terça-feira, 30 de maio de 2006

Um artigo do director do EXPRESSO, Henrique Monteiro

Lei e natureza
É UMA PERGUNTA difícil: em que ponto se estabelece o limite para o que não é natural, no que respeita à vida humana? E não tem seguramente uma só resposta. Mas, se fosse possível estabelecer esse ponto, teríamos uma resposta fácil a questões como a reprodução medicamente assistida, o aborto, a adopção de filhos por homossexuais, a clonagem e uma série de outras técnicas ou métodos cujo desenvolvimento acarreta uma série de efeitos secundários imprevisíveis (e, provavelmente, a muito longo prazo) a par de uma enorme quantidade de benefícios visíveis e imediatos. Sinceramente não sei responder. Mas espanta-me que os partidos saibam, e o saibam não consoante a consciência de cada militante, mas, salvo raras excepções, de acordo com a facção. Ou, dito de forma mais directa, admira-me que os «partidos de esquerda» (PCP e BE, segundo o «Público») defendam o acesso de mulheres sós à reprodução medicamente assistida, ao passo que os partidos não-de-esquerda (presumo que todos os outros) acham que não. E surpreende-me que a Associação Portuguesa de Infertilidade diga que a lei, deste modo (como a não-esquerda impôs), seja inconstitucional. Se os partidos mais liberais fossem a favor de cada um fazer a sua vontade e os de esquerda reclamassem regulamentação do Estado, teríamos uma extensão, por assim dizer, das suas visões habituais de sociedade. Mas acontece que nestes casos se dá o contrário. Os partidos mais liberais regulam e os que passam a vida a reclamar Estado querem desregular - se uma mulher só quer um filho e é infértil, que o tenha. O Estado, afirmam, nada tem a ver com o facto de a mulher ser casada, unida de facto ou solitária. A lei pode substituir-se à natureza, porque só ninguém tem filhos. É interessante verificar este facto, embora dê por certo que quase ninguém o vai achar relevante. Actualmente desistiu-se de pensar sobre as consequências das ideias. UMA MULHER infértil, só, sem marido nem companheiro estável, com mais de 18 anos, desde que mentalmente saudável, deve poder recorrer à Reprodução Medicamente Assistida. Eis o ponto da esquerda! Mas porquê da esquerda? Do ponto de vista da esquerda uma mulher sozinha tem de ser igual a mulher casada ou unida? Deve ser encorajada a ter filhos porque, solitariamente, o decidiu? É isto que demarca a esquerda da direita? É esta a ideia de igualdade? A de que todas as mulheres com mais de 18 anos devem ser iguais - ponto final - e não queremos saber das condições familiares em que ocorre a natalidade? Mas, nesse caso, uma rapariga de 18 anos, se for fértil e mentalmente saudável, deve ser educada no pressuposto de que é indiferente ter ou não ter família? Devemos transmitir-lhes que a ideia da gravidez é diferente da ideia da estabilidade familiar? Se ninguém - nem a «esquerda» educa assim as suas filhas por que se propõem leis destas? Todas estas perguntas parecem ridículas, mas a vida é inesperada e o futuro é-o ainda mais. Não é possível enquadrar a vida de cada um em categorias iguais, nem legislar como se cada pessoa fosse uma peça ou uma máquina exactamente cópia de outra. Não sei a resposta à pergunta inicial - em que ponto se estabelece o limite para o que não é natural, no que respeita à vida humana? - mas sei que a única possibilidade de avançar neste campo é tentar evitar erros e andar com muita, mesmo muita prudência. hmonteiro@expresso.pt

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