Declaração de princípios sobre a Tolerância” e proclamaram 16 de Novembro como “Dia Internacional da Tolerância”. No esforço de resgatar o conceito, quem lê as mensagens anuais do Director-Geral da UNESCO e do Secretário-Geral da ONU, redescobre a urgência de acolhermos a tolerância com um valor positivo, que significa o oposto de passividade, indiferença, ausência. Neste nosso tempo global, onde (refere Kofi Annan, 2006) se verifica o aumento da intolerância, extremismo e violência, a ideia de tolerância poderá oferecer essa luz de entendimento para o desejado diálogo e “Aliança de Civilizações”. No tempo on-line em que se decreta “o fim da distância”, e diante das novas proximidades no viver com o “outro”, a Vida do futuro exige esta escola presente.

Alexandre Cruz