quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Um artigo de Alexandre Cruz

Do ensino à educação
1. Saber muitas coisas não é sinal automático de grandeza em “ser pessoa”. “Quantidade” não é sinónimo imediato de “qualidade”. Saber “ler, escrever e contar”, certamente que não sintetiza toda a grandiosa tarefa educativa em “formar” pessoas criativas e felizes. A educação está muito acima do que se ensina, mas tudo o que se estuda deverá contribuir para uma saudável realização educativa. Há todo um património de valores e referências pessoais que a “razão” prática desconhece na sua profundidade e que, afinal, são a base em que tudo, a sociedade de pessoas, se edifica. O novo ano escolar está aí. Com ele novos ideais, metas, objectivos de uma educação plena de valores e virtudes humanas e solidárias se levantam; se assim não for será porque o centro de referência da educação integral está perdido, entretido, ou “sem tempo”, na margem. Por vezes, e tendo em conta a realidade do país, soa a estranho que quase todas as apostas se mobilizem no sentido escolar técnico-prático e tão poucas no sentido plenamente educativo, faltando discernir os caminhos da “missão do ensino” para a educação humana. Vamo-nos especializando tecnicamente em números, teclas e fórmulas e qualquer dia já nem sabemos assumir o relacionamento humano e social como parte integrante do processo de educação integral rumo à maturidade pessoal e a uma dimensão de pessoa integrada na sociedade. Depois admiramo-nos dos cidadãos “absterem-se” da “cidade”…; sabemos até que tantos instrumentos úteis favorecem o “individualismo” contemporâneo, mas temos (leia-se: não queremos ter a partir de cima) uma hora no horário semanal de formação humana, plural mas com centro na abordagem dos valores humanos, da dimensão estruturante pessoal e social, que ajudem a “pensar a vida” com “espírito crítico” construtivo e cultural; não damos lugar ao equilibrar do barco pessoal e por isso social. Em que referências “assentarão” os que vão perdendo a visão de conjunto da vida? Fechar-se-ão, cegamente, no seu mundo egocêntrico, restrito e limitado?... 2. De uma realidade não existam dúvidas: quanto mais se valorizar em projectos educativos a dimensão do “ser pessoa em sociedade” tanto mais e melhores profissionais darão as escolas à vida social. Desta escola de vida, alicerçada em valores de ética e corresponsabilidade social, é que sairão autênticos “mestres” que sabem aplicar com sensibilidade e espírito de serviço o seu saber. Caso contrário: Que dizer daquele intelectual que, aluno de 21 (de um a vinte!), não sabe mais nada para além da sua especialidade, nem sabendo relacionar-se com os outros que são alunos de 18 ou 12?! Ou então daquele que sempre foi levado ao “colo”, pós-adolescente que, sem autonomia e responsabilidade, chega à empresa com as soluções de “tudo” não sabendo “estar” nem “fazer caminho” com os outros?! Ou do outro, auto-suficiente brilhante incapaz de trabalhar em grupo, que nunca teve nenhuma dificuldade em nada na teoria escolar (e na escola não havia “horário” para lhe falarem da VIDA), ele que chega à “realidade” e não aguenta o “choque” da verdade da vida e cai em “depressão”?!... Dá-nos que pensar e desafia-nos a uma visão de conjunto! Se é estratégica e retórica a pergunta sobre “o que andamos a fazer na escola? (faz-se imenso)”, a verdade é que, fazendo-se tanto de “ensino técnico”, tantas vezes a escola dá a sensação de estar desligada da “educação humana”, das pessoas e da vida (Será?!). Nas escolas faz-se o mais que é possível na inesgotabilidade de alunos (a sua razão de ser), de professores (profissão / serviço que importa sempre dignificar na sua essencialíssima missão ao futuro do país – sem professores motivados não vamos lá!) e de funcionários, com toda a comunidade escolar mais abrangente. Fazem-se autênticos “milagres” na dimensão da gestão e do “ensino” no quadro da realidade nacional… Trabalhamos em quantidade, mas realizaremos bem? Em que bases pessoais? Afinal, quais os lugares da “educação” nas causas e valores humanos no sistema de “ensino”? 3. Tantas vezes, pelo arrastar os dias e pelo “apagar os fogos” das urgências da realidade, falta o rasgar de horizontes motivadores porque motivados, um “ideal”, um “sonho”, um “projecto” que mobilize as pessoas da comunidade. Não, não é questão de “ensino” ou instrumentos, é a questão estrutural e estruturante da educação no seu sentido amplo, integrado, inclusivo, a “educação” que, a montante ou a jusante, toca a todos e nela está, no fundo, a expectativa de todos os futuros. Meios perdidos com acessórios e tecnologias, tantas vezes, esquecemos as pessoas que são o essencial! Sem “elas”, sem “nós”, sem a “vida” em comum de todos não há comunidade, não há escola! Ano que começa, toca a campainha! Um convite ao apurar de sensibilidade na visão de projecto que alie o ensino à dimensão educativa integral em que os valores de uma identidade na pluralidade são a base de tudo; por isso um “projecto” atento às pessoas concretas no desenvolvimento da sua dimensão pessoal e relacional. Numa escola plural e multicultural, e agora já multilinguística (as crianças filhos de imigrantes entre nós estão a chegar à escola…). É tudo isto, num tempo novo, exclusivamente uma questão de computadores ou Internet? De maneira nenhuma! Mas agora que com valores, causas, ideais, motivação, os estudantes “agarrados” por uma educação integral que poderão com todos os instrumentos globais de utilidade técnica “render” muito mais para servir este mundo… lá isso é a verdade mais fascinante que só depende da aposta numa educação com valores. Não tornemos essencial o acessório! Os profissionais do futuro, para o serem de modo sempre melhor servindo a sociedade em geral, precisam de um “ideal educativo” que os faça crescer por dentro. Para quando “uma hora semanal” – nem quem sejam mesmo só 90 minutos, o tempo de um jogo de futebol! - de direitos humanos, cidadania, valores, ONU, UNESCO, filosofias, religiões, literatura, culturas…de modo não facultativo mas fazendo parte de um “projecto” nacional? Ou será qualquer dia a palavra “ética” já estranha ao vocabulário vivencial? Sendo certo que todos os instrumentos que usamos cada dia são admiráveis, todavia eles só são úteis, acessórios práticos. É que no princípio e no fim de tudo, não é pelas máquinas que iremos, mas sim “pelas pessoas é que vamos”! Afinal, qual o lugar da “educação” (da dimensão pessoal-social) no “ensino” dos conhecimentos? O que queremos para o amanhã? Pessoas saudáveis e situadas ou simplesmente técnicos?!... Sem semear não esperemos colher!

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