terça-feira, 19 de dezembro de 2006

UM ARTIGO DE ANTÓNIO REGO

HOMENS E GOLFINHOS
Desde muito novo me habituei a ver os golfinhos pelos mares dos Açores. Não faz parte da minha infância a descoberta das suas altas virtualidades. Simpáticos, brincalhões, boas companhias nas longas viagens de barco. Pelo que percebia, os pescadores não lhes achavam muita graça, pois roubavam muitos dos chicharrinhos que deviam cair nas suas redes. E, ainda hoje, saindo um pouco da costa, o lugar certo e a hora precisa de ver os golfinhos coincide com a espuma branca do lugar onde os cardumes acorrem para as suas abundantes refeições. É a lei do mar. Passados a animais de circo ganharam alguma magia e arrastam multidões para os seus rituais de acrobacia e velocidade dentro e fora das águas. Possivelmente ultrapassaram, nalguns casos, a colheita de ternura roubando, não já cardumes que podiam servir para a mesa dos pobres, mas algum lugar de afecto que é recusado a pessoas. Agora, com as ecografias de gestação, deixam extasiados alguns que revelaram indiferença pelo início da vida… humana. Nada mais bonito que o olhar duma mulher fixado na ecografia do seu filho. O recorte, o movimento, a constituição do corpo humano surgem como o primeiro documento que os pais gostam de revelar ao familiares e amigos com uma candura que não tem preço nem explicação. A ciência sente-se cada vez mais perturbada pelo acesso ao momento luminoso do início vida. Uma vida humana no ventre materno é algo de sagrado, subtil, frágil, sublime, na total incapacidade de defesa a qualquer agressão. Os estudiosos da comunicação reconhecem que é aí, pela modulação, sem palavras nem gestos, que começa o grande diálogo entre mãe e filho. E aí se contam emoções, alegrias, afectos, projectos. Dia e noite, dias e dias, em profundos colóquios de silêncio e embalo, onde a mãe e filho nenhum gesto é indiferente. Todos se acumulam para uma aventura comum da vida. Nada há comparável à vida humana.

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